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Bala na Cesta

Personagens do Basquete Brasileiro: Maria Helena Cardoso (Parte II)

Fábio Balassiano

28/07/2016 14h00

A PARTE I VOCÊ VIU AQUI…

maria1BNC: Qual o erro que a senhora mais se lembra? Fazendo uma análise, olhando pra trás…
MARIA HELENA: Acho que no início da carreira… Eu tinha sido jogadora, você sabe. E essa passagem de quem foi jogadora para técnica é muito, muito difícil. Não é moleza não, Bala. Você pensa como jogadora, como atleta, e não como técnica. Você quer, de cara, que aquele seu novo atleta faça aquilo que você, enquanto atleta, levou anos para conquistar, para fazer. E aprendizagem não é isso. Ele não tem que fazer porque eu falei. Atleta precisa aprender o conceito, testar, errar e aí sim estar pronto. O começo eu acho que passei deste ponto. Eu exigia dos atletas a performance que eu havia alcançado ao longo da minha carreira. Mas o tempo vai fazendo você mudar. Você não pensa mais como jogador, entende? Nos últimos anos que eu trabalhei eu nem lembrava que havia sido jogadora. Minha cabeça já estava totalmente voltada pro lado de técnica mesmo.

paula3BNC: Como foi esse começo com a Paula. De cara você percebeu que era um gênio do esporte? A senhora sabia que era um diamante?
MARIA HELENA: Sabia, claro. Claro que sabia que era uma pedra preciosa do esporte. Eu ia buscar o quê? Diamante. Na época que vimos a Paula jogar a Eleninha se identificou demais. A Paula era mais ou menos como ela, Eleninha jogava. Então nesse começo quem auxiliou muito a Paula foi a Eleninha mesmo. Ela foi muito importante porque ouvia bastante a gente e passou a ser a cara do projeto. As meninas novas se espelhavam nela, e a Paula sempre teve, além de muito talento, um comportamento exemplar, fora da média mesmo. Posso dizer que ela aprendeu muito conosco, e todos que estiveram com ela também. É uma pessoa excepcional, tão excepcional como foi quanto atleta. Quem teve o prazer de trabalhar com ela só pode agradecer. E eu tive.

maria15BNC: Aí você ficou em Piracicaba até 1990, quando foi pra Ponte Preta, em Campinas, mas neste período de Piracicaba teve a seleção. Em 1986 você voltou à seleção, mas como treinadora. Como foi?
MARIA HELENA: É emocionante pra caramba. Foram anos de seleção como atleta. Aí você para de jogar, imagina que sua vida naquele local (de seleção) acabou, e depois a vida te dá uma nova oportunidade de representar o país, só que de outra forma. Sempre dizia às atletas que da escola que elas estavam frequentando eu já tinha passado. Então muitos problemas que aconteciam eu já sabia como resolver o problema. A questão toda não é ter o problema em si, mas como solucioná-lo da melhor maneira possível. Como alguns se repetiam, eu tinha mais tranquilidade para antevê-lo e resolvê-lo. Ter sido jogadora me ajudou muito. Tinha a experiência de grupo, mas não grupo de clube. Experiência de você juntar meninas de clubes diferentes e ter que fazer uma equipe dentro disso.

