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Bala na Cesta

Macarrão no chuveiro, probabilidades e persistência - a incrível história de superação de Shilton

Fábio Balassiano

26/02/2018 06h20

"Comprava macarrão instantâneo e com R$ 6 vinha um pacote com 8, 10 saquinhos. Não tínhamos micro-ondas, só que a água do chuveiro era muito quente, quase fervendo, porque vinha do aquecedor e o cano ficava no calor. É o que conseguíamos fazer pra comer. Eu quebrava o miojo na mão e colocava na água do chuveiro. Por dois anos e meio jantei isso todos os dias e estou vivo até hoje. Não é o ideal, não recomendo, mas era o que eu tinha para a época. Eu saí de casa sabendo dessas dificuldades que iria enfrentar quando fui para São Paulo"

Shilton Alessanco dos Santos nasceu em Cuiabá há 35 anos. Quem hoje vê o pivô do Bauru Basket, atual campeão do NBB, em quadra não tem ideia do que o rapaz de 1,98m passou. Filho dos rígidos Nilmon e Luzinete, casado com Georgia e pai de Matias (9 anos) e Guilherme (6), ele saiu de casa aos 14 anos pra lutar contra todas as probabilidades para se tornar um atleta de alto nível.

Não almoçava antes de ir pro treino, esquentava a água do banho em uma chaleira, veio de um centro com o basquete não tão popular (Cuiabá), rompeu o joelho quando estava se tornando profissional e foi campeão nacional como titular por Bauru quando um dos melhores jogadores do time, o ótimo Rafael Hettsheimeir, se transferiu pra Espanha.

Shilton é um vencedor e dono daquelas histórias que você lê e tem vontade de chorar de emoção. Dá nó na garganta do começo ao fim, e tudo o que ele fala é absolutamente incrível e inspirador. Confiram o papo do começo ao fim.

No final, só não digam a mim e a ele que tudo o que Shilton conseguiu foi obra do acaso, sorte ou coincidência. Se preferir ouvir em áudio, clica aqui.

BALA NA CESTA: Vamos começar pelo início mesmo. De onde você é? Como começou no basquete?
SHILTON: Eu sou de Cuiabá, no Mato Grosso. Sou nascido e meio que criado lá, pois saí cedo de casa. Acabei saindo quando completei 14 anos. Fui morar em São Paulo, capital, para jogar no Círculo Militar. Minha família toda é lá do Mato Grosso mesmo, as pessoas moram em Cuiabá e nas redondezas até hoje. Esse começo da minha carreira eu gosto muito, porque tem uma coisa que eu não gosto, que é da palavra sorte. Sorte é quando a oportunidade encontra a preparação.

Eu li um livro quando tinha dez anos de idade, que meu melhor amigo me emprestou. Chama-se "O sucesso não ocorre por acaso", do Lair Ribeiro. Sempre fui meio nerd e estava escrito isso aí. Por coincidência meu pai trabalhava viajando muito e tinha a oportunidade de fazer alguns cursos no Rio, São Paulo, Belo Horizonte e Brasília. Nesse período em que ele viajava foi quando comecei na escolinha de basquete. Com essa idade (10 anos) eu falava pro meu pai o que meus companheiros daquela época me diziam, que eu era bom jogador, que eu deveria tentar jogar. O complicado daquele tempo era o contato. Hoje em dia a gente tem e-mail, celular, rede social. Meu pai disse que ia arrumar um contato, pois tinha alguns amigos que moravam na região Sudeste e depois me avisaria. Passou um mês e meu pai veio com a notícia que tinha arrumado uma pessoa em São Paulo. Eu todo animado perguntei como, e ele disse que foi em uma de suas viagens. Ele pegou um voo que era Brasília, São Paulo e depois SP para Cuiabá. Nesse primeiro trecho, um senhor sentou ao lado dele e perguntou se meu pai gostava de futebol, gostava de esporte, pois ele estava lendo um jornal sobre o assunto. Se não me engano era a Gazeta Esportiva. Meu pai respondeu que sim, que era locutor esportivo de rádio amador e completou a frase dizendo: "Eu tenho um filho que joga basquete". A pessoa com quem meu pai falava responde: "Joga basquete, é? Prazer então, eu sou o Paulo Cheidde, presidente da Federação Paulista de Basquete". E deu o cartão ao meu pai. Foi uma grande coincidência. Paulo arrumou o telefone do Círculo Militar, Pinheiros e Tietê para o meu pai. Entrei em contato com as equipes e a única que me respondeu positivamente, dizendo que eu poderia ir fazer um teste foi o Círculo. O Tietê e Pinheiros disseram que não tinham interesse, que não estavam em fase de testes.

