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Bala na Cesta

20 anos do Mundial de 1994: Entrevista com Magic Paula

Fábio Balassiano

13/06/2014 11h01

paula1Maria Paula Gonçalves da Silva é uma dessas jóias raras do esporte brasileiro. Craque de bola dentro de quadra, crítica fora dela, Magic Paula conversou com o blog sobre a conquista do Mundial de 1994 e muito mais. Sem mais delongas, vamos à entrevista com ela (chamo a atenção para um trecho que para mim até então é inédito que ela conta sobre a quase saída de Miguel Ângelo da Luz antes do Mundial).

BNC: Conversei com a Hortência antes de falar com você e ela me disse que o sentimento dela em relação a conquista que se completou 20 anos ontem foi de "alívio" por ter conquistado algo tão grandioso no final da carreira de vocês e depois de tanto tempo batendo na trave. É o mesmo sentimento que você tem?
MAGIC PAULA: Não muito. É óbvio que tem todo este lado de ter tirado um peso das costas, mas para mim o sentimento é de felicidade, de alegria, de que depois de tudo o que passamos chegamos ao lugar mais alto possível. Era meu quinto mundial, se não me engano, e eu me lembro que um dia antes da estréia eu comentei com as meninas no vestiário: "Olha, provavelmente este será meu último Mundial. Não quero voltar pra casa com a sensação de que algo poderia ter sido feito. Vamos nos entregar 100% em quadra para fazer valer tudo o que treinamos". Por isso a sensação que fica é de missão cumprida, de ter carimbado com um troféu uma vida de muito desgaste e, óbvio, frustrações na seleção. Além disso, posso te dizer que quando você sobe lá no alto do pódio e ouve o hino do seu país existe um sentimento muito forte de "eu sou capaz", algo que acaba te destruindo quando as derrotas chegam.

paula8BNC: Você já parou para rever os jogos daquele campeonato? Ou nunca?
MAGIC PAULA: Inteiros, não. Em minhas palestras há alguns trechos, mas jogo inteiro, não. É meio estranho ficar se vendo, né. Parecia um jogo mais lento, diferente, não sei dizer muito bem.

BNC: Naquele Mundial o Brasil chegou desacreditado, com uma comissão técnica nova e passou por duas derrotas e um jogo duríssimo (Espanha) antes de chegar às semifinais. Vocês também duvidavam que poderiam ser campeãs?
MAGIC PAULA: Não sei se a palavra certa é 'dúvida', mas não sabíamos bem o que poderia acontecer. Começamos o campeonato não jogando muito bem. Ganhamos de Taipei, depois perdemos um jogo (Eslováquia), voltamos a perder na segunda fase (China) e depois suamos horrores contra a Espanha em uma partida em que perdemos o jogo quase todo para chegar às semifinais. É natural que as pessoas que acompanhavam o torneio nos olhassem sem colocar favoritismo na gente. Mas a nossa evolução foi nítida e linda da segunda fase para a semifinal. Crescemos muito defensivamente, as meninas mais jovens começaram a se encaixar, tudo passava a fazer sentido ali.

paulaBNC: Da partida final em si, há alguma lembrança especial?
MAGIC PAULA: Duas. Uma que foi no vestiário, antes de começar o jogo. Eu pedi a palavra e disse: "Moçada, fizemos tudo certo. Já chegamos aqui. Agora vamos ganhar, né". E lembro também que o ginásio da final ficava perto de um bairro chinês em Sidney. Então jogávamos de novo contra a torcida. Mas chegando lá vimos algumas bandeiras do Brasil e sentimos que pelo menos um pouco do ginásio estava conosco. Querendo ou não, quando você joga fora do seu país se apega a pequenas coisas para te dar força. Lembro que quando fomos campeãs, e eu só me senti realmente campeã do mundo quando o jogo acabou, que comecei a chorar e fui pegar uma dessas bandeiras que estavam com alguém na arquibancada.

paula2BNC: Muita gente fala sobre o trabalho técnico que foi realizado pelo Miguel Ângelo da Luz e pelo Sergio Maroneze (seu assistente). Há alguma situação bem bacana que havia dentro da comissão que você lembre com mais clareza?
MAGIC PAULA: Sem dúvida que sim. Lembro com muita clareza dos trabalhos que o Hermes Balbino (preparador físico) fazia com a gente. O Hermes era meu preparador físico no clube, e naquela época ele teve uma idéia excelente. No começo do ano ele começou a conversar com outros preparadores físicos de times que tinham atletas selecionáveis e a passar o que estava fazendo. Houve uma troca de informações importante e que beneficiou a todo mundo. Eu falava pro Hermes: "Pô, você está ensinando todos os nossos truques". Quando chegamos com o grupo na seleção, havia quatro sub-grupos de atletas muito bem divididos para que as atividades fossem as mais específicas possíveis. Em pouco tempo estávamos todas muito bem, na ponta dos cascos. Tem outra pessoa fundamental, que é o Waldir Pagan, supervisor. Ele foi um dos poucos que vi que se posicionou como supervisor mesmo, sem querer se meter no trabalho de áreas que não lhe cabiam. Além disso, o Waldir todo dia colocava nos murais das nossas salas de reunião fotos, frases motivacionais, estatísticas nossas e das adversárias e informações importantes do dia a dia. Pode parecer pouco, isso nunca vai para os holofotes, mas nos dava segurança muito grande de que estávamos bem assistidas em todos os lados.