maria4BNC: A senhora chegou em 1986. Foram pro Mundial, ficaram em décimo-primeiro…
MARIA HELENA: Foi. Foi ruim, na verdade. Mas era um grupo muito novo, muito no começo ainda. Até 1988, quando fomos para a Malásia, no Pré-Olímpico que não tivemos sucesso, ainda era um grupo muito novo, muito no começo de sua vida profissional. Era um time verde mesmo. Em 1986 mesmo, fomos para o Goodwill Games em Moscou e todos me perguntavam de onde tinha saído aquela equipe. Ficaram encantados com as meninas do nosso time. Fizemos jogo duro no Mundial com todas as equipes, mas na hora de decidir faltava a experiência. Jogador novo, na hora que o bicho pega, ele titubeia por causa da responsabilidade. Elas eram muito novas, mas ali eu já sabia que aquela geração teria muito sucesso porque todas elas tinham as ferramentas necessárias para ir longe. Todas. Só faltava aumentar a altura mesmo. Quando assumi a seleção a média de altura era de 1,72m. Isso pra nível internacional é baixo, você sabe. A Hortência tinha 1,74m, e jogava contra mulheres de 1,90m marcando ela. A Hortência, aliás, é um fenômeno do basquete. O que ela jogava era um absurdo. Fazia de tudo na quadra. Fazia ponto de tudo que é jeito, marcava ponto com muita facilidade. Jogar com ela no time era fácil. Marcá-la, quase impossível. Que atleta fenomenal. Depois entraram Janeth, Marta, Alessandra, Leila, entre outras. Eu fui ao Pan-Americano em 1987. Nós jogamos contra os Estados Unidos. Fizemos um primeiro tempo ótimo, tudo igual. Intervalo veio, voltamos e perdemos de quase 20. Fomos para a conferência de imprensa, aí a técnica americana comentou o que ela fez para ganhar o jogo. Ela disse assim: "O Brasil está apoiado em duas pilastras. Paula e Hortência. Anulamos as duas e ganhamos o jogo". Isso em 1987. Aquilo ficou na minha cabeça. Martelou, martelou e vi que precisávamos, como país, encontrar uma solução para aquele problema que se apresentava. A gente precisava de mais gente. Precisava aumentar a altura, ter mais opções de pontuação. Ser mais equipe mesmo. Porque no nível internacional se você não for um time muito coeso, muito homogêneo, não adianta. Não existe time de dois jogadores que ganhe algo no nível de Mundial e Olimpíada. Janeth chegou pra nós juvenil e a gente formou.

trio1BNC: Maria Helena, as grandes jogadoras todas foram formadas por você. Você sabe disso, não?
MARIA HELENA: É complicado eu dizer isso, mas quando a comunidade do basquete percebeu que ali em Piracicaba tinha um polo interessante não da modalidade, mas principalmente de desenvolvimento de pessoas, elas mesmo vinham nos procurar. Ou seja: um menino de Miracema (MG), indicava uma menina e íamos olhar. De Franca, a mesma coisa. A Janeth chegou pra gente juvenil. Ficou três anos conosco e explodiu. A gente trabalhava dois, três anos a menina, elas ficavam no ponto e vinha um time com mais dinheiro e contratava a menina. Então tínhamos sempre muita troca nas equipes. Era ruim, porque o time mudava muito, mas era bom também porque captávamos meninas diferentes o tempo inteiro. As únicas que ficaram mais tempo foram Paula e Vania. Algumas meninas saíram por causa de dinheiro mesmo, de outras propostas. A gente tinha várias "escadinhas" nos nossos times que faziam as meninas do infanto jogarem no juvenil, as juvenis jogarem no adulto. Ou seja: quando precisava repor as peças, todas já estavam preparadas. Era difícil, porque outras equipes tinham mais poder econômico na época, mas era gratificante ver que sempre nos finais dos anos tínhamos de novo equipes formadas, atletas formadas, disputando títulos e com fundamentos lapidados.

