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Bala na Cesta

O Basquete do Flamengo agradece (e eu também ...), por Alexandre Póvoa

Fábio Balassiano

05/01/2019 06h01

Na quinta-feira escrevi aqui sobre como o Flamengo mudou de patamar no basquete brasileiro. No mesmo dia Alexandre Póvoa, Vice-presidente de Esportes Olímpicos, enviou texto a algumas pessoas sobre mais ou menos o mesmo tema. Reproduzo o conteúdo abaixo porque vale a pena.

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Caros amigos rubro-negros,
O "Orgulho da Nação" – vitória no Super 8 e vaga na Liga das Américas 2018/2019 – já estava com saudades de um título importante do Flamengo no basquete. Dois anos é muito tempo de jejum para a nossa grandeza. Desde da NBB 8, "só" ganhamos títulos estaduais, conquistando o tridecacampeonato carioca (que esse ano foi até mais difícil, com o Vasco e Botafogo participando). Por isso, o sabor especial dessa conquista. A última dessa minha fase no Flamengo, da qual vou sentir muita saudade.

Lembrando que os seis primeiros textos nasceram de quatro conquistas da NBB, uma Liga das Américas e um Campeonato Mundial.

Diria que esse título do Super 8 começa na desclassificação no Sul Americano de 2017, quando sediamos a fase semifinal em casa. Ali, depois de uma era de ouro, o grupo vitorioso começava a dar sinais de desgaste. Reconheço que talvez tenhamos errado no timing de mudança da Comissão Técnica, que poderia ter ocorrido seis meses antes. Mas, mesmo assim, cabe lembrar que aquele grupo se recuperou e acabamos a primeira fase novamente em primeiro lugar.

Porém, o grupo já não estava unido como em outros campeonatos. Sentimos isso já nas quartas de finais contra o Minas e, definitivamente, na semifinal que perdemos contra Mogi, mesmo com a vantagem do mando de quadra. O clima e a postura no vestiário, apesar de muitas conversas, não era de um grupo com sangue nos olhos para vencer.

Era o final de um ciclo que por ser considerado super-vitorioso de uma comissão técnica muito competente. Decidimos por não renovar o contrato do José Neto e companhia, mas o final da relação se deu de forma completamente profissional e amistosa. Aliás, o Neto é um grande cara, merece a felicidade em qual clube estiver.

Aqui abro um parêntese para falar da contratação do Anderson Varejão. Foram cinco meses de muita conversa e convencimento. Estamos falando de uma negociação de um jogador que tem uma carreira muito vitoriosa de 16 anos fora do Brasil. Ele comprou o nosso projeto, em um processo que demandou paciência. Na sua volta às quadras, é interessante lembrar ele estava há um ano sem jogar. Era natural que não rendesse tudo que podia na primeira temporada, dada a longa inatividade. Nada que não estivesse nos planos. O Anderson é um baita profissional e é o jogador de basquete mais carismático do Brasil. A volta dele ao nosso país e à Liga Nacional de basquete foi importante não somente para o Flamengo, mas para o basquete brasileiro. Agora, depois da adaptação, ele começa a fazer a diferença para o nosso time.

Fomos então atrás de um novo técnico. Conversamos com três técnicos (inclusive um estrangeiro), mas a meta final sempre foi o Gustavo de Conti. A forma de jogar basquete mudou e, no Brasil, o Gustavinho está um passo à frente da maioria dos treinadores. Me impressionou muito a intensidade com que o Paulistano ganhou o NBB10. Cabe ressaltar que não é verdade que tenhamos feito qualquer proposta oficial a outro técnico que não seja o Gustavinho. Aliás, vários técnicos ligaram se oferecendo. Nesse mercado, as "cavadas" em cima do nome do Flamengo são usuais. Tivemos uma ótima conversa com o Gustavo em São Paulo, fizemos a proposta e ele aceitou como o maior desafio da carreira.

