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Bala na Cesta

Sobre balanço financeiro, especialista contábil afirma: 'Se a CBB fosse empresa privada, estaria em situação falimentar'

Fábio Balassiano

26/06/2013 07h19

Por Professor Jorge Eduardo Scarpin, doutor em Contabilidade pela USP e docente do mestrado de contabilidade da Universidade Federal do Paraná (UFPR)

Análise Econômico-financeira CBB – ano base 2012

A Confederação Brasileira de Basketball encerrou o ano de 2012 em uma situação econômico-financeira levemente melhor do que em 2011, ou, como prefiro dizer, levemente menos ruim. Para comparação: é como se um aluno tirasse 2,0 em uma prova e 2,2 na prova seguinte. Para a análise ficar mais completa, vamos separá-la em grandes pontos, considerando o ano de 2012 e comparando com os anos imediatamente anteriores quando necessário.

  1. Endividamento

Apesar do ótimo nível de contabilidade e evidenciação das informações, pela própria característica da CBB que é trabalhar com convênios, os balanços ficam um pouco confusos e um ajuste precisou ser feito para fins de análise. Tal procedimento é relativamente comum, pois a visão de um analista é diferente da visão interna de uma empresa.

O ajuste refere-se ao recebimento antecipado de verba com convênios. É o caso de uma empresa injetar R$ 2 milhões para um projeto específico em 2012, mas o gasto será apenas em 2013. Isso faz com que a CBB tenha dinheiro, mas que não possa gastá-lo, pois o dinheiro é exclusivamente para tal projeto. E, enquanto este projeto não é executado, se considera uma dívida (passivo), visto que, se a CBB não gasta o dinheiro no projeto específico, este dinheiro precisa ser devolvido. É o que chamamos, normalmente, de dinheiro carimbado. Para efeitos de análise, é altamente recomendável que este dinheiro carimbado seja excluído da análise, pois dá uma falsa sensação de haver muito dinheiro em caixa e também uma quantia enorme de dívidas. Sendo assim, os valores passam a ser os seguintes:

ATIVOValores OriginaisValores ReclassificadosPASSIVO E PATRIMÔNIO LÍQUIDOValores OriginaisValores reclassificados
Ativo Circulante

6.140.230

1.584.322

Passivo Circulante

9.896.346

5.340.438

Ativo não Circulante

3.571.384

3.571.384

Passivo não Circulante

3.477.743

3.477.743

Patrimônio Líquido

-3.662.475

-3.662.475

Total

9.711.614

5.155.706

Total

9.711.614

4.187.997

 

Para chegarmos ao valor total das dívidas da CBB, deve-se somar o Passivo Circulante (dívidas já vencidas ou que vencem no ano de 2013) e o Passivo não Circulante (dívidas que vencem após 31/12/2013). Considerando os valores reclassificados, observa-se um montante de dívidas no valor de R$ 8.818.181. No balanço da CBB ainda verifica-se que a entidade possui cerca de R$ 4 milhões de reais em empréstimos bancários, quase o mesmo montante do ano anterior. Entretanto, isto é apenas a ponta do iceberg.

Sempre que olhamos o endividamento, temos que comparar o volume de dívidas com os bens que uma entidade possui para pagá-las. Em balanços de empresas normais, como Petrobrás, Vale , Embraer, Pão de Açúcar ou Sadia veremos um volume de dívidas muito alto, porém, como os bens que possuem são maiores ainda, tal fato passa a ser relativizado.

No caso da CBB, o rombo é muito pior. Apenas de dívidas de curto prazo, com vencimento no ano de 2013, o montante é de mais de R$ 5 milhões (depois da reclassificação), um aumento de 5% em relação ao ano de 2011, que já foi muito ruim, além de R$ 3.477.743 reais que a CBB considera que terá que desembolsar no longo prazo (38% superior ao ano de 2011 e praticamente inexistente em 2010).

Em uma empresa saudável, o volume de dívidas não deve superar 66% (2/3) do seu volume de bens e direitos (ativos). Entretanto, na CBB, o volume de dívidas representa 171% do volume de ativos, ou seja, a CBB tem de dívidas mais do que possui de bens e direitos, significando que, caso a CBB vendesse tudo o que possui, teria condições de arcar apenas com 58% de suas dívidas, sendo que estes são levemente melhores do que os péssimos números de 2011.