maria1BNC: Aí vocês não foram pra Olimpíada de 1988, no Mundial de 1990 também não foram bem (décima posição). Outra frustração…
MARIA HELENA: Em 1990 você quer saber o que houve? Puseram a gente pra fazer excursão na Europa com 21 jogos em 30 dias. E de lá ir direto pro Mundial porque não tínhamos dinheiro pra voltar ao país. E viajando de ônibus. Não tinha treino, Bala. Só jogávamos, jogávamos, jogávamos. Então chegamos ao Mundial de 1990 absolutamente acabadas. Realmente extenuadas mesmo. Foi um erro de planejamento descomunal na época. As meninas não andavam. Estavam cansadas mesmo. Nos olhos delas estava escrito isso. Chegamos em Moscou, depois de viajar o tempo inteiro, e tínhamos que ir para Minsk, onde era a nossa sede. Chegamos às quatro da tarde e teríamos o jogo da estreia contra a Bulgária no dia seguinte pela manhã. Veio o chefe da delegação e disse que teríamos que ir para Minsk de trem. Não tinha dinheiro pro voo. Aí eu disse: "Eu não vou. Volto daqui, mas não pode acontecer isso. Esse time não pode passar por isso". Nenhum time do mundo merece passar pelo que nós passamos naquele Mundial. Conseguimos um avião, mas chegamos de madrugada. Todas mortas e no dia seguinte de manhã tinha uma partida com a Bulgária. As meninas faziam bandeja e pareciam que estavam travadas.

maria6BNC: Aí no ano seguinte vocês tiveram uma glória, que foi ter ganho o Pan-Americano de Havana, em Cuba. Ali o basquete feminino começava a ter sucesso em termos de títulos, né…
MARIA HELENA: Foi emocionante sabe por quê pessoalmente? Porque foi exatamente 20 anos depois de eu ter conquistado o título do Pan como atleta em 1971. Ou seja: duas décadas se passaram, o basquete não conseguiu mais vencer, e só retornou ao lugar mais alto do pódio em 1991. Por sorte estava nestes dois momentos – um como treinadora. Outro como jogadora. Como técnica, foram duas grandíssimas emoções – ter conseguido chegar a um título internacional que o Brasil não conquistava há muito tempo e deixar o Brasil em uma Olimpíada, algo que fizemos no ano seguinte em Barcelona. Meus sonhos eram estes, e eu realizei. Olha, Bala, eu não sou muito de ficar emocionada, ficar lembrando. Cabeça de técnico é meio maluca mesmo. A gente ganha, vibra, sorri um pouco e já começa a pensar no próximo, no que está por vir.

trio1BNC: Mas aquele Pan foi especial, não foi? Por tudo o que cercou. Fidel Castro, aquelas coisas…
MARIA HELENA: Foi, foi bem especial, mágico. E começamos mal aquela competição. Os primeiros jogos não foram bons, sabe. O time estava pronto, mas não deslanchava no começo daquela competição. A Hortência e a Paula estavam voando, a Janeth estava indo bem, mas não encaixava. Ali no final da primeira fase é que o time jogou como equipe, como equipe mesmo. Na final é que chegamos bem, mas teve aquele lance de pressão do Fidel antes do jogo que jamais me esqueci na vida. Pouca gente sabe, mas ele queria falar com as nossas atletas antes da partida. A Eleninha é que veio me contar que ele queria falar. E eu mandei avisar lá: "Antes, ele só fala comigo. Com as atletas, só depois". E ele falou comigo, conversamos, batemos papo. Mas pelo menos não influenciou, não pressionou as atletas, entende? E aqui vou te dizer uma coisa: naquele Mundial de 1994 que elas foram lá e ganharam elas poderiam ir sem técnico que seriam campeãs. Não digo isso em crítica a ninguém, não, mas é porque elas estavam maduras, prontas, realmente bem treinadas, preparadas e tendo passado pelas experiências que a vida exige para formar um time campeão. O Miguel (Angelo da Luz) foi muito feliz de conduzir o trabalho com tranquilidade, com coerência. Mas a preparação, a construção toda, já havia sido feita mesmo.

