As lições da Copa Intercontinental em Barueri

Como vocês sabem, terminou ontem a Copa Intercontinental em Barueri. O Olympiacos, bicampeão europeu (acho que tem gente que esquece isso…), venceu bem o Pinheiros nas duas partidas (ontem por 86-69) e sagrou-se campeão da competição. Cabem alguns comentários sobre o evento, algumas reflexões sobre a forma como se joga por aqui. Vamos lá:

1) Bato nesta tecla novamente. Foi um evento de ótimo, ótimo nível. O treinador do Pinheiros, Cláudio Mortari, lembrou bem em sua coletiva de imprensa quando disse que não havia um time europeu de classe A no Brasil há quase 30 anos. É, de fato, um privilégio receber um clube do quilate do Olympiacos por aqui, e para uma competição que pretende ser ainda maior nos próximos anos (o NBB mesmo ganha um sentido ainda maior, com a vaga na Liga das Américas, que, por sua vez, garante o campeão na Copa Intercontinental). Deu tudo certo em Barueri: entrada do ginásio, vestiários (lindos), banheiros, som, quadra, relógios de 24 segundos, placares (um único problema neste domingo, resolvido em menos de 3 minutos), acomodação. Tudo nos conformes. As pessoas da Euroliga com quem conversei ficaram satisfeitas com o torneio – e não era forma política de dizer, não.

2) Sobre o público, vou repetir: foram cerca de 6 mil pessoas vendo dois jogos de basquete na sexta-feira e domingo. Dizer que é um público ruim, péssimo, decepcionante, como andei lendo, não é verdade. A média do último NBB ficou na casa dos mil pagantes por partida (e contando com times como Flamengo, Franca, Brasília etc.). O Pinheiros é um dos lanternas neste quesito, e trabalhou pra caramba pra reverter essa lógica. Devido ao seu ótimo trabalho (liderado por João Fernando Rossi, talvez o grande idealizador do torneio em Barueri e um dos maiores sonhadores e desbravadores por um basquete brasileiro melhor), fez inúmeras ativações em escolas de Barueri e de São Paulo e levou um público bacana pro ginásio. Se não é excelente (não é), 3 mil pessoas para um jogo de um clube social (sem camisa de futebol) de outra cidade (o Pinheiros fica em São Paulo, só pra lembrar), em horários não tão bacanas (sexta-feira 20h, com trânsito de SP pela frente, e domingo 11h30, perto do almoço) é um patamar bem significativo. Aliás, aqui cabe um questionamento: as seleções brasileiras masculina e feminina jogaram em Goiânia e São Carlos para menos de mil pessoas. Será que houve algum tipo de trabalho nas escolas destas cidades para promover os eventos da SELEÇÃO BRASILEIRA? Não creio…

3) Sobre os jogos em si, acho que está claro que o basquete brasileiro está bem defasado em termos táticos e técnicos (principalmente de fundamentos, defesa e leitura de jogo). Tomar a parte pelo todo (o Olympiacos é um primor de organização em um continente que nem todas as agremiações jogam de forma ortodoxa, que isso fique claro) nem sempre é bom, mas o jogo do Pinheiros representa muito bem o que é feito por aqui em termos táticos e de sistema ofensivo (talvez um pouco mais exagerado nos chutes apenas, mas a essência é a mesma, a mesmíssima). Ninguém é obrigado a copiar o estilo do outro, mas seria bacana ver um basquete um pouco mais pegado na marcação, mais estudado no ataque e menos baseado em jogadas de um-contra-um no setor ofensivo como temos por aqui atualmente.

4) Agora, o mais interessante de tudo foi que, com enorme humildade, Claudio Mortari, técnico dos pinheirenses, reconheceu tudo isso em sua coletiva (falando principalmente em defesa, problema bem crítico por aqui mesmo). O primeiro passo pra mudar, seja em que setor da vida, é reconhecer um problema e atuar em cima dele. Se o Pinheiros, que fez um ótimo papel contra o Olympiacos (isso precisa ser dito e ressaltado), conseguir diminuir sua sanha de bolas de fora, reduzir a velocidade de seu ataque e tiver um mínimo de consistência defensiva, como teve em alguns momentos contra o poderoso Olympiacos, certamente irá longe nesta temporada em suas três competições – Liga das Américas, NBB e Paulista. Só lembrando: mesmo com suas limitações a equipe de SP chegou a liderar os dois jogos. Durou pouco, a irregularidade e a falta de intensidade cobram preços caros, mas esteve longe de ser feio.