Além disto, se olharmos o que a CBB tem de bens e direitos de curto prazo, ou seja, que são mais fáceis de transformar em dinheiro, vemos que a situação é ainda mais catastrófica. Estes recursos, que em uma empresa normal devem superar as dívidas de curto prazo, cobrem apenas 29% destas dívidas. Isto faz com que a entidade seja de altíssimo risco para conseguir financiamento, fazendo com que pague juros muito altos para a rolagem da sua dívida.

Um fato positivo é que a CBB está conseguindo um alongamento das dívidas bancárias, com predomínio agora de empréstimos de longo prazo em relação aos empréstimos de curto prazo (fato que não acontecia em 2011). Entretanto, outras dívidas de curto prazo aumentaram, fazendo com que o volume de dívidas de curto prazo ficasse constante, mesmo com esta redução no peso dos empréstimos.

A situação, que já está ruim, pode piorar ainda mais. De acordo com a Nota Explicativa número 15, a empresa Champion Products Europe Ltda move um processo judicial contra a CBB referente a um contrato preliminar de patrocínio, firmado em 31/12/2008 e, segundo os assessores jurídicos da CBB, há um risco possível de perda. Este processo hoje está em R$ 4.175.535 e, se a CBB perder a causa, este valor vai impactar de maneira extremamente relevante nas suas dívidas, já muito altas, visto que estes valores, por ainda não ter decisão judicial, não estão evidenciados no Balanço da entidade.

2. Prestação de contas

Pelo que se depreende das informações da CBB, um fato me causou estranheza quanto aos passivos relativos às leis de incentivo. Nestas contas é contabilizado o dinheiro recebido e ainda não gasto com projetos (como explicado no item anterior). Normalmente, esta conta possui valores recebidos em um ano e que serão gastos em projetos no ano seguinte.

Quando esta conta fica com saldos constantes, pode-se observar ou que o projeto não caminhou no referido ano ou que está com alguma pendência de prestação de contas e por isto ainda é considerado como uma dívida potencial. No ano de 2012, um valor me saltou aos olhos. Há R$ 590.791 referentes ao projeto "Campeonato Nacional Feminino de Basquete", competição que já não é mais organizada pela CBB. E tal valor repete o ano de 2011, o que pode levar à conclusão de que não foi feita prestação de contas. Entretanto, como não há abertura maior sobre a razão pela qual o valor ainda permanece no balanço, não podemos fazer afirmação nenhuma neste sentido.

3. Déficit

O déficit (que é o equivalente a prejuízo se a CBB fosse uma empresa privada) diminuiu sensivelmente do ano de 2011 para o ano de 2012. Enquanto o déficit em 2011 foi de R$ 2.617.402, o de 2012 foi de apenas R$ 31.276. Isto deveria mostrar uma recuperação na capacidade da CBB em gerar caixa e, a continuar assim, deveria apresentar superávit em 2013, caminhando para uma melhora financeira.

O déficit poderia ter diminuído ou por aumento da receita ou pela diminuição da despesa, ou por uma combinação dos dois itens. As receitas tiveram sim uma leve alta, passando de 25,2 para 25,7 milhões de reais, algo, aliás, que vem ocorrendo desde 2010. Neste caso então, a explicação está nos gastos e, pela primeira vez desde 2010 (quando começamos a análise) os gastos caíram de um ano para o outro, de 27,8 para 25,7 milhões de reais, uma queda de mais de 2 milhões de reais. Isto deveria ser comemorado e muito. Entretanto, ao analisar a composição dos gastos, me deparei com alguns fatos interessantes:

a)     Juros. Sim, a CBB paga juros a bancos. Entretanto, pela primeira vez desde 2010 este valor diminuiu. Em 2009, a despesa com juros somou R$ 29.286, em R$ 2010 833.234, em 2011 R$ 1.272.059 e em 2012 recuou para R$ 717.950. Provavelmente, isto se deve ao alongamento da dívida, explicada no tópico anterior. Ponto para o gestor financeiro da CBB.