BNC: E aí você foi pra São Paulo na coragem, certo?
SHILTON: Eu fui, fiz o teste e 15 minutos depois meu pai já estava com a ficha da Federação para assinar. Isso ocorreu em novembro de 1996. No dia 23 de Janeiro de 1997, eu sei a data, pois é aniversário do meu pai, fui para São Paulo. As pessoas ainda comentam: "Nossa que sorte". E aí eu sempre me lembro do livro. Não foi sorte, pois eu treinava muito. Todo dia em Cuiabá eu chegava em casa meia noite por conta do treino e da escola. Nossos treinos eram noturnos e a escola era do outro lado da cidade da minha casa. Como eu tinha ganho uma bolsa para jogar, eu tinha que pegar um ônibus às 5h. Na minha casa não tinha chuveiro elétrico, então eu deixava uma chaleira lá para esquentar a água. Acordava minha mãe umas 4h50, estudava em uma escola de freira, o atraso não é permitido. Como eu já treinava em várias categorias lá em Cuiabá, até no adulto, eu senti que era meu momento, foi uma oportunidade batendo na minha porta, então eu senti que estava preparado para encarar este desafio.

Meu primeiro ano em São Paulo, desportivamente falando, foi excelente, pois meu time havia sido 4º colocado no ano antes que eu cheguei. Quando cheguei, fomos campeões. Fui eleito o melhor jogador da categoria, na época a Federação dava um troféu que tinha o nome de Osvaldo Caviglia, que a gente chamava de Girafinha. Lembro e guardo até hoje. Peguei seleção paulista naquele ano também, então na parte esportiva foi muito bom.

Quando eu saí de casa, minha mãe disse que eu tinha duas obrigações, estudar e jogar. Ela completou dizendo: "Se em alguma das duas você não estiver bem, você vai voltar pra casa". Meus pais eram e são muito rígidos nesse sentido, mas eu fui tranquilo, sempre fui bom aluno. Só que era uma situação diferente. Estudava de manhã e treinava à tarde. Nosso treino lá era às 14h. Eu saia da escola às 12h50 no Santo Amaro e corria pro Círculo, que é no Jardins. Como não tinha tempo, treinava sem almoçar e já ia com a botinha de faixa no tornozelo e com meu tênis de treino pra escola. Acabava a aula e eu saía correndo pro treino. As pessoas diziam que era muito complicado e difícil essa minha rotina, mas na época eu não conseguia mensurar todo esse esforço que eu estava fazendo.

BNC: Você treinava sem almoçar então?
SHILTON: Sim, treinava. Depois de uns cinco meses, minha mãe ficou sabendo dessa minha rotina e obviamente achou um absurdo. Conversou com a mulher do diretor da escola, que passou a me dar algumas fatias de pão para ir comendo entre a escola e o treino. Foi o que eu disse, Bala: eu não conseguia mensurar o tamanho desse meu esforço. Hoje eu espero que ninguém passe por isso, muito menos o meu filho, que gosta muito de jogar. Depois eu mudei de Santo Amaro e nós fomos morar embaixo da arquibancada do Ginásio do Ibirapuera. Pra mim foi até melhor.

