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Bala na Cesta

A esperada e discordável demissão de David Blatt do Cleveland

Fábio Balassiano

23/01/2016 10h11

blatt2"Eu vi de perto (…) LeBron essencialmente pedindo tempos e fazendo substituições. LeBron abertamente gritando com Blatt após decisões que ele não gostava. LeBron se reunindo com os assistentes e olhando para todos, menos para Blatt. Teve LeBron, em um caso que testemunhei atrás do banco, balançando a cabeça intensamente de forma negativa depois de uma jogada que Blatt desenhou no jogo 5, juntando a reação mais alta não verbal que você possa imaginar. E que forçou Blatt, em frente do time todo, a apagar o que estava escrito na prancheta e desenhar outra coisa". Este relato é do dia 14 de julho, e foi escrito pelo ótimo Marc Stein, da ESPN americana (detalhes em inglês aqui e em português, aqui).

blatt1Começo este texto assim porque não causou espanto, ontem, a demissão de David Blatt do comando técnico do Cleveland Cavs. Não causou espanto o fato (a saída do técnico), que isso fique claro, mas sim o momento (este tópico deixo mais pra frente). Ainda mais pela declaração de LeBron James depois da derrota vexatória em Ohio para o Warriors nesta semana: "Foi um exemplo de quão longe estamos de ganhar um título. Contra os melhores times você quer jogar bem, e nós não fizemos isso ainda. Estamos com 0-3 contra Warriors (0-2) e Spurs (0-1)". Eu cheguei a escrever isso aqui inclusive no Twitter depois da vitória do Golden State: "Algo me diz que o caldo do Blatt vai entornar depois dessa".

blatt3Para tentar entender bem o que se passou para David Blatt sair do Cleveland é fundamental "esquecer" (se é que é possível) a campanha de 30-11 nesta temporada e a de 53-29 em 2014/2015. Blatt, educadíssimo com todos (relembre a entrevista que fiz com ele) e com inúmeros méritos de ter chegado à final passada, podia cravar a melhor marca da história, mas para seus jogadores ele era visto como um cara inexperiente na NBA por ter iniciado sua trajetória na liga apenas em 2014. Soa ridículo, mas era assim.

blatt4E aí há dois pontos que não se encontram nesta curva: 1) Os Cavs o trouxeram da Europa para Ohio não apenas para treinar uma equipe que à época estaria em formação com o primeiro pick do Draft (depois é que veio a contratação de LeBron James e a troca de Andrew Wiggins por Kevin Love), mas também para tentar uma mudança de cultura, para tentar mostrar aos atletas uma nova forma de ver e jogar o esporte; 2)Para o elenco, só valia mesmo chegar à final e ganhar o título. De aprender coisas novas de basquete, do jogo em si, eles não queriam saber muito. E, pra eles, Blatt inacreditavelmente era um calouro. Por mais que isso seja uma aberração, um acinte, um disparate, uma prova de falta de conhecimento até (o cara tem 20 anos treinando em alto nível, uma medalha olímpica, títulos importantes), é óbvio que isso faria com que houvesse vários choques, né?

blatt5Querem um exemplo? A surreal declaração de Kyrie Irving depois da vitória de 31 de outubro de 2014 em Chicago está aí para quem quiser consultar: "Fizemos uma festa para ele no vestiário agora há pouco. Demos a bola do jogo pra ele, porque foi a sua primeira vitória na liga. Chamo o Coach Blatt de o Virgem da NBA entre nós. Para nós, atletas, ele é um calouro mesmo". Os jogadores não escondiam de ninguém isso – nem da imprensa.

blatt6Há, ainda, um fator complicador nisso tudo. Ele atende pelo nome de LeBron James e todo mundo sabe disso. O cara voltou a Cleveland para ser campeão. Voltou a Cleveland para ser campeão e com a chave do time para dar pitaco em qualquer coisa (vide o que ele disse recentemente de James Jones – "Enquanto eu estiver jogando ele estará ao meu lado"). E ponto. Qualquer coisa menor que isso não servirá para ele. Não o culpo, e seu objetivo profissional sempre ficou claro para todos. Tanto foi assim que a diretoria trocou Andrew Wiggins por um jogador experiente logo de cara. O recado foi claro: "Ganhemos logo, não importa o amanhã". Por essa, digamos, perspectiva histórica o camisa 23 não "comprou o barulho" de David Blatt desde sempre. Para ele, o melhor jogador do mundo, era absurdo ser treinado por alguém que estaria aprendendo com a NBA, deixando seu sonho de ganhar pelo time de seu Estado o tão sonhado título mais longe. No final da temporada passada, LeBron completaria 12 anos na liga. Blatt, seis meses. Por mais triste que isso seja, é assim que funciona a cabeça de LBJ.

