Topo

Bala na Cesta

Há exatos 50 anos Wilt Chamberlain anotava 100 pontos em uma partida da NBA

Fábio Balassiano

02/03/2012 00h13

Há exatos 50 anos o mundo do basquete se estarrecia com mais uma atuação de Wilt Chamberlain. Para quem tinha média de 50 pontos e 25 rebotes na temporada 1961-1962, qual então seria o motivo de surpresa? Em 2 de março de 1962, num jogo vencido pelo Philadelphia Warriors contra o New York Knicks por 169-147 (aqui as estatísticas da peleja), Wilt anotou a maior marca da história da NBA: 100 pontos.

Diante de apenas 4.124 pessoas (alguns que pagaram ingressos a US$ 2,50; outros que receberam o bilhete em um supermercado, como brinde pós-compra de uma máquina de lavar), sem sequer um jornalista de Nova York e câmeras de TV, o pivô anotou 31 pontos no último período de jogo para cravar o histórico recorde (para ser ainda mais detalhista, foram 23 pontos no primeiro período, 18 no segundo e 28 no terceiro).

Como em tudo em que Wilt se meteu, muita polêmica cerca o jogo. Muitos dizem que houve fraude na partida, pois os Warriors, pressentindo os três dígitos de Wilt, paravam os jogadores dos Knicks com faltas, para que a bola voltasse para as mãos do pivô no ataque. Com tramóia ou não, o mundo não possui as imagens da noite histórica em Hershey, Filadélfia, contra um dos lanternas da liga.

CLIQUE AQUI E OUÇA O ÁUDIO DO ÚLTIMO PERÍODO DA PARTIDA HISTÓRICA

Por isso que o livro Wilt, 1962, de Gary Pomerantz (Editora Crown), é um obra-prima. Resgata momentos brilhantes da carreira do craque, os fatos que antecederam a partida (Gary conta, por exemplo, que Wilt estava animado porque, na noite anterior, havia dormido com uma mulher que era seu desejo havia anos), a comemoração dos jogadores (a bola dos 100 pontos sumiu das mãos de Wilt, tirada por um menino de 12 anos, que na década de 90 tentou leiloá-la no programa da Oprah), e a reação de Eddie Gottlieb, o fanfarrão e pão-duro dono do Philadelphia, que, assim que a bola caiu na cesta para o centésimo ponto, disse: "Deus, e agora? Tenho que dar um aumento para este cara…".

Por isso o mais indicado para contar de fato o que aconteceu naquela noite, Gary Pomerantz, com quem conversei por email a respeito desta data histórica. O autor da biografia narra detalhes do dia 2 de março de 1962, encarna as comparações feitas entre Wilt e Russell, escala o seu time dos sonhos e até arrisca o palpite: algum jogador atingirá a marca algum dia?

BALA NA CESTA: Em 2006, Kobe Bryant anotou 81 pontos contra o Toronto. Você conseguiria descrever a dificuldade da marca de 100 pontos atingida por Chamberlain há exatos 50 anos?
GARY POMERANTZ: O que as pessoas hoje em dia esquecem é que Wilt tinha média de 50 pontos por jogo durante a temporada 1961-62. Quando ele marcou 100 pontos contra o Knicks, ninguém ficou absolutamente chocado. Alguns jogadores e técnicos esperavam que isso poderia acontecer. Só lembrando: Wilt tinha apenas 25 anos e era forte e atlético. Com mais de 2,15m e 140kg, ele corria a quadra toda como um trem. Eram pontos de todas as maneiras – ganchos, enterradas, até arremessos de longe da tabela. No quarto período, o conceito de jogo coletivo do Philadelphia Warriors simplesmente ruiu para que Wilt chegasse à marca. Era ele contra os Knicks, e Chamberlain ganhou. Se houve alguma coisa surpreendente naquela noite, foi o desempenho na linha dos lances-livres: 29 em 32. E arremessando de lavadeira…

BNC: Muitos descrevem Wilt como um atleta egoísta, sempre o relacionando com outro excelente pivô, Bill Russell. Você considera a comparação justa? Se ele tivesse atuado pelos Celtics, teria o mesmo número de anéis de Bill?
GP: Uma vez eu perguntei a Red Auerbach sobre isso: "Você ganhou 11 títulos da NBA com Russell. Quantos teria obtido com Wilt no lugar de Russell?". Red me respondeu: "Não sei, isso dependeria de como eu, técnico dos Celtics, conseguiria subverter o ego inflado de Wilt em prol do time. Mas, eu acrescento, também tenho um grande ego". Falar dos dois é como comparar o sol e a lua: Russell era a lua, cercado de toda uma galáxia de craques, enquanto Wilt era o sol, com sua habilidade simplesmente brilhando sozinho. Eu acredito que existe espaço no céu para ambos, a lua e o sol.

