Topo

Bala na Cesta

Capitã sérvia diz: 'Odeio ouvir as pessoas falando do Brasil apenas sobre Zika ou Favelas'

Fábio Balassiano

22/07/2016 00h59

milica1Por trás dos olhos azuis de Milica Dabovic há uma linda história esportiva que será escrita nos jogos Olímpicos do Rio de Janeiro. Nascida e criada em uma família que respira basquete desde sempre (seu pai e irmãos jogaram, e sua irmã virá com ela ao Brasil na seleção), a sérvia de 34 anos viveu anos de dificuldade com a sua equipe.

Sempre considerada uma das mais talentosas da Europa, a Sérvia nunca conseguia avançar nos EuroBaskets para jogar Mundiais ou Olimpíadas. Bateu na trave por dez anos (entre 2003 e 2013), até que antes do Mundial de 2014, na República Tcheca, ela viu o sol nascer mais bonito para o seu país. A classificação veio, e no ano seguinte o título do EuroBasket da Hungria fez com que ela, a capitã de sua seleção, chegasse às Olimpíadas pela primeira vez. A estreia será no dia 7 de agosto contra a Espanha, às 14h15 (de Brasília).

A armadora conversou com o blog por telefone sobre a tradição do basquete no seu país, a expectativa para jogar a primeira Olimpíada aos 34 anos, o que espera encontrar no Brasil e, claro, o que ela pensa ao ser tratada como símbolo sexual.

milica2BALA NA CESTA: Aqui no Brasil será a primeira experiência olímpica do basquete feminino do seu país. O que vocês esperam enfrentar nestes Jogos Olímpicos? A Sérvia está em um grupo muito difícil. Dá pra pensar em medalha?
MILICA DABOVIC: Você tem razão quando fala sobre a primeira vez do nosso país no basquete feminino olímpico. Mas estamos nos preparando bastante para os Jogos. Não temos a experiência olímpica, mas sabemos lidar com a exigência das grandes competições. Foi assim que ganhamos o EuroBasket de 2015 e nos classificamos para o Rio-2016. Sobre medalhas, não dá pra pensar ou falar nisso ainda. Vamos aos Jogos tentando alcançar o máximo possível. Eu te diria sinceramente que ninguém além de nós acreditava que poderíamos ter vencido o EuroBasket em 2015. E vencemos. No Rio não teremos a experiência, mas como equipe temos qualidade, união e coração, que será a nossa principal arma no torneio. Nosso objetivo inicial é obter o máximo de vitórias possível.

milica4BNC: Sérvia tem uma boa equipe, mas tem jogado grandes torneios apenas de dois anos pra cá (Campeonato Mundial em 2014 e agora os Jogos Olímpicos). Quão difícil para você foi jogar sempre no continente, mas nunca em âmbito mundial? Você estreou em um Mundial aos 32 anos e agora fará sua estreia olímpica aos 34 anos.
MILICA DABOVIC: Devo dizer que não foi realmente fácil ficar todos esses anos lutando, mas quando se consegue chegar ao que conseguimos desde 2014 o gosto é realmente muito saboroso. É algo que, como time, nós construímos todas juntas e que poderemos ter mais um momento especial no Rio de Janeiro. Para mim é sempre divertido jogar com as meninas do meu país. Esta equipe, e a experiência que tivemos nas temporadas passadas são algo que eu vou levar para o resto da minha vida.

milikasBNC: Você estará fazendo a sua estreia olímpica jogando ao lado da sua irmã, Ana. É mais especial realizar um sonho em família, não ?E falando em família, eu li que o basquete está no seu sangue. Pai, irmãs e irmão estão ligados ao esporte, não?
MILICA DABOVIC: Sim, é isso mesmo. Meu pai foi jogador e técnico, meu irmão jogou e minha irmã atua profissionalmente e muito bem na Europa e WNBA há anos. Certamente foi um empurrão muito grande para começar a jogar e a amar a modalidade. Jogar uma Olimpíada com ela é maravilhoso. Não só por ser uma Olimpíada, mas porque não temos muita chance de jogar juntas em competições de clubes durante o ano. Vestir a camisa da Sérvia e conseguir disputar uma Olimpíada ao lado dela é algo especial e do qual nos orgulharemos eternamente.

milica3BNC: Será a sua primeira vez no Brasil? Do que você está ouvindo sobre o nosso país, o que espera encontrar? Sobre as pessoas, o clima, cidade, comida…
MILICA DABOVIC: Sabe, Fábio, vou lhe dizer. É a minha primeira vez no Brasil e não sei o que irei conhecer da sua cidade e do seu país. Estamos indo para jogar, disputar as Olimpíadas, e não sei se teremos tempo livre. De todo modo, vou ser muito sincera com você. Odeio ouvir que as pessoas estão falando do Brasil apenas sobre Zika, violência ou Favelas. Meus primeiros pensamentos sobre o Brasil são Samba, praias, pessoas agradáveis, esporte, um povo alegre e hospitaleiro. Prefiro encarar as coisas assim, e é justamente essa parte feliz do Brasil que espero ver por aí para depois contar a todos na Sérvia. Nosso país tem as melhores referências sobre o Brasil e espero encontrar tudo de bom na sua cidade.

milica6BNC: O Basquete é um esporte muito popular na Sérvia. Muitos jogadores são muito famosos (Vlade Divac, por exemplo), conhecidos internacionalmente. Para um brasileiro que não conhece a Sérvia, como eu, você pode descrever quão grande o basquete é por aí?
MILICA DABOVIC: Acho que essa é uma pergunta fácil de te responder começando pelo aeroporto. Quem desembarca na Sérvia é recebido com a seguinte placa: "Bem-vindo à Terra de basquete". É o esporte número um do país e esta placa descreve bem o que as pessoas na Sérvia pensam sobre basquete. Temos muitos clubes formadores nos bairros, três divisões profissionais entre os homens e duas entre as mulheres. Aos poucos vamos nos recuperando dos problemas financeiros que tivemos em nosso país para termos ligas melhores e mais atletas surgindo. Como nação, somos muito orgulhosos dos nossos sucessos do passado, do que as nossas equipes nacionais, do que os nossos clubes e do que os nossos atletas fizeram e ainda estão fazendo. Sou muito orgulhosa de ser jogadora profissional de basquete em um país cujas pessoas sabem tudo sobre este esporte.

milica10BNC: Por fim, uma pergunta inevitável: Você é um atleta e não são poucas as vezes que é tratada como símbolo sexual. Muita gente irá tratá-la como Musa dos Jogos Olímpicos, algo que pessoalmente não gosto pois você é uma jogadora de basquete antes de qualquer coisa. Isso incomoda, de alguma forma? Ou seja, ser tão ou mais conhecida como uma mulher bonita do que como jogadora de basquete que tem uma história incrível no esporte?
MILICA DABOVIC: Pergunta difícil. Entendo o que você quer dizer e aprecio a forma que você coloca a questão. De fato muita gente vem me entrevistar e quase não fala sobre esporte. Mas eu costumo dizer que a beleza nas pessoas vêm de dentro. Isso é o que eu penso sobre mim e como gostaria que as pessoas me vissem. Sou, antes de qualquer coisa, uma atleta profissional de um dos esportes mais populares do planeta e que irá representar o seu país em um evento impressionante como é a Olimpíada. É bastante coisa, não? Tento ser a melhor pessoa possível, e consequentemente a jogadora e capitã da equipe para dar o exemplo.

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.