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Bala na Cesta

A NBA perdeu a graça com mais uma estrela chegando ao bicampeão Golden State Warriors?

Fábio Balassiano

04/07/2018 06h06

O planeta basquete foi sacudido no domingo quando LeBron James anunciou a sua ida para o Los Angeles Lakers. Não durou 24h e o foco na Califórnia voltou a ser o Golden State Warriors. A franquia de Oakland, que perdeu JaVale McGee, seu pivô titular nas finais recentes contra o Cleveland Cavs, justamente para o Lakers repôs a perda de McGee simplesmente com DeMarcus Cousins, um dos melhores jogadores da posição 5 da atualidade (embora lesionado).

Aí o mundo caiu, né? Como pode a NBA permitir isso? Como pode o Golden State fazer isso? A liga não tinha vetado Chris Paul no Lakers? Cousins é um celerado completo? O melhor campeonato do mundo perdeu a graça? Vamos lá colocar algumas questões em perspectiva então:

1) O Golden State quebrou a NBA -> Na real, da real, o Golden State Warriors, assim como os outros 29 times do campeonato, ligam muito pouco sobre o fato de a NBA estar mais ou menos equilibrada. A função de um gerente-geral de franquia é reforçar ano sim, o outro também, o seu time para que ele seja melhor que o ano anterior. Isso vale pro Hawks e pro Warriors. A franquia de Oakland tinha uma oportunidade gigantesca de contratar um excepcional pivô em Cousins e decidiu não esperar muito. Que mal há nisso? Nada. Você, se fosse presidente do Real Madrid, traria Lionel Messi se pudesse. O do Barcelona, o Cristiano Ronaldo. Bob Myers, do Warriors, fez o que se espera dele – melhorou seu elenco. Não há nada de mais natural do que isso, sinceramente.

2) Pode um jogador falar assim com outro sobre contratação? -> Pode, pode sim. No caso do Golden State aconteceu duas vezes recentemente e com o mesmo atleta. Draymond Green, o camisa 23 do Warriors, puxou o telefone e "conquistou" Kevin Durant em 2016. Neste verão, da Grécia onde passa férias, ligou para Cousins e convenceu o cara a sair de Nova Orleans e se mudar para Oakland. Não é incomum que atletas "se alinhem" antes dos gerentes-gerais virem com a proposta oficial.

2.1) É panela ou não é? -> Esqueça essa palavra. Isso é modinha de se falar, mas há timaços na NBA desde sempre. O Boston da década de 60 era. O Lakers e o mesmo Celtics em 80 também (mais aqui). O Miami de LeBron James, Wade, Bosh e Allen, idem. Sempre aconteceu. Talvez, agora, o espanto seja que a liga tenha TENTADO coibir isso com o tal do salary cap (limite na folha salarial) mas não conseguiu. E o fato, também, de este Warriors ser, desde já, um dos melhores e mais completos times da história.

Escrevi isso ano passado e repito: o Warriors bicampeão é fruto de planejamento e organização. Kevin Durant foi a cereja do bolo de um time que, sem ele, já havia sido campeão e conquistado 73 vitórias em uma temporada regular. O atual MVP das finais de forma consecutiva simplesmente potencializou algo que já era fantástico – e não criou algo que não existia. Cousins, idem.

3) Por que nenhum outro time foi atrás de DeMarcus Cousins? -> Isso na verdade ninguém sabe, mas a imprensa americana divulgou que NENHUM outro time foi pesadamente em cima de DeMarcus Cousins. E há motivos para tal. Ele se recupera de uma lesão no tendão gravíssima e ninguém vai querer dar um contrato gigantesco para um jogador recém-operado. Pro Warriors fez sentido: ofereceu pouco (US$ 5,3 milhões, 1 ano de contrato) e se o cara não se recuperar há umas 36 opções no elenco não pra jogar, mas pra vencer campeonato mesmo sem ele. Além disso, Cousins é desde sempre um desmiolado e o medo das franquias da NBA é que um alucinado como ele, embora craque, rompesse qualquer unidade de vestiários. O Golden State pensa que com Green, Durant, Curry, Klay Thompson, Iguodala, o técnico Steve Kerr e a cultura recente de altruísmo consiga "segurar" a onda de Cousins. O que não inviabiliza o espanto, já que inúmeros atletas colocaram em suas redes sociais a indignação com o fato do pivô ter rumado para o GSW (Enes Kanter, CJ McCollum etc.).

4) A NBA deveria ter vetado a ida de Cousins pro Warriors -> Parem de falar isso também. A NBA NUNCA vetou e nem pode vetar nada em relação a isso. É uma relação profissional envolvendo atleta e time. A franquia oferece um contrato a um agente-livre, que aceita ou recusa. Seu time já tentou contratar um craque pagando pouco e conseguiu. Em outras pagou muito por um pereba. É a vida. Sobre trocas, a mesma coisa. Há dirigentes que oferecem Kwame Brown e outros que aceitam Brown e enviam Pau Gasol. Não há nada que Adam Silver, o comissário atual, ou outro qualquer possa fazer em relação a isso. Um oferece, o outro aceita ou recusa. É assim em tudo no mundo profissional. Tão simples quanto isso.