BNC: Peraí, mas deixa eu voltar um pouco aqui pra não perder o fio da meada. Um dos primeiros jogos que me lembro de basquete feminino foi aquele Brasil x Austrália no Pré-Olímpico de Vigo, em 1992. Teve aquele jogo maluco com a Austrália, prorrogação, o Luciano do Valle não parava de gritar, mas ali o Brasil se classificou para a sua primeira Olimpíada no Feminino. Foi um momento de glória, e imagino que muito emocionante pra você também. A senhora lutou muito pra jogar uma Olimpíada, mas não aconteceu porque não tinha na época. Realizar seu sonho olímpico como treinadora deve ter sido gratificante, não?
hortencia1MARIA HELENA: E você não sei se lembra, mas chegamos no Pré-Olímpico e perdemos os três primeiros jogos. Aí falei: "De novo, caramba". Mas conseguimos corrigir tudo. As meninas se juntaram, resolveram os problemas internos que havia na equipe e saímos mais fortes para terminar a competição. As coisas acontecem no momento que têm que acontecer, né? Houve um problema muito sério lá, sabe. Problema de gente ao redor atrapalhando o trabalho. Pessoas que queriam ajudar, mas que atrapalhavam. Perdemos um jogo da China, e não tínhamos nenhum vídeo da China para ver antes. Começa o jogo, e elas abrem 21-5. Negócio de louco. Aí entra o lado do técnico. Se você sabe que o jogo será decidido até o final, você precisa correr pra buscar a diferença, mas preservar as suas principais atletas. O que eu fiz? Precisava mudar a cara do jogo. Para marcar a gigante Haixia, eu precisava marcar pressão a quadra toda. Se boto Hortência e Paula pra correr, elas ficam cansadas no final do jogo. O que eu fiz? Tirei as duas e começamos a marcar lá na frente. Entraram Branca, Nádia, a menina. Conseguimos. Encostamos no jogo, comecei o segundo tempo com as duas, China abriu de novo. Coloquei as garotas novas de novo, e aí recebi até bilhete no banco de reservas, você acredita?

paulahortBNC: Que bilhete?
MARIA HELENA: "Põe a Paula e a Hortência". Era o presidente da Confederação na época e que já tinha sido técnico. Situação chata, né. Mas eu sabia o que estava fazendo. Coloquei Paula e Hortência no fim do jogo, mas mesmo assim perdemos o jogo. Buscamos, encostamos, mas não deu. Cheguei ao hotel, e recebi críticas porque não tinha colocado Paula e Hortência. Aí é fogo, porque todo mundo fica buzinando na cabeça de atleta nestes momentos. E menina vai ouvindo, o grupo vai escapando, as coisas vão indo para um lado não muito legal. Aí entra a mão de D's também. Estava sem sono uma noite, encontrei uma menina meia noite no corredor do hotel e chamei pra conversar.

maria8BNC: Quem era essa menina?
MARIA HELENA: Prefiro não falar. O que importa é que fiquei com ela até 2h da manhã conversando, explicando, trocando ideia. E ali depois o time se acertou, se consolidou e conquistou a vaga. Aquele jogo contra a Austrália foi espetacular. E vou te contar uma coisa. Pena que ele não está vivo para confirmar. Uma noite o Luciano do Valle me chama lá em Vigo e me diz: "Maria Helena, sai disso. Não é pra você isso aí, não". E ele tinha razão. Eu não estava aguentando mais. Ele falou como meu amigo, algo que ele era, e como pessoa que gostava de mim, que me via sofrendo coisas que não deveria sofrer. Estavam me sacaneando, puxando meu tapete. Mas eu merecia ir a uma Olimpíada, sabe. Houve um monte de coisas lá na Espanha que você não tem ideia…