paula3BNC: Sobre o Miguel especificamente, qual foi o sentimento de vocês meninas quando ele foi anunciado como técnico principal?
MAGIC PAULA: Olha, no começo o sentimento foi de revolta. Não há como dizer o contrário e isso é claro para todo mundo. A gente sentiu aquilo como um desprestígio com quem fazia o basquete feminino do Brasil. Foi trazido um técnico que ninguém conhecia, ninguém sabia de onde vinha. Vinha do masculino, não tínhamos referências. Foi natural o choque. Mas aos poucos o Miguel e o Sergio, que dava boa parte dos treinamentos, foram trazendo a filosofia deles e mostrando coisas diferentes, novas. Aos poucos as meninas mais jovens foram inseridas no sistema e vimos uma coisa muito bacana. Naquele Mundial as mais novinhas não tinham a sensação de que estavam ali para colaborar comigo e com a Hortência. Elas tinham funções e responsabilidades muito claras. Cada uma com alguma coisa importante para se fazer em quadra, cada uma com uma atividade para ser desempenhada em algum momento do torneio. Aquilo trouxe um sentimento de integração muito grande, de construção de uma identidade de grupo mesmo.

paula4BNC: Teve algum momento que foi mais turbulento na relação com o Miguel com o grupo?
MAGIC PAULA: Com a gente, não. Pelo contrário. Ele sempre foi um cara de diálogo, de conversar as coisas e mostrar o que e o porquê de estar tomando alguma atitude. Não foram raras as vezes que Hortência e eu estávamos com ele em reunião para discutir algo de plano de jogo, de treinamento ou qualquer outro assunto. Foi uma lição de humildade também. Ele chegou em um ambiente novo e precisava do máximo de informações, né. Quem pegava muito no pé dele era o Renato Brito Cunha. O Renato, então presidente da Confederação Brasileira, tinha sido técnico e entendia de basquete. Então ele ia aos treinos, falava, reclamava. Não sei se alguém já falou disso, mas teve uma série de amistosos contra Cuba para se preparar para o Mundial. Era lá no Nordeste, a gente jogava cada dia em uma cidade. Viajávamos, jogávamos, viajávamos de novo. Em um desses jogos, se não me engano em Recife, o Miguel chamou a mim e a Hortência e anunciou que estava pedindo demissão. Que não estava mais agüentando, que era muita pressão. Na hora nós duas falamos que ele não poderia fazer aquilo, que pressão ele sofreria em qualquer lugar e que o grupo estava com ele. Ficamos muito intranqüilas com aquela situação até que ele nos disse na manhã seguinte: "Vou ficar".

paula5BNC: Tem uma pergunta que talvez não faça sentido agora, mas vamos lá. Você foi campeã mundial em 1994, medalha de prata em 1996 e disse que terminaria ali, em Atlanta na Olimpíada, a sua história na seleção. Mas em 1998, no Mundial, você voltou a jogar pela seleção brasileira. E não saiu muito animada mesmo com a quarta colocação. Por quê?
MAGIC PAULA: Não foi pelo aspecto de quadra, mas sim pelo fato de que não deveria ter passado por tudo aquilo de novo. Mesmos problemas, mesmas situações não muito boas. E existia um clima comigo de "vai lá, você é que tem que decidir" muito diferente de tudo o que tinha vivenciado nos últimos anos. Me arrependi, confesso. Era uma outra turma, em outro estágio e vivenciei coisas que não precisava vivenciar. Algumas meninas jogavam comigo em clube, e na seleção olhavam para mim como se fosse diferente delas naquela situação. Era um ambiente diferente. Algumas vezes, na ida para o vestiário, no intervalo, vi duas jogadoras conversando e dizendo uma pra outra "ela que vá lá e decida". Era pra mim. Foi chato. O que mais lembro do grupo de 1994 era a harmonia que tínhamos, o companheirismo que carregávamos. Era tão bacana que quando tinha dia de folga as 12 iam comer pizza junto, iam se divertir junto. Lembro de uma vez, lá na Austrália, que fomos tentar ver o canguru, o tal canguru. Ficamos horas esperando, toda hora alguém dizia "lá vem ele (o canguru)", mas nada de o bicho vir (Risos). Era um grupo com responsabilidades divididas entre as 12, e com todas na mesma página. Todas foram parte integrante do sucesso, cada uma com seu esforço, responsabilidade e dedicação.

paula6BNC: Depois de 20 anos dá pra dizer que o basquete brasileiro não soube aproveitar a "onda" pós-título mundial de vocês?
MAGIC PAULA: É algo que o esporte brasileiro está acostumado, né. São sempre ações pontuais, raras. As pessoas normalmente só olham quando o processo já está no final, quando os resultados já começam a aparecer. O basquete vive dos clubes ainda, e os clubes estão iguais há 20, 30 anos. É chato demais isso, né. Na geração que joga hoje a gente não vê reflexo do que poderia ter sido plantado 20 anos atrás. Dava tempo, né. Na época os holofotes se voltaram para nós, mas não houve um encadeamento de pensamento, planejamento, estrutura. É triste porque o que poderia ter sido aproveitado não foi feito. Na nossa época tinha pouco dinheiro, jogávamos basicamente contra Cuba e times de meninos e treinávamos muito, mas não jogávamos contra escolas diferentes. Hoje em dia há muito mais grana e não se pode falar que melhorou muito – pelo contrário. Para você ter uma idéia, quando fomos campeã mundial eu recebi uma caneta Mont Blanc. Para mim era o que menos importava. Eu queria mesmo era ter sido campeã do mundo.

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