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Bala na Cesta

A cultura brasileira, José Neto e o timaço do Flamengo

Fábio Balassiano

19/05/2016 01h50

machado1"Já era. O técnico José Neto perdeu o grupo. Te garanto isso". "Não há outra opção. O Flamengo terá que partir para a reconstrução do grupo. O elenco precisa passar por uma limpa". "Acabou o amor entre Neto e a diretoria, viu. Acaba o campeonato e vai mudar a comissão inteira". Estas foram algumas mensagens que chegaram ao meu celular / facebook nos últimos dias. Dias que precederam uma possível eliminação do Flamengo no NBB (que acabou não acontecendo).

tupac1Em primeiro lugar, vamos lá: sei bem por que este tipo de "notícia" chega até mim. Entendo o porquê, o quando, o como, por quem e com que objetivos essas, digamos, situações chegam para mim (algumas de fontes bem confiáveis e por quem nutro o maior respeito inclusive). Antes procuraria mais informações e divulgaria. Hoje, talvez menos afoito (notem que usei o 'menos', pois acelerado serei pra sempre), conhecendo bem como funciona o meio basqueteiro (gosto muito da frase, do cantor Tupac, "Trust Nobody", que quer dizer "Não confie em ninguém") e preferindo a análise ao "furo de reportagem" eu ajo como um boxeador que não parte para o combate de primeira, mas sim que espera a primeira ação para ter uma reação mais assertiva.

fla1Mas, bem, voltando. O que aconteceu entre uma semana que o Flamengo tinha 1-2 e o jogo 4 em Mogi e esta terça-feira? O rubro-negro teve calma e muita técnica para virar para 3-2 com 79-75 em um jogo cinco agônico no Tijuca (das melhores partidas dos últimos tempos em solo nacional), se classificou para a quarta final consecutiva de NBB e manteve a incrível sequência do técnico José Neto – em todos os NBB's sob seu comando o treinador conquistou três troféus e no mínimo já chegou a outra decisão.

fla3Ou seja: em menos de sete dias o Flamengo saiu de uma possível eliminação para ter a chance de ganhar o seu quarto NBB consecutivo, aumentando mais ainda a diferença para Brasília (rubro-negros têm quatro; candangos, três). Independente do que aconteça na final contra Bauru (jogo 1 será em Marília às 14h de sábado com exibição da Rede TV e Sportv), fiquei me pegando não no jogo em si (que, insisto, foi esplêndido), mas em como as "análises" brasileiras sempre são recheadas de emoção, senso de instantaneidade e pouco apego ao trabalho – prefere-se prestar atenção aos resultados recentes.

neto2Falo isso do Flamengo porque esta geração que está no clube não é só a mais vencedora da agremiação da Gávea. Este núcleo comandado por José Neto é, provavelmente, o maior ganhador da história do basquete brasileiro. São três NBB's, uma Liga das Américas, um Mundial e um punhado de jogos brilhantes, de partidas incríveis, de jogadas sensacionais. Não sou rubro-negro (BEM longe disso!), mas ousar criticar o que estes caras têm feito com a camisa do clube é algo que eu não consigo fazer. Poderia, usando do meu ácido senso crítico, tentar, mas acho bem impossível.

fla2Há, sim, problemas no Flamengo em todas as temporadas. Nada é perfeito. Mas a análise, ao meu ver, deve ser mais fria, mais certeira, menos emocional. Para se pensar em mudança, o motivo precisar ser a média das atuações de comissão técnica e atletas – não os resultados mais recentes. O que tem dado certo? O que há de errado? Se trocar, vai trocar pelo quê? A filosofia é que não está mais apropriada? Ou mexendo apenas nas peças é possível manter a estrutura já criada?

pop4Maior ganhador de títulos da NBA, Phil Jackson não foi perfeito em sua vida profissional. Em seus últimos anos de carreira foi muito e duramente criticado pela imprensa norte-americana por, em teoria, não conseguir mudar o panorama no Lakers (eliminado pelo Dallas em 4-0 no ano de 2011). Gregg Popovich não teve resposta para os ajustes táticos de Billy Donovan, do Thunder, há uma semana no playoff e nem por isso deixou de ser, provavelmente, o melhor treinador da história do basquete mundial. José Neto, obviamente, também erra (e vai continuar errando…), mas o treinador do Flamengo faz um trabalho espetacular no rubro-negro e merece ser muito valorizado pelo que alcançou com a equipe (seu saldo é extremamente positivo e negar isso é meio ridículo).

neto1Não só em termos de conquistas (e isso já seria coisa pra caramba), mas por trazer uma cultura de basquete diferente (mais "europeia", mais cadenciada, mais defensiva, mais cerebral) a um time que sofre uma pressão absurda por vitórias. Já critiquei a José Neto por achar que sua evolução dera uma estagnada entre a sua saída do Paulistano e sua chegada ao Joinville cinco anos atrás. Cabe, como tenho feito sempre que merece, elogiar o treinador por sua constante evolução desde então.

O Neto que chegou ao Flamengo não está mais lá. Não é uma crítica. Pelo contrário. Hoje há um treinador com a mesma essência, mas claramente implantando conceitos mais arejados e arrojados de basquete, exercendo uma liderança bem positiva no experiente grupo que lidera e se consolidando cada vez mais como o melhor treinador brasileiro em atividade no país. Não reconhecer isso é loucura. Cogitar tirá-lo do clube por qualquer motivo que possa surgir, idem.

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