Fala, Leitor: A evolução dos alas-pivôs, por Heber Costa
* Por Heber Costa
Não faz muito tempo que o jogador da posição 4 (chamado PF, power forward, o ala de força ou ala-pivô) era geralmente um reboteiro de primeira, de muita força na hora de finalizar no aro e um chute confiável de média distância. Tanto é verdade que uma lista dos melhores PFs quase sempre inclui Tim Duncan, Charles Barkley (foto), Karl Malone, Kevin Garnett, Kevin McHale entre os 10 primeiros. Mas nessa lista também entraria Dirk Nowitzki, o cara que consolidou o papel do PF fora do garrafão e expandiu para além da linha dos 3 pontos. Antes dele, era algo raro. Mesmo bons chutadores, como Detlef Schrempf, arriscavam menos de uma vez por jogo. Eram outros tempos.
Hoje, porém, entre os PFs mais valiosos de hoje são nomes como Ryan Anderson, Draymond Green (foto), Kevin Love, Channing Frye e Kristaps Porzingis. Jogadores bem diferentes, mas uma coisa que todos têm em comum: chutam uma barbaridade de 3 pontos. Essa função de jogar aberto e matar bolas de três que ganhou o apelido de strech-4 (4 aberto). É uma tendência hoje crescente na NBA: todo mundo quer um desses caras para usar como PF aberto.
Mas o que levou a essa nova função do PF? O jogo mudou, e as funções também. A meu ver, três fatores parecem ter contribuído bastante para isso: primeiro, o surgimento de táticas que prezam pelo espaçamento da quadra; segundo, o declínio do chute de média distância; terceiro, a tendência atual da NBA para as bolas de 3 pontos. As três coisas estão interligadas e por si só dariam textos grandes, mas podemos falar um pouco de cada.
Ao menos dois times podem ter influenciado a liga em termos de espaçamento e gerado a nova versão dos PFs: o Phoenix Suns de Mike D'Antoni (2004 a 2008), que usava uma tática de ritmo alucinante — apelidada de pace-and-space (velocidade e espaçamento), de longe a maior influência no jogo da NBA hoje em dia. Muito se fala da velocidade, mas poucos falam do espaçamento desse time — e da artilharia de 3 pontos. Por quatro temporadas, os Suns lideraram a NBA em 3 pontos, chegando a ter 40% de aproveitamento. O esquema deixava espaço para o PF matar bolas de longe. O outro time, menos badalado, é o Orlando Magic de 2007-2009: seus dois alas-pivôs principais, Rashard Lewis e Hedo Turkoglu (que jogava muito na posição 3, mas tinha a altura de Lewis), não tinham muita força nem pegavam rebotes, mas chutavam uma grandeza de 3 pontos. Treinado por Stan Van Gundy (hoje no Detroit), foi talvez um dos primeiros times a usar ostensivamente a tática de um pivô no centro (Dwight Howard) e quatro jogadores abertos para destroçar os oponentes com tiros de longe.
O segundo ponto é um fato: o chute médio está em declínio — provavelmente consequência dos outros dois fatores. Apesar de ainda haver uns poucos especialistas de média distância, como DeMar DeRozan e LaMarcus Aldridge, a opinião dominante hoje é que esse arremesso é ineficiente. A lógica é simples: chutar de média distância é arriscado (marcadores chegam a tempo, exige habilidade, etc.) e a recompensa são só 2 pontos. Assim, é melhor uma jogada na cesta (bandeja/enterrada), que tem mais chance de sucesso. Jogadores bons da linha de lance livre usam penetração para tentar a cesta ou falta, assim garantem dois pontos fáceis e às vezes um pontinho a mais com um arremesso de bonificação. A outra alternativa é arriscar mais para ganhar mais: chutando da linha de 3 pontos, basta um aproveitamento razoável (35-40%) para compensar a margem de erro. Alguns defendem que a má fama é exagerada, mas o fato é que a moda de evitar o chute de média distância pegou. Em 2006, o arremesso médio (de 3 metros da cesta até a linha dos 3 pontos) representava 17% do total de chutes na liga. Em 2016-17, são pouco mais de 12%. Alguns times, como o Houston, só chutam 5% dos arremessos de média distância. Em outras palavras, hoje a maioria das chances é dentro do garrafão ou fora do arco. Isso forçou os PFs a se adaptarem.
Mais recentemente, os times se deram conta da vantagem do chute de 3 pontos: além de oferecer melhor custo-benefício, abre a marcação para facilitar infiltrações. Resultado: nunca se chutou tantas bolas de longe como hoje. Quando o Basketball Reference (veja o gráfico) começou a registrar a posição de cada arremesso, em 2000-01 em média só 17% de todos os arremessos vinham da zona dos 3 pontos. Em 2006-07, dez anos atrás, já eram 21% dos arremessos. Hoje, representam mais de 31% do total de chutes. Certamente é um dos fatores que forçou a evolução do PF. Além de decidir partidas, o fascínio que causa um belo chute de três numa hora decisiva conquistou definitivamente o público.
Depois de Nowitzki, esporadicamente surgiram PFs com bom chute de longe, como Matt Bonner, Steve Novak, Charlie Villanueva, Andrea Bargnani, Troy Murphy. Mas é certo que nunca houve tantos PFs desse tipo quanto há hoje: Marvin Williams, Nicola Mirotic, Paul Millsap, Mirza Teletovic, Ersan Ilyasova… praticamente um em cada time. Sem falar que PFs tradicionais, como Chris Bosh, Luis Scola, Thaddeus Young ou Serge Ibaka, passaram a chutar mais de 3 nos anos recentes. A tendência é tão forte que até os pivozões veteranos começaram a arriscar de longe, como é o caso de Marc Gasol, Brook Lopez, Marreese Speights e Al Horford. Alguns dos mais novos, como Anthony Davis, DeMarcus Cousins, Kevin Olynyk, Joel Embiid e Karl Anthony-Towns já chegam com um chute razoável no arsenal.
Essa nova função do PF, especialmente numa tática de pace-and-space, combina muito bem com o chamado small ball (uso de uma formação com jogadores mais ágeis e baixos), em que o PF muitas vezes vai para a posição 5 fazer o papel de pivô. Mas isso já é tópico para outro texto.
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