b)     Manutenção da estrutura da CBB. As despesas com pessoal somadas às demais despesas administrativas da CBB somaram R$ 12.558.639, ou, em média, R$ 1.046.553 mensais (você não leu errado, a CBB custa mais de 1 milhão de reais por mês entre pagamento de salários aos seus funcionários mais demais gastos administrativos – um recorde histórico). Isto tudo sem considerar os gastos com eventos propriamente ditos, só com a operação administrativa da CBB. Este número fica ainda mais preocupante, pois é crescente, visto que em 2011 este valor era de R$ 11.510.994, em 2010 R$ 8.935.196 e em 2009 R$ 5.935.244, ou seja, um aumento de mais de 100% em apenas três anos.

c)     Competições nacionais. A CBB manteve praticamente constante o gasto com competições nacionais, passando de R$ 5.635.259 em 2011 para R$ 5.265.037 em 2012. Entretanto, salvo melhor juízo, as competições nacionais adultas não são mais bancadas pela CBB e sim pelas ligas. Achei estranho também a CBB não ter divulgado nenhuma nota sobre este gasto. O único balanço onde havia uma nota sobre este gasto foi em 2010, quando se tratava de um gasto de 1,4 milhão naquele ano referia-se a competições nacionais das categorias de base Brasil afora. Se não houve mudança no rumo dos gastos, é de se presumir que as competições nacionais de base estão fortíssimas no Brasil, com um incremento enorme nos gastos. Deixo aos especialistas em basquetebol a resposta.

d)     Eventos. Está aí uma conta extremamente interessante. Em 2010, o montante foi de R$ 1.569.281, em 2011 R$ 3.950.713 e em 2012 R$ 1.450.915. E aqui foi onde encontrei o ponto mais obscuro de todo o balanço da CBB. Será que houve uma redução de gastos em 2012 ou será que o ano de 2011 foi um ano anormal e o gasto correto seria os de 2010 e 2012? Analisando a composição, observamos os seguintes aspectos interessantes:

  • Centro de Basquete Integrado (segundo a CBB, são centros para incentivar a prática do basquete): redução de 48% de 2011 para 2010, com um gasto total de R$ 290.525, o que dá R$ 24.210 mensais para todos os centros.
  • Clínica de Arbitragem (segundo a CBB, compreendem as clínicas de Formação e Atualização dos árbitros): redução de 46% de 2011 para 2010, com um gasto total de R$ 72.613, ou R$ 6.051 mensais para a formação dos nossos árbitros.
  • Auxílio à Filiadas (segundo a CBB, representam repasses para as federações estaduais de basquetebol para a manutenção das equipes de base):  aumento de 56% em relação a 2011, com um gasto total de R$ 441.583. Ressalta-se que em 2011 o valor já havia sido 170% superior ao de 2010, ou seja, este gasto é crescente. Entretanto, pelo menos considerando o que sai na grande mídia, não vejo muita equipes de base nas federações estaduais. De novo, preciso da ajuda dos especialistas em basquetebol.
  • Congressos: a CBB gastou em 2011 R$ 403.611 em congressos. Em 2012 este gasto foi zero. Não houve congresso algum em 2012? É de se perguntar então quais foram os congressos do ano de 2011.
  • Convênios: conta sem absolutamente explicação alguma, mas aqui mencionada por um singelo motivo. O valor gasto neste item foi de zero em 2010, R$ 1.495.667 em 2011 e zero em 2012. A grande explicação para a queda do déficit de 2012 para 2011 está aqui. Como a CBB não explica o que é esta conta, ficamos totalmente no escuro quanto à sua origem. Particularmente, achei muito estranho esta conta ter tido saldo relevante em apenas um ano. De novo, passo a bola para os entendidos em basquetebol explicarem quais convênios foram estes.

4. Conclusões

Fechando esta análise, se a CBB fosse uma empresa privada, estaria em situação falimentar, ou seja, ou já estaria de portas fechadas ou se encaminhando para isto. Não vou entrar no mérito se a gestão esportiva é boa ou não, não sou especialista na área, mas, com certeza, a gestão financeira está muito, mas muito a desejar. Mesmo considerando uma leve melhora na questão do endividamento e do déficit, a situação ainda é muito ruim.

Finalmente, quero dar meus parabéns para a equipe de contabilidade da CBB. As demonstrações trouxeram diversos itens de evidenciação, com uma boa qualidade contábil. Ressalte-se que toda esta análise foi feita com os dados fornecidos pela própria CBB em seus balanços, sem nenhuma montagem minha quanto a números, bem como nenhum acesso a informação privilegiada.

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