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Bala na Cesta

Fã de bossa nova, argentino Kammerichs quer devolver hegemonia ao Fla

Fábio Balassiano

26/07/2011 12h56

Federico Kammerichs (à direita na foto) tem fala mansa e um conhecimento sobre a música brasileira que assusta (ele citou, três ou quatro vezes, a cantora Maria Creuza, nem tão conhecida por aqui). Aos 31 anos, o jogador, uma espécie de "faz-tudo" em todos os clubes que passou (Valencia na Espanha e mais recentemente o Regatas, de sua cidade natal, Corrientes), chega ao Flamengo disposto a ajudar a fazer o clube recuperar a hegemonia do basquete brasileiro, perdida para o Brasília nas últimas duas temporadas. Principal reforço da equipe, que também contratou o norte-americano David Jackson e o pivô Caio Torres, o ala conversou com o Bala na Cesta depois da apresentação da equipe na Gávea. Em um banquinho, só faltava o violão tocando bossa nova para Kammerichs ficar mais à vontade. Confira a entrevista com ele.

BALA NA CESTA: Como surgiu a proposta do Flamengo, e o que você está esperando dessa temporada?
FEDERICO KAMMERICHS: O Flamengo chegou até mim através de um ex-jogador argentino, o Leandro Palladino. Como as duas partes queriam que o negócio fosse fechado foi até fácil concretizar tudo. Apesar de estar feliz e adaptado ao Regatas há três temporadas, o clube e o Brasil me seduziram muitíssimo. Conversei com o Juan Pablo Figueroa, armador do Pinheiros, e tive ainda mais confiança para assinar por uma temporada. Minhas expectativas são as melhores possíveis. Estou com muita vontade de jogar e tenho um desejo muito forte de ganhar títulos. O aspecto esportivo pesou muito, estou aqui para atuar pela maior torcida do país afinal de contas, mas acho que aqui poderei crescer pessoalmente também.

BNC: O que você sabe sobre a Liga Nacional Brasileira? É verdade que, devido às situações econômicas dos dois países, o mercado brasileiro hoje é mais atraente que o argentino?
FK: Da Liga a verdade é que conheço muito pouco. Nada, te diria. Mas dos jogadores eu conheço de enfrentá-los não apenas pelos clubes (o Caio eu joguei contra na Espanha) mas também pela seleção. O Marcelinho está aqui e sei bem como é duro marcá-lo. Sobre a crise econômica argentina, o que posso te dizer é que ela ainda não chegou tão forte ao basquete de lá. Os clubes não são milionários, mas pagam em dia e pagam bem a seus melhores jogadores. Não posso te dizer exatamente se é mais ou menos que no Brasil, acho até que estão parelhos, mas lá os clubes são muito tradicionais, e isso ajuda muito a mantê-los com um orçamento alto.

BNC: Na Liga Nacional de Basquete da Argentina há sido instituída uma lei para promover os jovens. O que você acha disso? É uma medida eficiente para renovar não só as equipes, mas também a seleção nacional?
FK: Acho isso fundamental, sinceramente. Não estou muito por dentro, mas creio que seja uma boa medida. É importante dar espaço para os jovens, mas é bom deixar bem claro que eles também precisarão ganhar – espaço e títulos. Mas acho muito legal que os jovens tenham a possibilidade de participar de uma equipe adulta. Depois dependerá deles jogar bem ou não. Agora, eu te digo uma coisa: o mais importante para a nossa geração ter sucesso internacional não foi jogar na Argentina (nos clubes), mas fora do país. Eu atuei por sete temporadas na Espanha, por cinco equipes diferentes, e posso te dizer que foi isso que me fez crescer como atleta e como pessoa. É uma cultura diferente, são jogadores de todos os lugares do mundo e uma cobrança absurda pela evolução. É verdade que nós, argentinos (e falo também dos técnicos), tivemos a garra, a vontade de ir lá, mas foi o conhecimento dos europeus que nos fez crescer como seleção.