A formação do time foi bastante seletiva. Era o momento de renovar e trocar a maior parte do time, algo que não havíamos feito nas cinco temporadas anteriores, quando sempre mantínhamos a maior parte da equipe. O Marcelinho, também líder do grupo, havia se aposentado. Depois de muitos anos mantendo pelo menos a metade da equipe do ano anterior, era hora de fazer ajustes mais profundos. Ficamos apenas com três atletas: o Anderson tinha contrato em vigor, o Olivinha como símbolo da raça rubro-negra e nosso melhor jogador, o Marquinhos (esteve muito próximo de sair, mas resolveu ficar pela confiança que tinha na diretoria). Aliás, Olivinha e Marquinhos completam seis anos conosco.

A partir daí, formamos o resto do time com a seguinte base: trocaríamos os jogadores clássicos por atletas mais intensos. Isso explica a saída do JP Batista (grande cara, ótimo jogador) e a troca pelo Mineiro, por exemplo. Escolhemos a dedo (como sempre fazemos) o jogador argentino – Franco Balbi – para a armação pelas excelentes referências que tínhamos de técnica, habilidade e sobretudo caráter. Três atletas vieram do Paulistano, já acostumados com o Gustavinho – Nesbitt, Deryk e Jonathan – e ainda trouxemos o Davi do Basquete Cearense (o Pecos havia recebido uma proposta muito boa de Mogi). Para completar, também trouxemos, analisado com lupa, um jogador de um time que havia sido rebaixado (Liga Sorocabana) e que fizemos uma aposta – Kevin Crenscenzi.

Quero destacar também a contratação do gerente de basquete Diego Jeleilate, que vai ser responsável, além da categoria adulta, por reformular todo o basquete de base do Flamengo. Alguns frutos já começaram a aparecer, mas acredito que estaremos, a partir de agora, a voltar a formar vários jogadores na Gávea – o que foi uma falha de nossa gestão. Aguardem.

A nossa atuação no jogo contra o Orlando na pré-temporada da NBA foi aquém do esperado. Não jogamos o que podíamos e a derrota de 30 pontos desagradou a todos. Não a derrota em si, mas pelo fato de o time ter jogado bem abaixo do potencial. Começou o NBB11 e, conforme era esperado, o time ainda sentiria o desentrosamento. Perdemos três jogos no primeiro turno, um a mais do nosso planejamento original. O desgaste foi enorme, com 17 jogos disputados em pouco mais de um mês. A falta de tempo para treinamento foi fatal para o nosso insucesso na Sul Americana. Mais uma vez fomos eliminados dentro de casa por um time argentino.

Foi o primeiro momento de correção de rota. Por mais que o time fosse novo, não poderíamos ter perdido a classificação dentro de casa. Logo depois da última partida do Sul Americano contra Bauru, tivemos uma dura conversa no vestiário para demonstrar a insatisfação do clube com a má performance da equipe naquele começo de trabalho. Dezembro chegou e o time ganhou tempo para treinar. A evolução física, técnica de cada jogador e tática, foi nítida. Jogamos melhor os jogos restantes do primeiro turno do NBB e chegamos para o Super 8 muito confiantes. Ganhamos bem do Minas em um ótimo jogo e depois do Botafogo (que vem crescendo muito) em uma partida dura.

Restava a final com Franca, na casa do adversário. Fomos para Franca na expectativa de fazermos um grande jogo. Jogamos uma "partidaça" e fomos campeões lá dentro. No intervalo, vi que o sangue nos olhos havia voltado ao Flamengo. Com a nossa camisa e com esse espírito, fica difícil nos vencer. Vencemos com autoridade em um ginásio lotado. Tenho convicção absoluta que esse time vai ganhar o NBB11 e fazer um bom papel (ganhar é circunstancial) no Mundial que ocorrerá em fevereiro no Rio. Me arrisco a dizer (mesmo correndo o risco de estar me precipitando) que esse grupo é o segundo melhor que montamos nesses últimos seis anos, só perdendo, por enquanto, da equipe que ganhou tudo, inclusive o Mundial, em 2014/15.

Todos já sabem que estou me despedindo do cargo de VP de Esportes Olímpicos do Flamengo. Me emociono muito em relembrar que, no basquete adulto, chegamos à 12 finais – 4 NBBs, 5 Cariocas (em um ano não houve o torneio), 1 Liga das Américas, 1 Mundial e agora o Super 8 – e ganhamos todas. O "Orgulho da Nação" foi mais orgulho do que nunca. Com essa camisa, deixou chegar, é duro de ganhar da gente.

