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Bala na Cesta

Entrevista: exigente, Paco Garcia luta por título da Sul-Americana com Mogi

Fábio Balassiano

25/11/2014 13h00

paco2Paco Garcia está no Brasil há três temporadas. Contratado por Mogi para dar cara ao projeto de uma cidade fanática por basquete que voltava ao NBB em 2012, o espanhol então com 45 anos chegou ao país credenciado por ter sido assistente-técnico de Ary Vidal no Murcia. Desde então teve tempo para mostrar quão bom é com as pranchetas, comandando uma verdadeira revolução mogiana e também escrevendo em seu ótimo blog.

Na temporada passada levou o time, que se classificada em décimo-segundo na fase de classificação, às semifinais do NBB mesmo com um elenco pra lá de modesto. A força da torcida impulsionou investimentos. Chegaram Shamell, Tyrone, Elinho, Paulão e Gerson, e o desejado salto de qualidade também. Até agora são 3 vitórias em 5 jogos no NBB 2014/2015 e a passagem para a semifinal da Liga Sul-Americana. O adversário de hoje é o Boca Juniors (19h, com Sportv). Nada que assuste tanto a este espanhol que já provou não ter medo de grandes desafios. Confira entrevista exclusiva com ele.

paco3BALA NA CESTA: Como chega Mogi para esta semifinal de Liga Sul-Americana diante do tradicional Boca Juniors?
PACO GARCIA: Estarmos aqui é um motivo de muito orgulho. Dois anos atrás fizemos esta mesma viagem, só que em um ônibus sem ar condicionado, com janelas abertas e compartilhado com outros atletas. Estávamos indo para os Jogos Abertos. Agora, duas temporadas depois, viemos em um ônibus somente para nossa equipe e para disputar um Final Four de uma competição internacional. É um motivo de orgulho máximo ter conseguido chegar até esse patamar. Agora chegamos aqui com a máxima ambição, apesar de toda a dificuldade. Boca é um time com muita tradição, com muita experiência e com muitos bons jogadores. Contra isso tudo temos que enfrentá-los com nossa vontade de chegar à final, com nosso sonho de irmos adiante na competição. Sei que o time ainda tem problemas físicos, como o do armador Gustavo, mas o time está preparado para disputar um jogo importante. Estamos preparados para ganhar.

paco1BNC: Mogi estava disputando a sede das finais da Liga Sul-Americana, que acabou ficando mesmo com Bauru. Quão frustrante é não jogar essa decisão em casa, e, por consequência, atuar na casa de um dos favoritos a ganhar a competição?
PACO: Claro que gostaríamos de disputar as finais da Liga Sul-Americana em casa, em frente a nossa torcida. Mas a decisão da ABASU (organizadora da competição) de colocar Bauru como sede da final não cabe qualquer contestação. Temos que nos preocupar com as coisas que podemos controlar. Esta questão não podemos fazer nada. O que podemos fazer, agora, é nos preparar bem e disputar os jogos da melhor maneira possível. É o que temos.

mogi1BNC: A sua história com Mogi é uma das mais bonitas dos últimos anos no basquete brasileiro. No ano passado vocês avançaram às semifinais do NBB mesmo tendo passado na décima-segunda posição da fase de classificação. Os últimos meses em Mogi têm sido os mais intensos e surpreendentes de sua carreira como técnico?
PACO: Ah, falar dos últimos meses não é muito justo. Falar somente de um ano não é muito justo. Minha trajetória com Mogi não é somente de um ano, mas sim desde que cheguei aqui há três temporadas com um time modesto. Conseguimos, com muita luta, evitar o rebaixamento no primeiro NBB que disputamos de uma forma brilhante. Fomos melhorando a cada equipe a cada fim de temporada e aí pouco a pouco você vai conquistando metas, objetivos. Os atletas pouco a pouco vão entendendo a filosofia de um técnico estrangeiro. Eu não sou uma pessoa muito agradável no meu trabalho. Eu sou uma pessoa muito exigente. Não creio que no local de trabalho você está ali para fazer amizades. Você está ali para fazer coisas certas da melhor maneira possível. Este é o meu trabalho sim ou sim. Depois, quando temos que tomar uma cerveja ou sair para conversar, eu sou o primeiro. Mas no trabalho o nível de exigência é sempre máximo. Acho que todos os atletas entendem isso, essa busca pela excelência a cada dia, a busca da melhora contínua. Por isso conseguimos fazer um esplêndido final de NBB passado, indo até uma semifinal. Agora estamos na mesma linha, só que com muitos problemas físicos. Com Gustavo machucado e Elinho com outros problemas físicos estamos jogando quase sem armador de ofício. Mas o time sempre foi adaptando-se aos problemas para seguir crescendo e é nisso que eu confio.

tresBNC: Como é para o técnico de um time médio como era o da temporada passada passar a treinar uma equipe com jogadores como Shamell, Paulão, Tyrone e Elinho? A migração de um time mediano para um favorito, mais forte, muda muita coisa no dia a dia? Ou é a mesma coisa?
PACO: Bom. Para treinar, você pode treinar qualquer um. Qualquer um pode ir a uma quadra, fazer uns exercícios, dar uns coletivos independente do nível dos jogadores. Não muda muito. Mas no alto nível mais importante que os conceitos de basquete é saber misturar o que você tem dentro do vestiário. Tanto em questão dos egos, o que se pode ou não fazer, quanto em aceitar a filosofia do técnico e o treinador aceitar a filosofia, de vida e de basquete, de cada atleta. Isso é o mais difícil para qualquer treinador que encontra uma equipe de alto nível para dirigir. Um técnico sempre está aprendendo, e isso não é diferente para mim. Aprendo muito com os jogadores que treino. Para mim, portanto, é muito importante que cada um deles aceite o papel dentro da equipe. Nenhum dos atletas chegou aqui sem saber o que esperar tanto de mim quanto da diretoria. Sabiam como era o técnico, o nível de exigência que eu peço e precisam aceitar o que o técnico, no caso eu, está propondo para a equipe e eu devo procurar entender a mistura que existe para que a equipe funcione da melhor maneira possível. Agora estamos conseguindo chegar a essa boa mistura.