maria5BNC: Tipo o quê?
MARIA HELENA: Tipo Dirigente chamando jogadora pra dar instrução. Dirigente que me exigia fazer reunião de trabalho todo dia pra entender minha metodologia de trabalho e pedir uma série de mudanças. E eu fazia a reunião. Não só por hierarquia, não, mas porque ele também tinha sido meu técnico. E nenhuma vez ele me disse que eu estava errada, mas depois as jogadoras achavam que quem estava organizando tudo era ele, e não eu. Assim as jogadoras passaram a perder um pouco de confiança em mim, entende? E eu não percebia isso claramente. Só depois que entendi. Quando saímos de Vigo e fomos pro primeiro treino para a Olimpíada na cidade de Caxambu, fiz aquela reunião de avaliação do Pré-Olímpico e fiquei sabendo de tudo. Coisas do arco da velha. E aí disse: "Eu não vou mais". A comissão técnica principalmente me chamou um dia e me disse: "Você não vai fazer isso. Lutou tanto pra disputar uma Olimpíada, e agora vai deixar aí de lado? Faz 20 anos que você está trabalhando por isso". E aí pensei: "Eu tenho o direito e a honra de dirigir o Brasil em uma Olimpíada". Mas aí quando cheguei em Barcelona entreguei ao Chefe da Missão Brasileira a minha carta de demissão da seleção brasileira. Com o resultado que fosse eu sairia da seleção. Na carta expliquei tudo o que tinha acontecido, o que eu sentia, o que pensava. Ele leu tudo em voz alta e devolveu a carta. Disse o seguinte: "Não vou entregar essa carta. Caso o faça você está morta pro basquete. Não faça isso". Fiz outra. Elogiando ao máximo agradecendo, mas dizendo que não tinha mais condição. Entreguei, e ele encaminhou ao Brito. Algumas coisas eu não tolerava mais, sabe, Bala.

BNC: Tipo o quê?
MARIA HELENA: Olha. Fomos fazer um torneio amistoso em Santos. Depois do torneio eu dei uma folga de uma semana de folga. Uma atleta não se apresentou depois de uma semana de folga. Pedi pra ligar pra atleta, estava preocupada. E aí a jogadora disse ao responsável pela delegação: "Ah, não, foi pouca a folga que ela deu. Vou ficar mais". E não era estrela, hein. Imagina só. Faltando pouco pra Olimpíada e eu tendo que ouvir isso. Falei pro chefe da delegação que se a atleta ficasse mais um dia longe estaria fora. Uma semana depois a atleta chega com o Dirigente, que me fez engolir aquilo ali. E eu engoli. Ele era o presidente. Ele chamou a imprensa ainda e disse: "Eu trouxe a atleta de volta". Este foi um caso. Houve outros mais.

maria11BNC: Isso impactou no rendimento da equipe na Olimpíada certamente, não? Porque era um time já maduro, vindo de um título importante, mas que ficou em sétimo lugar.
MARIA HELENA: Mais ou menos. Houve coisas até piores, sabe. As meninas perderam o foco, se deslumbraram com a Olimpíada. A Vila Olímpica é uma coisa de louco para quem está não muito focado, você me entende? Tem muito atrativo, muito oba-oba, muita gente bonita. Algumas meninas se perderam um pouco. E lá na Olimpíada quem manda é o Chefe da Missão que manda. Eu falei com o cara, alertei, e tive que ouvir: "Na quadra você manda. Aqui fora, mando eu". Duro, né, Bala. Fiquei de mãos atadas. Eu não tinha mais estômago pra seguir. Aí quando terminou a Olimpíada o presidente da CBB disse que iria trocar os dois técnicos. Que fora uma decepção, que precisava renovar, aquelas coisas que você sabe. Aí liguei pro Chefe da Missão, lá de Minas, e falei pra ele: "Lembra daquela carta que você disse pra eu não entregar? Se o presidente (nota do editor: Renato Brito Cunha) não parar de falar eu vou publicar a carta". A minha demissão eu que pedi. Não foi ele que iria me demitir. Em Barcelona, a equipe estava pronta tecnicamente. O problema é que o fator externo atrapalhou demais.