BNC: Mas você foi morar com o pessoal do time?
SHILTON: Na verdade, só eu e mais um menino que também era de Cuiabá que meu pai tinha arrumado uma passagem pra ele. Ele era um ano mais velho, porém ficou só seis meses e foi embora. Nessa minha mudança para o Ibirapuera fui com mais dois atletas. Eles eram mais velhos que eu, e inclusive um desses era o George Salles, que hoje é técnico do Joinville no NBB. No Ibirapuera aconteceu uma situação diferente. Nós tínhamos um jantar que era servido até às 18h. Minha mãe, dona Luzinete, sempre pediu para eu ter educação e, além disso, insistia que eu tinha que trabalhar (jogar). Como eu só tinha um treino da minha categoria e eu já morava lá, qualquer um que me chamasse para ir treinar eu ia correndo, não importa a idade que fosse. Muitas vezes o técnico do Cadete me chamava para treinar. O treino deles começava por volta das 19h30. Nisso eu jantava naquele meu horário de 18h e ia pra quadra praticamente direto. Quando eu voltava para o alojamento, umas 21h30, 22h, eu já estava morrendo de fome. Imagina: naquela idade, com 14 anos, fase de crescimento, atleta.

BNC: E você não comia mais nada?
SHILTON: É, então. Aí a mãe de um amigo meu me deu um pote de plástico. Hoje nós compramos isso em loja de R$ 1,99, mas naquela época era caro, e eu realmente não tinha dinheiro pra nada. Às vezes meu pai me dava uns R$ 30 por mês e eu guardava quase tudo, pois não sabia quando ele ia poder me dar de novo. Com esse dinheiro eu comprava macarrão instantâneo, miojo mesmo. Eu não esqueço. Na época eu pagava R$ 6 e vinha uns oito, dez no pacote. Não tínhamos micro-ondas lá, só que a água do chuveiro era muito quente, quase fervendo, porque vinha do aquecedor e o cano ficava no calor. Quando eu falo isso pro meus filhos, eles ainda ficam revoltados.

BNC: Peraí, cara. Você esquentava o macarrão no chuveiro, é isso?
SHILTON: Sim. É o que conseguíamos fazer pra comer. Então eu quebrava o miojo na mão e colocava na água do chuveiro. Claro que não ficava do mesmo jeito que se fizéssemos no fogão, mas quando ficava crocante eu tirava a água, jogava o pó com o tempero e comia. Por dois anos e meio eu jantei isso todos os dias e estou vivo até hoje. Não é o ideal, não recomendo, mas era o que eu tinha para a época. Eu saí de casa sabendo dessas dificuldades que iria enfrentar quando fui para São Paulo.

BNC: Incrível. Nossa. E quando foi que surgiu a primeira oportunidade de virar profissional?
SHILTON: Sempre fui muito bem nas categorias de base. Meus times sempre foram campeões.

BNC: Tudo no Círculo?
SHILTON: Não, eu joguei dois anos no Círculo, depois fui para o Monte Líbano, onde joguei por mais dois e já no segundo ano de Juvenil eu fui para o Pinheiros por questão de escolha minha mesmo. Ouvia muita gente no meio dizendo que o basquete era questão de escolha e desde que tinha 16, 17 anos escutava pessoas dizendo que eu não iria virar jogador. Eu nem sempre fui pivô. Quando subi pro juvenil também comecei a jogar de ala e quando fui pro profissional eu fazia as funções de um 3, 4 e 5. Precisava me adaptar às situações que apareciam. Tanto que quando eu cheguei a Joinville, se você pegar as estatísticas da CBB, eu arremessava umas três ou quatro bolas de três por jogo. Foi uma característica que eu fui me adaptando, uma por conta de lesão e outra porque o time era muito assim, todo mundo tinha liberdade para arremessar.