paco4BNC: Nunca vi um treino seu, mas me impressionam muito quando vejo as partidas pela televisão sua didática nos tempos técnicos e o nível de organização de sua equipe na quadra. Considera que essa parte de apego aos fundamentos e a organização foi o ponto mais trabalhado por você desde que chegou ao basquete brasileiro em 2012?
PACO: Quando se é organizado fora quadra é mais fácil que as coisas aconteçam de forma organizada dentro da quadra. Eu gosto muito de planejar meus treinos, pensar neles antes de executá-lo na quadra. Isso para mim é muito importante. Gostamos de correr com a bola, mas se não pudermos correr como devemos agir? É esse tipo de pensamento que deve estar na cabeça de um técnico e é assim que costumo pensar antes de dirigir qualquer atividade com meu time. Além disso sempre penso que quando todos marcam é muito mais fácil de a equipe ir bem e exijo isso deles. Nós buscamos a perfeição mesmo sabendo que a perfeição é impossível. Só que queremos chegar o mais perto dela possível. Esse é o objetivo. Às vezes conseguimos, às vezes não. A única coisa que eu peço a eles é que saiamos de quadra com a sensação de ter dado tudo o que tínhamos que dar na quadra, podendo olhar um ao outro com essa sensação.

mogi3BNC: Mogi é uma cidade fanática por basquete e que tem levado bom público ao ginásio em quase todas as partidas. Como é estar a dois jogos de dar o título mais importante da história do basquete da cidade? Como controlar a ansiedade do time que certamente há?
PACO: Me sinto muito animado, muito animado mesmo. Tenho quase 48 anos e ao longo da minha carreira tive a sorte de disputar competições importantes e ganhar algumas delas. Não sou uma pessoa que gosta de olhar para trás, mas sim para frente, mas agora quando você me pergunta isso eu olho um pouco para o passado e consigo ver o percurso que tive aqui. Cheguei ao Brasil há três anos sem conhecer nada e hoje estamos perto de um título Sul-Americano. Cheguei sem falar nada de português, hoje arranho um portunhol. Não conhecia muito dos jogadores brasileiros e de suas idiossincrasias. Conseguimos ir mudando muitas coisas no clube para chegar no patamar que todos queriam em termos de resultados e só posso agradecer aos dirigentes porque tenho certeza que se não fossem eles a minha história provavelmente já teria acabado. Agora, olhando o cenário, consigo ver que Mogi tem um dos mais organizados projetos de basquete do país. Se essa organização ajuda a ganhar os jogos? Sim, ajuda, mas não é tudo, claro. Por isso o jogo de hoje é de muito sonho, de uma animação incrível. Competição importante, adversário importante, momento importante. Tenho esse sonho de dar essa conquista a cidade que me acolheu tão bem, me acolheu como se fora um deles. Para mim Mogi é a minha cidade de Brasil, sem dúvida alguma. Como controlar a ansiedade do time? Com normalidade, sem fazer nada diferente do que fazemos em outras ocasiões. A experiência me fala que jogar nesse tipo de competição quanto mais natural você faz as coisas melhores são os resultados finais. Se fazemos uma reunião por dia, não dá para fazer três. Se fazemos um tipo de treinamento não dá para fazermos diferente só porque tem mais jornalistas ou pessoas acompanhando. Temos que ser aquilo que sempre fomos. É assim que lidaremos com estes jogos finais da Sul-Americana.

pacofinal1BNC: Como quase três temporadas no país, já dá para traçar uma radiografia do NBB, da modalidade por aqui? Em que estágio um espanhol como você coloca o Brasil em relação ao basquete?
PACO: Brasil tem excelentes técnicos e excelentes jogadores. Isso é um fato. Dois anos atrás, quando cheguei, disse que em pouco tempo o Brasil poderia ter uma das cinco melhores ligas do mundo. Agora, passadas quase três temporadas, você olha. Os números estão aí. Por exemplo, mais de 50 jogadores saíram de outros países para vir jogar o NBB, e isso aumenta o nível técnico sem dúvida alguma. Alguns pivôs de prestígio saíram da Europa para voltar a jogar aqui. Estou falando de Caio Torres, de Paulão Prestes, de Rafael Hettsheimeir. Isso muda a qualidade mas também a forma como o jogo é disputado aqui no Brasil. É algo natural. Com estes jogadores interiores, de força perto da cesta, é normal que os sistemas migrem de fora para dentro quase que instantaneamente. Não fica aquele chuta, chuta que muita gente fala. Para mim a Liga é um campeonato fantástico. Não há equipes fracos, qualquer time pode ganhar do outro e podemos assistir, em termos de qualidade e de equilíbrio, a um dos melhores campeonatos que já houve por aqui sem dúvida alguma. O NBB é um campeonato muito apaixonante.

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