BASQUETE - PAULABNC: Nessa época você saiu da seleção, e veio viver em Campinas uma das fases mais gloriosas da sua brilhante carreira. Foi campeã de tudo com a Ponte Preta, inclusive duas vezes campeã mundial em 1993 e 1994. É diferente ganhar para um time, digamos, de futebol?
MARIA HELENA: Bala, foi espetacular. Espetacular. A torcida da Ponte era espetacular. Acompanhava e levava a equipe nas costas mesmo. A equipe era muito forte, mas o apoio deles era fundamental. Éramos nós contra o time da Hortência. Aí depois conseguimos unir, no clube, Paula e Hortência. Aí perdeu a graça, né… O time era muito forte. Pra jogar aqui, o Campeonato Brasileiro, era disputa pra ver quem era o vice-campeão. Era apenas administrar. Digamos que 80% psicológico, 20% tático. O time era fantástico. Tinha Paula, Hortência, uma russa, a Elena, a pivô Karina. O time entrava pra ganhar e ganhar. É muito diferente o time que entrar pra não perder do que entra só pra ganhar. Além de tudo, nosso trabalho de base era muito bom. Em 1994, depois de três anos e meio de trabalho, a gente foi campeão de TODAS as categorias da federação. Éramos eu, Eleninha, Paulo Bassul e a Mila Rondon, além do Hermes Balbino, preparador físico. Sentávamos toda semana e preparávamos o planejamento da semana do mirim ao adulto. Todos juntos. Então a menina que começava conosco ela estava sendo preparada. A filosofia de jogo era a mesma em todas as categorias. Então eu pegava meninas da base, colocava no adulto e não tinha problemas. Helen, Silvinha, várias, todas foram dessa leva aí. Eram sempre sete adultas e cinco da base. Perdíamos muitas meninas por conta de propostas de fora. O que fizemos não foi um trabalho pessoal, mas o trabalho bem feito de uma equipe técnica, algo que é difícil de ver hoje.

maria6BNC: A gente estava conversando antes de gravar a entrevista sobre sua paixão pelo jogo, sua paixão por vencer, sua paixão por treinamento. Falta muito disso hoje quando você vê o basquete feminino hoje?
MARIA HELENA: Vou dizer uma coisa. Você falou na palavra paixão. Não. Eu tinha e tenho amor pelo basquete. Paixão é uma coisa que vem, dá e passa. Amor é diferente. Não passa. É eterno, contínuo, 24 horas mesmo. Tinha e tendo ainda. E me faz mal ver a situação que está. Eu tenho pena de ver a situação que está chegando, ou a que chegou. Agora, com essa chegada do pessoal do NBB, talvez seja uma luz no fim do túnel, uma última chance do basquete feminino sair do buraco. Se isso der certo podemos melhorar muito. Agora, acho também que as pessoas vão passando. O basquete é que não passa. O que não pode acontecer são as pessoas saírem de cena e não ter continuidade. Será que nada do que fizemos prestava? Há um monte de meninas que trabalhavam com a gente que ainda seguem trabalhando. Macau, a Anne de Freitas estão aí. Mas tem muitas que estão sem trabalhar. Fala-se muito do trabalho do técnico, mas técnico é aquele que tira o melhor do sue jogador. Não tem muito jeito. Não tem omelete sem ovo. E talento você extrai quando tem muita quantidade, algo que não vemos por aqui atualmente.

maria10BNC: Por fim: daqui a 50, 60 anos, como você quer ser lembrada?
MARIA HELENA: Como educadora. Como uma boa educadora. Eu acho que fui uma boa técnica, mas uma pessoa que ajudou muito a vida das pessoas. Os ensinamentos ficam, ficaram, ficarão. A filosofia de vida delas é baseada nas coisas que nós ensinamos. Gostaria de ser lembrada como alguém que ajudou a pessoa a crescer. Não como alguém que auxiliou a pessoa a fazer cesta, porque fazer cesta até uma máquina faz. Mas o que sempre falamos era como você viverá depois de fazer cesta. Eu tive a felicidade de ter um período longo, porque fui jogadora e técnica, mas normalmente a carreira é curta e sempre fiz questão de mostrar isso, de mostrar que é preciso estar preparado pro próximo passo sempre. Ser lembrada pelo que eu deixei além da quadra.

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