riley1Cabeça de LBJ que, diga-se, não tem em Cleveland um Pat Riley por trás como havia em Miami. Erik Spoelstra, técnico do Heat, era tão (ou mais) inexperiente que David Blatt. Dando amparo a Spo e conselhos a LeBron, porém, estava Riley, dono de 715 títulos e com currículo e moral suficientes para segurar qualquer cara feia de sua maior estrela. Houve, claro, momentos complicados na relação de um elenco estelar com um treinador que iniciara a sua trajetória como técnico em 2008 (dois anos antes de LBJ e Chris Bosh chegarem). Em todos o bombeiro veio com seu gel no cabelo e terno bem cortado para aparar as arestas. Fez a diferença – quatro finais, dois títulos e um dos melhores times da história.

lue1Isso não acontecia em Cleveland. Não era incomum ver LeBron James conversando Tyronn Lue (agora contratado como técnico principal até o final desta e da próxima temporadas) durante os jogos e fazendo elogios públicos a ele ("Lue está pronto para ser treinador de uma grande franquia", dizia LBJ). David Griffin, o gerente-geral (na teoria), nada fez. Para o ala, ter alguém com estofo, com milhagem de NBA, era essencial (e eu não concordo com isso, obviamente). Blatt não tinha isso, e nunca recebeu, internamente, apoio de LeBron para seguir com o que achava correto. E se o principal soldado da esquadra não chancela as decisões do chefe da missão, sabemos que a faísca está pronta para virar uma explosão na primeira curva mais difícil, né?

griffinDo meu canto eu só não entendo porque a medida não foi tomada antes da temporada 2015/2016 começar. Se havia uma animosidade no vestiário entre jogadores e treinador (e havia), por que não dar tempo ao novo comandante com uma pré-temporada inteira e um campeonato completo para ajustar o time até os playoffs, quando o Cleveland será realmente testado? Do jeito que foi feito, Tyronn Lue terá menos de três meses de trabalho com a sua filosofia até o playoff (com uma All-Star Weekend no meio – e ele será o técnico do Leste, por mais bizarro que isso seja) e será cobrado como foi David Blatt caso não consiga levantar o troféu. Qual o motivo da insistência de David Griffin, o gerente-geral (na teoria) do Cavs? Os jogadores iriam mudar de ideia, tratando Blatt melhor? Não iriam (como não mudaram). Nas primeiras quedas (derrotas para Warriors, Spurs e de novo Warriors em menos de 30 dias), os problemas iriam voltar (como voltaram). Faltou, ao meu ver, uma análise mais minuciosa de cenário, um planejamento um pouco mais adequado com as pretensões do que a franquia quer (título, título e só título). Talvez em junho de 2016 Griffin se arrependa do movimento que não fez em agosto de 2015.

blatt20Por isso tudo digo que a situação de David Blatt não deve ser analisada pelo lado técnico da coisa. Por mais que tenha cometido erros (e nesta temporada o retrospecto de 30-11 explica-se muito mais pela grandíssima superioridade que o Cleveland tem no Leste do que por uma melhora em relação ao campeonato passado), seu calcanhar de aquiles em Ohio não era sua bagagem tática que ele trazia consigo. O problema de Blatt, mesmo, era o fato de ele ser visto pelos jogadores como um cara que ainda estava aprendendo com a NBA, sendo (na visão dos atletas) incapaz de, com instruções importantes, levá-los ao próximo nível (título).

blatt25Por fim, digo que para mim isso que os jogadores do Cleveland pensam é uma bobagem. Há grandes técnicos que nunca jogaram profissionalmente (Gregg Popovich) e outros que foram craques atuando e não tão bons na prancheta (Isiah Thomas, por exemplo). David Blatt é um excepcional treinador e pode muito bem continuar treinando na NBA (se fosse ele, optaria por um time em reconstrução, o que lhe daria tempo para colocar em prática as ideias e o basquete que ele acredita). No Cavs, a máxima de que quem manda prender e manda soltar na liga profissional norte-americana são os jogadores mais do que nunca está válida. Quando neste grupo de jogadores encontra-se o melhor do planeta então…

E você, o que achou da demissão de David Blatt? Comente aí!

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