5) Entrevistei o técnico grego Giorgios Bartzokas, um primor de educação (o papo completo virá aqui na terça-feira), e a primeira pergunta que fiz a ele foi: "Por que tantos picks no mesmo ataque, qual o objetivo disso?". A resposta dele: "Ficou tão óbvio assim? A resposta é bem simples: quanto mais passes meu time trocar, mais espaços eu terei na defesa adversária. Quanto mais tempo eu ficar com a bola na mão, mais cansado ficará o time adversário. Ajuda o ataque a fluir mais e a minha defesa a ter energia pra atacar o ataque rival". Confesso que quase chorei quando ele disse isso.

6) Sobre a parte tática, tive a honra de ver o treinamento de Bartzokas (foto à esquerda) no sábado. Foi um dos melhores que já vi, de verdade mesmo – com todos os jogadores focados, calados e se matando em quadra. Foram 75 minutos de intensidade altíssima (nem parecia que em menos de 12 horas eles jogariam uma partida oficial), de inúmeras repetições de jogadas e defesas pegando firme. Seu ataque é bem simples: corte, corte, corte, respira, passe, passe, passe. Os três jogadores mais baixos (armador e alas) ficam no centro e nas laterais, e buscam os pivôs para fazer os cortes em direção a cesta (não há troca de posição entre os que ficam no perímetro, isso é interessante). O gigante vem, o armador/ala dribla seu marcador com a ajuda do ala/pivô e começa o carrossel grego. Não foram raras as vezes em que vimos um pivô (que precisa ser rápido para fazer este tipo de movimento) saiu embaixo da cesta pra cravar ou colocar a bola pra dentro. Com paciência, o time rodava a bola até encontrar a melhor situação de arremesso e/ou uma posição mais próxima, e consequentemente a de maior chance de aproveitamento, da cesta. Uma aula de passe (fundamento), paciência pra achar o melhor espaço (leitura de jogo) e pouca repetição de um mesmo arremesso (tática).

7) Aqui uma questão matemática. O Pinheiros realiza seus ataques em 12, 14 segundos (no máximo). Chega no ataque, troca poucos passes, abriu um jogador e sai o arremesso. De novo: não é errado, mas é um sistema que é arriscado – e que está longe de ser o que é praticado no restante do mundo. Do outro lado tivemos um adversário que ficava 20, 21 dos 24 segundos de posse com a laranja na mão. Resultado: parece o Barcelona de futebol jogando, trocando passe, passe, passe enquanto o adversário chega perto do gol (cesta) e rápido se desvencilha da pelota. Em uma conta boba, em oito minutos de jogo gregos e pinheirenses fazem o mesmo número de ataques (15), mas os europeus ficam com a bola em 300 segundos (cinco minutos), enquanto que os brasileiros nos outros 180″ (três minutos). Em uma partida, o Olympiacos ficaria 25 minutos com a bola na mão, e o restante com o Pinheiros. Isso explica porque, aliado ao fato de os campeões europeus terem uma rotação fortíssima, o gás dos brasileiros acabou no meio do segundo tempo de cada uma das duas partidas? Quem tem a bola faz o jogo, dita o ritmo. Quem não tem corre atrás do mesmo.

8) Depois do jogo conversei com alguns jogadores do Pinheiros, e todos foram unânimes em dizer: "Aprendemos muito, aprendemos muito com os caras". Joe Smith (foto à direita), sempre lúcido, foi além: "Não existe estilo melhor e nem pior. Eles só jogam o basquete como tem que ser: calmo, pensado, com muito espaço e coletivo. Não estamos muito longe assim, e podemos levar algumas coisas que vimos neste fim de semana para a nossa temporada". Cesar Guidetti, assistente de Mortari, foi perfeito: "Intensidade defensiva, mais leitura de jogo e pensar mais antes de executar. É o que fica".

Concorda comigo? Pensando nas duas partidas, o que você achou da Copa Intercontinental?