4.1) Se não pode, como a NBA vetou a ida de Chris Paul pro Lakers em 2011 -> Escrevi sobre isso aqui há quase dois anos. A liga, na época, era a DONA do New Orleans (então) Hornets porque um dos donos tinha ido à falência. Era David Stern, o antigo comissário, que no final das contas aprovava tudo. Sem dúvida um conflito de interesses absurdo entre a função dele na NBA e ser dono de clube, mas foi uma situação pontual. Stern, certamente delegando o lado técnico da coisa a alguém do escritório da liga, julgou que a troca oferecida pelo Lakers era ruim e cravou o famoso "basketball reasons" (razões técnicas de basquete) para melar a negociação. Não como comissário da NBA, mas sim como dono do Hornets. O dono do Grizzlies poderia ter vetado a troca que levou Pau Gasol ao Lakers para a chegada do possante Kwame Brown. O do Nuggets, a que fez com que Carmelo Anthony chegasse no Knicks. E por aí vai. Repetindo: a NBA não pode vetar absolutamente nada na relação atleta / franquia / gerente-geral e NUNCA fez nada em relação a isso.

5) O Warriors não está nem aí pro teto salarial da NBA -> Isso sim é uma verdade absoluta. A NBA estipula ano a ano o valor máximo que os times podem pagar em salários. Dono do Warriors, Joe Lacob cansa de dizer aos seus executivos: "Vençam. Este é o maior ativo que vocês podem trazer para a organização". E isso se explica. A NBA tem um teto salarial (de US$ 101 em 2017/2018). Lacob AUTORIZA Bob Myers, o gerente geral do Warriors, a ultrapassar o limite da liga em sua folha salarial mesmo que isso signifique pagar multa de um dólar por cada dólar ultrapassado do teto de US$ 123 mi (valor máximo sem multa que a liga permitia). Com salários na faixa dos US$ 138 mi em 2017/2018, o Warriors pagou multa de US$ 15 milhões pros cofres da NBA portanto e era o maior orçamento da liga ao lado do Cleveland Cavs (com um elenco muito melhor, obviamente).

A razão de Lacob é clara: investir mais significa que o time estará mais perto de ganhar não apenas um, mas vários títulos – como tem acontecido recentemente. Com isso o valor da organização aumentou de uS$ 450 milhões, quando Lacob comprou em 2010, para US$ 3,1 bilhões de acordo com a Forbes. Não é sem razão que Steph Curry, a cara do Warriors de Lacob, receberá quase US$ 160 milhões pelos próximos 4 anos. Lacob não está preocupado. Seu foco segue sendo ganhar campeonatos. Salários altos ele recupera com ginásios cheios, patrocínio na camisa, venda de produtos licenciados e no valor final da equipe. Simples, não?

6) A NBA perdeu a graça -> Sim, infelizmente perdeu. O Warriors pode perder o campeonato, claro, mas a verdade é que pra que isso aconteça é necessário que caiam 456 raios por semana em Oakland. A possibilidade de isso ocorrer é BEM pequena. Estamos em junho de 2018 e já praticamente sabemos quem será o campeão de 2019. Bizarro, mas verdadeiro. Os puristas, ou os polianas que acham que está tudo bem sempre, que querem ser os queridinhos dos leitores / seguidores (feio, hein…), tentam dourar a pílula, mas a realidade é que, bola por bola, o campeonato já está decidido. É óbvio que haverá emoção com LeBron no Lakers, Harden e Chris Paul no Rockets e o Celtics com Kyrie Irving e Gordon Hayward de volta. Mas, convenhamos: isso não dá nem 40% de chance do Warriors ser batido em uma série de 7 jogos. A não ser que o efeito preguiça chegue, que o vestiário vire um caos, que lesões aconteçam, o troféu Larry O'Brien permanecerá onde está desde 2017.

Um detalhe sobre isso é que em 2016, na Olimpíada do Rio de Janeiro, quatro dos cinco titulares da melhor seleção do mundo eram Klay Thompson, Kevin Durant, Draymond Green e DeMarcus Cousins. Os quatro agora jogam juntos. O outro deste quinteto, Steph Curry, só não veio ao Rio-2016 porque estava lesionado. Ou seja: dos melhores jogadores do planeta, o Warriors tem 5. E um MVP de finais (Andre Iguodala) vindo do banco. É mole? Não, não é…

7) O que os jogadores têm na cabeça? -> Atualmente o foco deles está em ser campeão a qualquer custo. Perdeu do Warriors? Vai jogar no Warriors (Durant). Se juntar a 2 Hall da Fama pra tentar ganhar de alguma maneira? Vale. A NBA da década de 90, onde os ídolos permaneciam nos times mesmo sem os anéis de campeão (Reggie Miller, Patrick Ewing, Karl Malone, John Stockton, Clyde Drexer), não existe mais. A geração atual (dos millennials) é assim. Se eu gosto disso? Não, não curto. Acho realmente que os fins que esses caras usam / pensam não são os mesmos que eu admiro. O que isso quer dizer? Nada. Apenas preferência pessoal minha.

8) Por fim, o que a NBA pode fazer para coibir isso tudo? -> Difícil dizer, mas é óbvio que para que seu produto fique atrativo ela deve criar algumas regras para tentar evitar esse tipo de super time. Pelo visto o lance da folha salarial não deu certo. Os times vão atropelar isso para montarem esquadrões. Uma boa maneira seria exigir rigidez e PROIBIR que as franquias ultrapassem o teto. Mas aí vai depender do jogador que pode aceitar jogar por menos dinheiro. É complexo, mas acho que Adam Silver e seu time de executivos deveriam colocar tempo nisso porque é uma discussão que faz a liga ganhar ou perder milhões bem rapidinho.

A conclusão básica, em minha modesta opinião, é: o Warriors fez o que deveria fazer (reforçou ainda mais o seu time), a NBA, com as regras atuais, não tem muito o que fazer, os rivais vão sofrer ainda mais com os atuais bicampeões e o campeonato de 2018/2019 perdeu, sim, grande parte de sua graça.

Concordam comigo?

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