Mas voltando ao juvenil, eu ganhava R$ 800, na época era um salário bom, era um dos melhores jogadores da minha categoria, isso foi em 2001. Naquela época eu tinha proposta de Araraquara para ganhar mais de R$ 2 mil e do Pinheiros para ganhar R$ 1 mil. Isso volta naquela questão de escolhas que eu citei um pouco antes. Eu acabei indo para o Pinheiros, pois tinha o Marcel de Souza como técnico da equipe principal e era uma equipe mais nova, com mais meninos, e eu fiz grandes amigos lá, que carrego até hoje, como por exemplo o Márcio Cipriano, o Guilherme Giovannoni e o Lucas Costa.

Para mim foi um privilégio ter esses caras no grupo, pois eles me ensinaram muito. Então lá no Pinheiros foi a minha primeira oportunidade como profissional. O Marcel usava muito o sistema do triângulo, eu era sexto homem, então dependendo de quem saísse, eu já entrava, e com isso tive oportunidades de jogar. Muitos meninos hoje quando sobem do juvenil não têm tanto espaço e eu sempre tive, acho que foi uma escolha bem acertada da minha parte. Eu poderia ter ido pra Araraquara para ganhar mais, só que provavelmente eu não teria o tempo de quadra que eu tive lá.

BNC: Você fez uma escolha mesmo com toda a dificuldade que teve na sua vida. Preferiu ir atrás da carreira do que do dinheiro no primeiro momento, coisa que muitos jovens hoje em dia fazem ao contrário…
SHILTON: Sim. Meu pai me perguntou uma vez quanto ganhava um jogador mais ou menos. Eu não tinha muita noção, mas disse a ele: "Um cara médio para bom, que não é estrela, deve ganhar uns dez mil". Ele então me aconselhou: "Filho, de R$ 2.000 (o que Araraquara tinha oferecido na época) para os R$ 10.000 falta bastante, e lá você não vai ter o mesmo espaço. Você não vai jogar". E ele tinha razão, pois aquele time tinha acabado de ser vice-campeão brasileiro, contava com Arnaldinho, Luis Fernando, Pipoka, Rodrigo Bahia no elenco. Foi quando ele me aconselhou, mas mesmo assim eu ficava meio perdido, pois meu pai nunca teve experiência profissional, eu não tinha ninguém para me dar uma orientação, diferente do que meu filho tem hoje, por exemplo. Então sempre resolvia minhas coisas sem a ajuda dos meus pais.

BNC: No Pinheiros foi legal então. Eu lembro daquele time do Marcel. Era bem divertido…
SHILTON: Cara, foi uma passagem relativamente boa, mas por eles não quiseram me emprestar para Araraquara quando acabou o campeonato Paulista e nós não classificamos pro Nacional. O Pinheiros me emprestou para Londrina, lá eu joguei muito pouco, pois tinha aquela regra de ter dois sub-23 e um sub-17. Aí eu voltei e depois de cinco jogos eu torci o joelho, foi um período muito difícil, pois eu fui pra Londrina ganhando R$ 2 mil, voltei com o mesmo salário e depois da lesão eles reduziram meu salário pela metade. Até hoje eu não sei se o clube sabe, mas teve um diretor que quis e conseguiu reduzir meu salário. Eu mais uma vez sem instrução não sabia se legalmente eles poderiam fazer isso, mas fiquei na minha, pois ali é um lugar que eles realmente cuidam dos atletas e eu só queria me recuperar. Quando eu voltei, fui pra Campos, que era o time do Guerrinha, fomos campeões cariocas em cima do Flamengo. Saí de lá e fui para São Bernardo, com o Marcel de novo, o que foi maravilhoso.