Além disso, tivemos a honra e o privilégio de jogarmos nada menos que cinco partidas contra franquias da NBA, fato inédito no Brasil, comprovando que o Flamengo tem o respeito não somente no Brasil, mas também a nível internacional. Aliás, exportamos jogadores para a Europa e até para a NBA. Melhoramos toda a infraestrutura do basquete rubro-negro, com ginásio reformado (piso, iluminação e vestiários), centro de força de primeiro mundo e o Centro Cuidar, para acompanhar nossos atletas desde a pré-temporada, desde a prevenção até a recuperação. Tenho clareza em dizer que temos hoje a melhor estrutura de treinamento do Brasil, comparável a de clubes da Europa.

O trabalho de base não evoluiu na mesma velocidade, mas estamos no caminho certo com a atual estrutura que montamos. Vários jogadores de outras equipes já estão aceitando propostas do Flamengo, mostrando a nossa credibilidade. No mais, como VP de Esportes Olímpicos, foram 260 títulos em 6 anos (média de um título a cada oito dias). Foram investimentos da ordem de R$ 26 milhões nas arenas esportivas da Gávea e mais R$ 112 milhões em equipes. Os recursos vieram de projetos incentivados – Lei de Incentivo Federal (incluindo o Anjo da Guarda), Lei de Incentivo Estadual e Lei Pelé – além de patrocínios privados.

A profissionalização dos Esportes Olímpicos foi completa. Encontramos a área em uma situação dificílima e estamos devolvendo a mesma completamente pronta para saltos ainda maiores. Somos, atualmente, no feminino, campeões brasileiros de Nado Artístico, Pólo Aquático e Ginástica Artística. Voltamos ao cenário nacional do vôlei ao disputar a Superliga B feminina. No judô, para reiniciar a construção, trouxemos a campeã olímpica Sarah Menezes. Na natação, voltamos a figurar entre os cinco primeiros no ranking nacional (dois atletas formados no Flamengo – Breno Correa e Luiz Altamir compuseram a equipe recordista mundial do 4×200 livre em piscina curta).

Minhas duas maiores frustrações: Primeiro, apesar do hercúleo esforço de passar por todas as etapas infernais da burocracia brasileira, ver o patrocinador da nossa Arena da Gávea desistir do projeto. Apesar de haver interessados, parece que a nova diretoria já declarou que não vai construir a arena, usando o "espaço nobre" para outras coisas (possivelmente, na cabeça deles, "mais nobres que os esportes olímpicos").

Além disso, a falta de um público cativo no basquete é algo que me incomoda demais. Depois de tudo que fizemos e conquistamos nos últimos seis anos, ter uma média de público de 500 pessoas é muito duro. Vivemos essa situação mesmo jogando em um ginásio olímpico, climatizado, preços populares e estacionamento de graça. Incrível como os rubro-negros, mesmo depois de campanhas vitoriosas nos últimos seis anos, não prestigiam o basquete rubro-negro da forma que deviam. Apesar das bobagens oportunamente eleitoreiras que foram faladas durante as eleições, saio feliz com o legado deixado.

Volto para a arquibancada. Foram 12 anos como atleta do Flamengo (laureado), 32 anos como conselheiro nato e seis anos como VP de Esportes Olímpicos (Benemérito). Eu saio do Flamengo hoje, mas o Flamengo não sairá nunca de dentro da minha alma. Volto em breve, podem ter certeza.

Desejo toda a sorte ao novo VP de Esportes Olímpicos e à nova diretoria do Flamengo. O sucesso deles será o sucesso do nosso clube. No entanto, espero que não haja retrocessos. Vitórias, profissionalização completa, busca de receitas para voos maiores. Estaremos sempre por perto. Para terminar, gostaria de agradecer inicialmente à Deus pela persistência, à minha família pela paciência, à torcida do Flamengo pelo apoio e à Chapa Azul original, que me deu a oportunidade de participar e colaborar na virada histórica do nosso clube. Agradeço também aos blogs e à imprensa, que publicaram matérias sobre os esportes olímpicos, desafiando a triste monocultura esportiva brasileira.

Muito obrigado a todos. Abraços, saudações rubro-negras por mais um título no basquete. Um até breve.
Alexandre Póvoa

Sobre o blog

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