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Bala na Cesta

Golden o quê?, por Eduardo Barão

Fábio Balassiano

21/06/2017 06h00

*Por Eduardo Barão

Todo mundo tem na memória uma data que pode chamar de "dia inesquecível". Busque lá no fundinho do seu cérebro que vai encontrar. É aquele dia em que tudo ou quase tudo deu certo. Pode ser quando descobriu o amor da sua vida, o nascimento do seu filho, passou na faculdade ou quando emocionou sua mãe dando aquele presente que ela queria fazia tempo.

Meu primeiro dia inesquecível foi no Colégio Santa Clara, onde fazia o antigo colegial. Éramos 10 meninos no 2ºA. Sempre nas aulas de educação física jogávamos peladas de basquete, adorávamos os craques da NBA (cada um tinha um time do coração, mas isso é assunto pra depois).

Só que nos intervalos das aulas, disputamos um campeonato interclasses de futebol, afinal o basquete não era e não é a paixão nacional. Meu time com a bola nos pés era um terror, verdadeiro saco de pancadas. Perdíamos todas as partidas a ponto da organização do campeonato ter se esquecido de nos avisar que enfrentaríamos os grandes campeões, o temido time do CB. Os caras eram bons de bola e só jogavam e falavam de futebol. Nós, por outro lado, tentávamos imitar Michael Jordan, Magic Johnson e Chris Mullin – eu, no caso.

A partida começou e nem tínhamos 5 jogadores na quadra, uma vez que o meu colega Daniel estava de calça jeans e tentava levantar a barra pra ganhar o mínimo de mobilidade. Foi assim que de forma impiedosa, o time do CB fez o primeiro gol. Era a certeza de tragédia anunciada.

Mas aí os Deuses do basquete, do futebol, meu anjo da guarda e os babalorixás se uniram para mudar o destino daquele jogo. Pra resumir a história: o hoje Doutor André Malaman defendeu quase todas e eu, sim euzinho, marquei 5 gols históricos numa vitória de virada por 5 a 4 em cima do melhor time da escola. Com tudo guardado na memória, conseguiria descrever cada um dos gols, mas isso só faria sentido para o meu ego.

A arquibancada do ginásio, que estava vazia, se encheu com a notícia de que algo inesperado estava acontecendo. Ao término da partida, fui carregado nos braços da galera como um verdadeiro Davi que derrotou Golias.

Toda vez que ficava triste me lembrava desse "dia inesquecível". Era o meu livro de autoajuda, meu Paulo Coelho, um antidepressivo genérico. E sempre funcionou! Lembrava daquele momento e pensava que não era um idiota completo e que, pelo menos uma vez na vida, fiz algo para ser lembrado. Pelo menos por mim.

Mas não é, rapaz, que 25 anos depois, esse "dia inesquecível" mudou.

Como escrevi no começo do texto, sempre gostei de basquete. Adorava assistir aos jogos da seleção brasileira com Oscar, Marcel e Pipoka. Ver a mágica Paula e a cestinha Hortência. Mas meu grande barato era tentar acompanhar, sem internet, o desempenho do meu Golden State Warriors. "Golden o quê?" Eu enchia os pulmões e falava GOLDEN STATE WARRIORS, time comandando pelo Don Nelson que era uma máquina de fazer pontos com Chris Mullin, Tim Hardaway e Mitch Richmond. Por um pequeno detalhe, não saber se defender, perdia nos playoffs para o Lakers de Magic e cia.

Sempre que alguém viajava aos Estados Unidos eu pedia para trazer qualquer coisa do Warriors. Mas nem lá o time era tão popular e os artigos à venda eram raros nas lojas de material esportivo. Afinal, depois de cavoucar bastante, amigos conseguiram me trazer um boné e uma flâmula que exibia orgulhoso ao lado da minha cama.

Depois do trio TMC (Tim Hardaway, Mitch Richmond e Chris Mullin) nos anos 90, digamos que meu time não foi uma Brastemp. Ganhar uma partida do San Antonio Spurs no ano ou conseguir uma boa colocação no Draft eram as únicas conquistas que conseguia comemorar.

Sarunas Marciulionis, o sensato (SQN) Latrell Sprewell e mais recentemente Baron Davis, que levou o Warriors à segunda rodada dos playoffs, foram ídolos de uma era de vacas magérrimas. Se nas quadras pouco funcionava, fora dela era ainda pior. Foram inúmeras burradas da diretoria, que insistia em trocar jovens promissores por veteranos meia-boca.

A grande mudança se deu quando o Warriors foi vendido para milionários inteligentes que viram no jovem Stephen Curry uma chance de transformar a franquia. E não é que deu certo!

Meu time que sempre foi o "Golden o quê?" se transformou na maior potência de basquete e o resto da história ainda está sendo escrita.

Fanático que sempre fui, vendi meu carro, minha casa (sim, ando de ônibus e vivo de aluguel) e vi "in loco" as últimas três finais da NBA. Em 2015, assisti ao jogo 5 (vitória em casa). Em 2016, vi o jogo 4 (vitória na quadra do Cleveland). Mas a cerejinha estava guardada para 2017.

Quando Kevin Durant foi contratado, não tive dúvidas. Conversei com minha querida esposa Michelle que queria passar meu aniversário de 40 anos vendo a final da NBA. Convenci meus chefes na Band, parcelei a passagem em 10 vezes e depois disso era só torcer para não dar chabu e o Warriors chegar a final.

Foi moleza, e até demais. Ao ponto de, na data do embarque para a Califórnia, correr o risco de ter meus planos frustrados, tudo pela competência do Warriors, que poderia alcançar uma conquista inédita, a campanha perfeita nos playoffs.

Mas queriam os Deuses do basquete, do futebol, meu anjo da guarda, os babalorixás todos juntos que o Cleveland não tomasse um pneu e eu assistisse ao quinto jogo.

Naquela noite de 12 de junho, não tinha a menor dúvida de que veria a história ser escrita bem em minha frente. Não teriam sido a toa que encarei 4 horas de viagem, conexão em Santiago, mais 12 horas de avião até Los Angeles e 7 horas de carro até Oakland. Sem falar no dinheiro que tinha e naquele que meu banco me emprestou com juros pornográficos.

Só que quando o jogo começa e o 23 adversário, um tal de LeBron James, pra variar, arrebenta começa a passar pela cabeça o risco de uma tragédia. Mas, aos poucos, em mais uma noite inspirada de Durant, Curry e o decisivo Iguoadala, todos sabem como a história terminou. Foi uma chuva de champagne nos vestiários e um brasileiro em lágrimas ao lado da torcida no ginásio lotado em Oakland.

Nem preciso dizer qual é o novo "dia inesquecível" de minha vida. Fiz 40 anos ao lado da minha família e, de quebra, assisti ao primeiro título da minha vida no ginásio do "Golden o quê?".

Agora, o GOLDEN STATE WARRIORS, pentacampeão da NBA!

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