BNC: Sobre as diferenças técnicas e táticas entre os dois basquetes, o brasileiro e o argentino, o que pode dizer?
FK: São culturas bem diferentes, Fábio. Não dá para fazer tudo igual com povos absolutamente diferentes. Brasil conquistou muitas coisas com esta forma de jogar. O basquete mudou muito, os jogadores estão mais físicos, mas não dá para jogar no lixo tudo o que foi feito por aqui. Por mais que se necessite de mudanças, há uma forma de se jogar e se pensar basquete por aqui – e que merece ser respeitada. Antes do Mundial eu treinei com Marcelo Milanésio (ex-jogador e um mito na Argentina) e ele me disse que nunca treinou como nós treinamos atualmente – as cargas e os métodos são absolutamente distintos, o que é natural. Isso vem de nascença, de berço mesmo. Aqui vocês são mais simpáticos, mais animados, mais felizes e mais emocionais. A música brasileira já diz muito sobre o povo daqui.

BNC: Muito se diz que não houve renovação na Argentina. Essa medida tem como acelerar o crescimento dos mais novos, não?
FK: Bem, sem dúvida é isso. Mas deixa eu te falar uma coisa: quando você tem uma geração com Ginóbili, Scola, Oberto, Pepe Sanchez, o que você vai fazer? Foram anos de vitórias, títulos, medalhas. Não dá para chegar e dizer pro Manu um simples "Che, obrigado por tudo, mas agora tem outro pra entrar". Não existe isso. É importante deixar que os mais novos cresçam, mas o Ginóbili, pra ficar em apenas um exemplo, é um dos maiores jogadores do mundo ainda hoje. Dá pra deixá-lo de fora de alguma seleção argentina? Não dá. Vamos falar aqui do futebol brasileiro para explicar isso melhor. Muitos esperam que saia outro Pelé, outro Ronaldinho para ficarmos em um exemplo mais próximo (ele aponta para o campo de futebol da Gávea), mas isso é muito difícil. São gênios mundiais, personagens históricos. Não é justo ser tão exigente com os que estão chegando, tentando ainda se estabelecer em suas carreiras. A sociedade cobra muito uma troca, para que a Argentina continue no topo, mas eu te digo que não é possível ganhar sempre. Até o Barcelona, que agora ganha tudo no futebol, passará por um momento complicado algum dia.

BNC: Qual é a expectativa para o Pré-Olímpico? Imagino o sentimento que exista agora na Argentina por causa da geração dourada e da volta do Fabricio Oberto depois de seu problema no coração.
FK: Sim, a história do Oberto é lindíssima mesmo. Ainda não tive a oportunidade de conversar com ele, mas jogamos juntos por três anos em Valência e tenho um carinho enorme por ele. Será, de fato, uma sensação incrível para ele. Bem, mas a verdade é que há um grupo de oito, nove jogadores com vagas cativas, e eu estou entre os outros que briga para ficar entre os 12. Vou fazer de tudo para participar. Assim como foi em 2008, quando conquistamos a medalha de bronze em Pequim, tenho muita vontade de permanecer em um grupo vencedor. A sensação de obter uma medalha, por menor que tenha sido a minha participação, é indescritível.

BNC: Por fim: como foi aquele jogo contra o Brasil no Mundial da Turquia? Enfrentar o Rubén Magnano, técnico que deu o ouro olímpico para o país, foi bastante diferente, não?
FK: (Neste momento ele abre um grande sorriso) Bem, foi impressionante, impressionante. A verdade é que foi uma partida que se deve guardar na história. Os treinadores deveriam acordar e mostrar a seus jogadores todos os dias. Enfrentar o Magnano foi muito difícil, porque tenho um carinho muito grande por ele, que talvez seja o melhor treinador da Argentina. E imagino que ele estava comovido demais com aquela situação toda também. Para ele acho que a situação foi ainda mais difícil. O Luis Scola, minha nossa, que partida ele fez (37 pontos).

BNC: Da cultura brasileira que você fala tanto, o que te encanta por aqui?
FK: A música, de cara eu te digo a música. Sou fã de bossa nova, Vinícius, Toquinho, Maria Creuza, Bethânia, Gal Costa, Caetano, Chico e Gilberto Gil. Há um álbum do Vinícius, Toquinho e Maria Creuza chamado 'La Fusa' que não consigo parar de ouvir. É fantástico. Do cinema posso te dizer que todo mundo viu 'Cidade de Deus'. Gostei bastante.

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