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Bala na Cesta

Sobre o fim de Brasília e o problema crônico de gestão do esporte brasileiro

Fábio Balassiano

26/08/2017 09h00

Brasília anunciou ontem que está fora do próximo NBB devido a problemas financeiros (já atrasou salários da última temporada aliás). Era algo já escrito, quase certo, mas que só ontem foi concretizado. O time emitiu nota oficial, culpou a crise econômica do país e deu "até breve".

A Liga Nacional ainda não se posicionou de forma oficial, mas Joinville, vice campeão da Liga Ouro, tem tudo pra entrar no próximo NBB. Informações concretas devem ser divulgadas em breve por parte da LNB. A temporada que começa em menos de três meses será a décima edição do campeonato, deveríamos estar apenas comemorando isso, pois os ganhos são grandes, mas na verdade temos também que refletir e nos lamentar a respeito. Não é a primeira vez que isso acontece (time fechar as portas por falta de grana), mas o caso candango é emblemático e merece um pouco mais de espaço. Primeiro para analisá-lo de forma particular. Depois partimos pro lado geral da coisa.

Brasília é um dos fundadores da Liga Nacional, participou das 4 primeiras finais (3 títulos), conquistou torneios internacionais (Liga das Américas e Liga Sul-Americana), encheu o gigante Nilson Nelson inúmeras vezes, sempre possuiu orçamentos gigantescos, tem uma torcida bem fanática e agora fecha as portas. É um time com ídolos, técnico jovem (o que será de Bruno Savignani, promissor pra caramba, a partir de agora?) e em um mercado interessante (a capital do país…). Nada disso foi suficiente para segurá-lo para a temporada 2017/2018. Estranho, não?

Nem tanto. Brasília é um caso particular dentro de um esporte brasileiro que, via de regra, tem pânico da palavra "gestão", que está 200 anos atrasado das melhores práticas não do mundo esportivo, mas sim do mundo corporativo (universo privado, obviamente). Pode parece radical o que vou falar, mas ficar reverberando a expressão "marketing esportivo" é uma imensa bobagem. Clubes e entidades deveriam se fechar cada vez menos em seus castelos (de areia quase sempre) e olhar cada vez mais pra fora, pras empresas e suas formas de atuação que têm dado certo. Com raríssimas exceções, o universo esportivo é paranóico, atrasado, pernóstico, cafona e com ideias do século passado. No Brasil, porém, elas (as ideias atrasadas) ainda persistem e o resultado é o que vemos agora na capital federal – um timaço fechando as portas.

E este não é um caso exclusivo de Brasília, não. Quase todos os times esportivos daqui baseiam seus "modelos de negócio" em algo que chamo de "uma linha de receita e só". Pra eles, a única forma de manter o time é através de um patrocinador forte. Só. Só isso. Nada mais. Qual o problema básico disso? Se o mantenedor entra em colapso… acabou a equipe. Meio óbvio, não? Pelo visto, não, porque acontece DIRETO isso por aqui.

São raríssimas as equipes que conseguem pensar não fora da caixa, porque isso é ridiculamente óbvio no mundo corporativo, mas sim racional e profissionalmente. Colocar mais linhas de receita (ingressos, programas de sócio-torcedor, vendas de produtos licenciados etc.) diminui o risco de, quando um patrocinador sai de cena, o time sair junto também. Isso acontece no seu orçamento pessoal também, não? Em 90% dos casos há apenas uma fonte de renda (o nosso emprego), mas conheço gente que possui um emprego fixo e algo variável (venda de doces, salgados, cosméticos etc.). Quando a galera do segundo grupo perde seu caraminguá fixo não é tão desesperador assim porque há uma torneira aberta do outro lado para seguir pagando as contas.

Elementar, não? Não, porque não é o que ocorre por aqui. Em termos de administração esportiva dos clubes, e falo disso há nisso tempo, estamos na pré-história ainda, motivo pelo qual qualquer profissional do chamado mundo corporativo tradicional tem / teria / terá muita dificuldade em um dia trabalhar no mercado esportivo brasileiro, arcaico pra caramba e com formas de administração que não combinam com quem está (sobretudo) no mundo privado vendo como as coisas (certas, boas e inovadoras) acontecem. E aí é uma roda viciosa, né? Você não consegue atrair os melhores profissionais, as práticas do dia a dia são ruins e atrasadas etc. Vai dar errado sempre e pra sempre, não? Enquanto não mudar, vai sim, desculpem dizer isso.

Vale lembrar, por fim, que dos times que jogaram a primeira edição só estarão no NBB10 Flamengo, Minas, Pinheiros, Paulistano, Bauru e Franca. Não me parece que para uma modalidade que precisa urgentemente construir uma identidade, uma marca, um posicionamento, isso seja interessante.

Considero, e falo isso há séculos, que os clubes do NBB precisam caminhar sozinhos, com suas próprias pernas, sem depender da Liga Nacional, que tem feito seu trabalho muito bem e conseguido patrocínios institucionais gigantescos. Isso é uma coisa. Na prática, no entanto, o que vemos é que a grande maioria das equipes não está conseguindo isso, falhando na hora de captar patrocinadores, retê-los, gerar novas linhas de receita, fazer ações concretas de marketing (atração e fidelização de clientes / consumidores / torcedores) e obviamente ter uma sustentabilidade por longo tempo.

Algo precisa ser feito pela Liga, que também tem seus inúmeros defeitos e problemas pra resolver, mas que conseguiu em quase uma década ser um pouco mais organizada, planejada e orientada para os negócios que seus filiados. Não falo da LNB passar parte da receita que ela tem obtido com seus patrocinadores (Caixa, Avianca, Sky etc.), mas sobretudo na transmissão de conhecimento, de criação de metodologias de gestão que precisam ser replicadas pelas agremiações e "etapas" que todos os clubes devem cumprir para que no final dos campeonatos não seja uma loucura de "caramba, aquele time não pagou salário", "quais serão as equipes no próximo ano?" e "o prefeito mudou e acho que não vai mais rolar basquete ali". Estes são alguns dos "argumentos" que ouvimos aqui direto, não?

A história de Brasília chegar ao fim é triste e deveria servir de reflexão não só pro time da capital federal, mas sobretudo pra Liga Nacional compreender o fenômeno que faz seus filiados não conseguirem permanecer na competição por mais tempo. Insisto: algo precisa ser feito. E rápido.

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