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Bala na Cesta

Há 21 anos mamãe Hortência tinha seu primeiro filho e guiava seleção a medalha de prata na Olimpíada

Fábio Balassiano

14/05/2017 06h00

Uma das mais belas histórias relacionadas a mães no basquete brasileiro foi protagonizada por Hortência Marcari. Mito do esporte mundial, a Rainha teve o seu primeiro filho, João Victor Oliva, hoje com 21 anos, atleta de adestramento e participante da Olimpíada do Rio de Janeiro em 2016, em 2 fevereiro de 1996 e menos de seis meses depois guiava a seleção feminina a conquista da primeira medalha olímpica.

O mais interessante de tudo é que Hortência não previa jogar a Olimpíada de Atlanta-1996. Ela anunciara o fechamento de sua brilhante carreira meses antes, já se estabelecia como dirigente e ajudava a Confederação Brasileira no planejamento olímpico. Em entrevista a Folha (grande Edgard Alves, mito!) em janeiro de 1996 ela disse:

"O fim da carreira foi bem pensado. Acho muito, muito difícil voltar à seleção. Meu filho vai estar pequeno e quatro meses é pouco tempo para recuperar a forma para o basquete. Sempre quis jogar dentro do meu melhor estado atlético. Não quero que vejam a Hortência jogando mal. Vou aos Jogos Olímpicos, mas não ficarei na Vila Olímpica. Vou estar com meu filho. Vou como diretora do basquete feminino e me hospedarei em hotel. Já está decidido", disse a Folha.

A história mudou um pouco (ou muito) depois que seu filho nasceu em fevereiro e Hortência foi convencida por Waldyr Pagan, seu treinador do começo da carreira e que fazia parte da comissão técnica liderada por Miguel Angelo da Luz. A camisa 4 decidiu, então, jogar com a seleção brasileira na Olimpíada.

"Conversei com muita gente e ouvia muitas pessoas na rua pedindo para que eu jogasse, para que eu estivesse nos Jogos. Uma vez o Waldyr chegou pra mim e disse: 'Hortência, permita-se desfrutar ao menos um momento da sua carreira. Você batalhou muito e não é justo que você não feche a sua trajetória com essa geração maravilhosa fora da Olimpíada'. E aí decidi topar. Treinei muito, em separado e mesmo não estando no melhor da minha forma técnica foi uma experiência maravilhosa estar com as meninas na Olimpíada", disse Hortência em contato com o blogueiro na tarde de ontem.

Com a decisão tomada, Hortência teve preparação física diferenciada, levou uma equipe inteira para cuidar de seu filho recém-nascido em um hotel em Atlanta e sempre se encontrava com João nos tempos livres.

"As pessoas falavam sobre o esforço de estar na Olimpíada com um filho recém-nascido, mas eu não enxergava assim. Sou muito prática, você me conhece, e tinha uma equipe inteira reunida para cuidar do João em Atlanta. Minha dificuldade maior era na quadra mesmo. Havia momentos em que minha mente sabia o que fazer, mas o corpo não acompanhava. Sempre fui muito exigente comigo, disse para a comissão técnica que iria treinar e que se no momento final antes da viagem aos EUA não estivesse me sentindo confiante que eles me cortassem. Foi uma combinação prévia, muito correta, envolvendo todas as partes e acabou dando certo. O mundo inteiro iria me ver jogar, seria minha última vez e queria deixar uma boa impressão. Só jogar pra mim nunca foi o caso. Queria, mesmo, estar bem, jogar bem, mostrar um pouco do que tinha feito nos anos anteriores", conta ela, relembrando que dois anos antes havia sido campeã mundial com a seleção na Austrália.

Craque que sempre foi, Hortência atuou não por 15 ou 20 minutos, como previa (aqui), mas no mínimo por 28 minutos em todas as partidas que disputou. Terminou com 13,3 pontos de média e só não atuou nas partidas contra China e Itália, poupada pela comissão técnica porque a seleção feminina já estava classificada para as quartas-de-final devido a leve lesão no tornozelo. Na eliminatória ela voltou, anotou 17 pontos e eliminou Cuba, rival de toda uma vida pela última vez.

O Brasil depois venceu a Ucrânia nas semifinais com 20 pontos de Hortência e perdeu a decisão da medalha de ouro para a fortíssima seleção norte-americana em 4 de agosto de 1996. Este dia marcou oficialmente a despedida da Rainha da equipe nacional e das quadras.

"Fomos muito bem, conquistamos uma medalha inesquecível e sou muito orgulhosa do que passei naqueles meses com meu filho e todos os que me ajudaram. Lembro que em muitas vezes nas nossas carreiras eu começava mal e a Paula me salvava. Em outros, ela não iniciava bem e eu ia lá para ajudar. Naquela Olimpíada, porém, era eu quem precisava de auxílio. Tinha voltado a jogar havia três meses e acabei sendo muito acarinhada e carregada pelas meninas daquele grupo incrível", finaliza a mamãe Hortência.

Craque, Hortência também é mãe de Antônio (faz 20 anos na próxima).

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