BALA: São Bernardo era o Databasket, né? Eu lembro daquele time. Era muito bom.
SHILTON: Um time muito bom este de 2004. Saía jogando eu e o Lucas Costa de pivô, o Jefferson Sobral e Douglas Viegas nas alas e o Daniel Caçamba na armação. Tivemos um paulista fenomenal e tenebroso ao mesmo tempo, pois não recebemos um real. Nada. Na véspera do primeiro jogo o Marcel disse: "Se precisar, eu ligo na federação e cancelo o jogo". Cada um teve sua escolha e nós resolvemos jogar, e isso é um dos motivos que eu tenho grande admiração pelo Marcel. Quando acabou, o Marcel disse que era ele iria pagar todo mundo e assim foi feito. Sem tirar um real, nada, viu. Depois desse campeonato, em 2005 eu já fui para Joinville, o técnico era o Kelvin, que hoje é supervisor lá e no meio da Liga o Bial chegou para comandar a equipe. Nessa minha passagem pelo Sul foi onde as pessoas realmente começaram a me reconhecer e a entender meu jogo.

BNC: Quando você ouvia das pessoas que deveria largar o basquete, que não iria virar jogador, o que você pensava? Porque hoje vemos atletas com biótipo absurdo, que têm tudo fácil, patrocínio e você foi indo na cara, na coragem e no miojo…
SHILTON: Eu realmente não ligava, porque como eu te disse, saí com duas seguranças de casa. Até quando eu conto pros meus filhos, o mais velho que entende mais, fica assustado. Minha mãe disse: "Filho, pode ir. Se der errado, arroz, feijão e ovo sempre vai ter na casa da sua mãe". Meu pai, um pouco mais duro, já dizia: "Vai e eu espero que você nunca mais volte para minha casa". Era complicado escutar isso com aquela idade, uns 14 anos, mas meu pai era espetacular e sóqueria só o meu bem. Até hoje ele não falou para mim, mas já me contaram que ele falava essa mesma frase para os conhecidos só que com um final diferente: "Eu não quero que meu filho volte pra casa, porque se ele voltar, ele não vai ter realizado o sonho dele, que é ser jogador de basquete. Então quero que ele venha só de férias".

Eu saí tranquilo de lá, sabendo do apoio deles. A minha primeira conquista com o basquete foi ainda lá em Cuiabá quando ganhei a bolsa de estudos na escola e meu pai disse que então poderia me pagar uma Coca-Cola e um salgado para comer no intervalo das aulas. Desde a oitava série (hoje nona), eu vivo pelas minhas custas. Ninguém nunca me deu nada de mão beijada, então eu realmente não me importava com o que as pessoas falavam de mim, só me importava em treinar mais. Teve técnico meu de base que chegava um cara grande, por exemplo, com 2,08m da categoria de cima, e meus minutos já caíam pois achavam que essa pessoa viraria jogador e eu não. Enquanto isso, eu já jogava na seleção brasileira, melhor jogador do time, melhor jogador do campeonato e isso nunca me confortou. Eu sempre queria treinar mais e buscar meu espaço cada vez mais. Não estava preocupado com o que os outros achavam de mim.

BNC: Isso vale pra temporada passada, quando o Hettsheimeir saiu de Bauru e muita gente disse que você não seguraria o rojão? Seu time foi campeão com você de titular…
SHILTON: Um pouco. Mas o ano que o Rafa (Hettsheimer) saiu lá de Bauru não teve um companheiro de time que olhou pra mim e ficou com essa dúvida. Sempre me apoiaram e diziam que contavam comigo. A torcida está sempre apoiando, mas não sabem como funciona o dia a dia, não estão em todos os treinos. Uma coisa que vou te confessar. Quando não tínhamos jogos e eu estava de folga, eu pedia para o Bruninho (preparador físico do Bauru Basket) para treinar separadamente comigo. Alguns jogos que eu estava com poucos minutos em quadra conversei com ele e pedi essa ajuda. Se não eu ia acabar perdendo ritmo de jogo e acabar me destreinando. Então enquanto todo mundo tinha folga, eu estava lá. Aí quando o Rafa saiu, o pessoal viu que eu dei conta, mas é isso que eu falo. Às vezes as pessoas não estão no dia a dia para saber como é o nosso comportamento nos treinamentos por exemplo. Eu não ligo, não me importo mesmo com o que os outros falam.