BNC: Ingressos a US$ 2,50, uma franquia comprada por menos de US$ 25 mil, Wilt recebendo o triplo deste valor na temporada 61-62. Dá para fazer alguma comparação com a NBA milionária de hoje? E qual seria o salário de Chamberlain, mesmo que seu chefe fosse o mesmo pão-duro Eddie Gottlieb?
GP: Bem, se Gottlieb estivesse vivo atualmente, ele teria 109 anos e eu acho que daria a Wilt um pequeno aumento – para cerca de US$ 80 mil anuais (ei, são cinco mil dólares!). Gotty era um adorável mão-fechada que se preocupava até se o time perdia as 12 bolas de basquete nos treinos e jogos. Uma vez ele foi pego tirando a bola da mão de uma criança quando a partida já havia acabado. Nós sempre nos perguntamos quanto um jogador ganharia nos dias de hoje. A habilidade de Chamberlain era incomensurável, e ele seria uma estrela em qualquer época. Ele tinha altura, força e agilidade. Qual seria seu salário na atual NBA? O máximo e mais um pouquinho…

BNC: Você chegou a encontrar Wilt Chamberlain antes de sua morte? Muitos escritores da época o descrevem como um sensacional ser-humano, divertido e inteligente. Como era, de fato, a personalidade dele?
GP: Nunca encontrei Wilt, mas sim alguns membros de sua família. Ele faleceu em 1999, quase quatro anos antes de eu começar a escrever o livro. Quando "Wilt, 1962" foi publicado, houve uma festa de lançamento na antiga casa dele, em Bel Air, Califórnia. Um dos donos da Ursa Maior, como Wilt chamava a casa, agora é George Meyer, roteirista dos Simpsons. Foi ali que conheci pessoalmente seu irmão, Wilbert, e sua irmã, Barbara Lewis. A personalidade dele era muito parecida com a arquitetura da Ursa Maior: criativa, engraçada, única e excêntrica. Além disso, ele tinha um excelente senso de humor. A mesma habilidade que fez com que ele atingisse 100 pontos com 25 anos de idade, fez com que ele dormisse com mais de 20 mil mulheres até o fim da vida. [Nota: A versão não é confirmada por ninguém, e humanamente impossível para alguém que morreu com menos de 70 anos].

BNC: Entre Wilt, Russell, Abdul-Jabbar e Shaquille O`Neal, quem você escolheria para o seu time? Uma vez, Oscar Robertson disse que Wilt era o maior de todos os tempos…
GP: Meu time? Eu contrataria Kareem, Wilt e Shaq, e colocaria Michael Jordan e Magic Johnson na armação. Shaq no centro do garrafão, Kareem e Wilt dos lados e nenhuma equipe conseguiria um rebote sequer. Imagine um time com Jordan e Magic ao mesmo tempo… Até Eddie Gottlieb pagaria para ver este time.

BNC: Você acha que algum dia a marca de 100 pontos será superada por alguém?
GP: Alguns dizem que recordes são feitos para serem quebrados. Mas este eu acho quase impossível de ser batido. Repare em todo o holofote levantado em cima de Kobe Bryant por causa de sua absurda pontuação contra os Raptors. E ele ficou a 19 pontos da marca de Wilt em um jogo completamente diferente – e com a linha de três pontos ainda por cima! Alguém faz festa para uma pessoa que escala 81% do Everest? Kobe é um magnífico cestinha. Mas eu acho que, se algum dia esta marca for quebrada, será por um atleta com mais de 2,16m, presente em todos os pontos da quadra, com ótimo arremesso de três pontos e, claro, que consiga fazer 29 em 32 nos lances-livres.

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.