BNC: Você tem dois filhos. Eles gostam de basquete pra caramba também, né?
SHILTON: Meus filhos, Matias (9) e Guilherme (6) gostam. O Matias é fissurado em basquete, gosta de treinar, me pergunta quando eu tenho folga pra treinar com ele, fez até eu comprar cone pra ele ficar driblando, e ele realmente é um menino talentoso. Eu falo que sou 30/70, ou seja, 30% de talento e 70% de esforço. E ele é invertido, pois possui um bom talento. Ele tem 1,62m com nove anos de idade, já é bem alto, consegue driblar com as duas mãos, arremessa. E aí eu digo pra ele: precisa treinar e trabalhar mais que os outros porque não foi fácil eu chegar até aqui onde estou hoje. Falo sempre isso a eles, assim eles começam a enxergar logo cedo. Não tenho problema nenhum também em falar isso.

BNC: Você se considera um cara que venceu todas as probabilidades? É até horrível dizer isso, mas era pra dar errado. Não se alimentava, veio de um lugar onde quase não existe o basquete de base, teu pai meio que te "largou no mundo". Você tem isso na sua cabeça, que é um vencedor, né?
SHILTON: Claro! Minha mãe ainda diz: "Acho que você já nasceu com o bom senso". Como eu sempre fui muito pobre, o que me passavam era assim: concurso público que é bom, mas eu sempre sonhei e gostei da da parte de ser militar, então eu falava pro meu pai que se com 17, 18 anos eu não virasse jogador, iria tentar a academia militar para entrar pro exército. Na época se usava a palavra "exército", mas era qualquer força armada.

Quando eu entrei para a Marinha e agora que eu estou na FAB são duas coisas que eu almejava e conquistei na vida – ser atleta e ser militar. Meu ciclo militar se encerrou em Janeiro, mas eu consegui por oito anos conciliar os dois maiores sonhos da minha vida. Eu falo que sou vencedor, sim. Tem gente que mede o sucesso por dinheiro. Não é meu caso. Tudo o que eu tenho na minha vida foi o basquete que me deu. A minha esposa eu conheci no Pinheiros. Ela também era atleta e jogava vôlei lá. Então meus filhos eu crio e educo por conta do basquete. Os dois nasceram em uma cidade que eu tenho muito carinho, que é Joinville, que me abraçou desde o primeiro dia. Absolutamente tudo que eu tenho foi por conta do basquete.

BNC: Para finalizarmos, uma coisa que eu falo muito com os jovens é em relação ao dinheiro. Você deve ser uma pessoa que valoriza tudo, né? Quais são os valores que você passa para os seus filhos hoje? Eu vou ser pai agora, e talvez por tudo que ocorreu na sua vida, a sua maneira de passar esses ensinamentos seja diferente do que seu pai lhe passou.
SHILTON: Com relação a dinheiro, eu não tive educação financeira nenhuma. Eu não culpo meus pais por isso. Era uma coisa que não tínhamos, e eu fui pra São Paulo tentar a vida. Meus pais me contam que passaram um ano comendo a ponta da asa do frango. Não é a asa propriamente dita, é a ponta que vendia no açougue. Era mais barato, eu não lembro, mas são relatos que meu pai me conta. Eu nunca passei fome, mas meus filhos são diferentes, têm lanche da tarde, coisas que eu não tive. Eu e minha esposa concordamos muito em relação à formação e às vezes até poderíamos dar mais coisas para eles, mas eles precisam fazer por merecer, fazer por onde.

Graças a Deus a condição deles hoje é melhor do que a minha na época e eles realmente têm que aprender. Uma coisa que eu não lembro onde aprendi, mas que desde quando eles não sabiam contar ensinei é o seguinte: quando dou dinheiro para eles por qualquer razão, normalmente eu dou três notas para eles. Uma eles podem gastar como quiserem, com bala na escola e porcarias, mas as outras duas têm que guardar para economizar. A gente nunca sabe o dia de amanhã, então é esse tipo de valor que eu não tive quando pequeno. Mas estou tentando passar para meus meninos.

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