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Bala na Cesta

Seleção Feminina, Colegiado, Clarissa, Érika e falta de diálogo

Fábio Balassiano

07/01/2016 06h21

barbosa1Lá vamos nós de novo neste tema. A Confederação anunciou na terça-feira a convocação de cinco atletas para o lugar das 7 que pediram dispensa do evento-teste no final de dezembro (Adrianinha, Tainá, Tatiane Pacheco, Gilmara, Joice, Jaqueline e Tássia). Os pedidos estão no site da CBB, em clara e desnecessária exposição das atletas.

O grupo, que ganhou a presença de Lais Silva ontem (São Bernardo), tem 11 meninas: as recém-chegadas Anna Beatriz Oliveira, do Basquete Jaraguá/SC, LaisMariane Carvalho, do Bradesco/SP, que vêm para a primeira convocação, Érika, Clarissa e as seis atletas do Sampaio Correa, único clube que não aderiu às ideias do colegiado de clubes do feminino – são elas Iziane, Cacá, Carina Felippus, Isabela Ramona, Palmira e Karina Jacob. Como ainda não chegou ao número final de 12, é bem provável que Antonio Carlos Barbosa convoque outra menina para fechar o elenco nesta quinta-feira.

É possível analisar a situação de várias maneiras. Vamos lá:

nunes11) A principal delas é que de fato não houve diálogo entre clubes e Confederação Brasileira. A CBB pode até ter razão no propósito de achar que ela é quem deve gerenciar as convocações (acho que tem mesmo no final das contas!), mas me parece pouco inteligente não abrir as portas para uma conversa com as equipes que ainda insistem em fazer basquete feminino por aqui. O resultado final pode ser, lá na frente, muito, mas muito pior. Não consigo conceber que o presidente Carlos Nunes, um homem totalmente político e que entende como funcionam essas situações de crise, tenha deixado chegar a esse ponto.

adri22) Está claro, também, que, como antecipei na semana passada, não dá pra saber como aconteceram os pedidos de dispensa. Houve pressão dos clubes? Parece que sim, como demonstram as palavras de Adrianinha (foto) ao Aleixo no UOL. Repito o que disse no final de 2015: "Não teremos noção de quão engajadas estão as meninas que pedirem dispensa da equipe nacional. Será que estarão pedindo para não atuar em janeiro porque acreditam no Colegiado e em seus líderes, ou será que se ausentarão da seleção porque o Colegiado é o movimento dos empregadores que bancam seus (bons) salários?". Minha opinião: há uma mistura entre indignação e pressão dos clubes aí.

clarissa3) Há um caso especial e ele atende pelo nome de Clarissa. A pivô do Corinthians/Americana, sempre avessa a polêmicas ou a posicionamentos mais fortes, bateu pé e se apresentou nesta quarta-feira em São Paulo. Dúvidas: ela foi pra seleção porque não curte as ideias do colegiado ou porque teme ficar fora das Olimpíadas do Rio de Janeiro (sua cidade)? Se pra ela a equipe nacional está acima de tudo, como o seu clube (atual ou o próximo) deve tratá-la? O fato de ela jogar na WNBA, ou seja, ser valorizada internacionalmente, pesou em sua decisão? O que muda na relação dela com as outras atletas (atletas que convivem, ou conviviam, com ela no dia a dia)? Joice e Gilmara, também do Corinthians, pediram dispensa da seleção e continuarão em Americana. Clarissa terá o salvo-conduto de jogar pela equipe nacional e depois retornará ao clube? Caso isso aconteça, como se sentirão as duas meninas que assinaram um pedido de dispensa há menos de 20 dias? Caso o clube faça exatamente o que prometeu (não manter a atleta que se apresentar), quais os próximos passos de Clarissa? Até a Olimpíada são no mínimo sete meses. O que ela fará? Jogará por outro clube da LBF? Ficará parada? Vai tentar uma experiência na Europa? Jogará este problema para que a Confederação a ajude a resolver? Para quem nunca se posicionou pra absolutamente nada (nada!), sua atitude é de um individualismo, de uma ingenuidade, de uma falta de senso coletivo que assustam muito. Jogar pela seleção de uma Confederação Brasileira envolvida em BIZARROS problemas de gestão e sem NENHUM planejamento para o feminino é a única coisa que lhe passa pela cabeça? É isso mesmo? Não que esperasse nada dela, mas um pouco mais de raciocínio crítico cairia bem. Colocá-la como "mártir" por fazer apenas o que ela quer é algo que, definitivamente, não farei.

erika44) Outro caso emblemático é o de Érika de Souza. Li no UOL que a pivô saiu da Turquia devido a problemas salariais. Assustou-me a sua passividade em dois trechos da entrevista: "O salário realmente não estava em dia lá na Turquia, mas não quero expor o time" e "Não quero opinar sobre essa questão (do problema dos clubes com a CBB) agora". Vem cá, como assim não quer expor o clube? A equipe turca deixa de pagar, e a atleta não quer "expor o clube"? Que mundo é esse? Beira o surrealismo que a atleta que tem a receber evite falar por medo. Sobre o segundo ponto, é triste ver que a melhor atleta brasileira de uma modalidade deixe de se posicionar a respeito de um problema que, sim, existe no basquete feminino. Ela tem a voz mais alta dessa turma e prefere se calar. Com uma "líder política" assim, a CBB agradece eternamente, né? Que pena, Érika. O basquete feminino brasileiro esperava mais da pivô. Não em quadra. Mas para exigir mais juízo dos dirigentes fora dela.

Palmira5) Como se sentem essas cinco meninas que foram convocadas ontem para o evento-teste? Como elas se sentem sabendo que estão sendo chamadas apenas para preencher um espaço que dificilmente será delas na Olimpíada? Vale tudo mesmo para se apresentar à seleção brasileira? Pelo visto, para elas sim.

6) Qual será a reação da CBB na convocação da seleção feminina para a Olimpíada de 2016? As sete meninas que pediram dispensa no final de 2015 estarão no elenco? Ou serão descartadas devido a isso? A Confederação usará alguma habilidade política para conversar com elas, ou continuará tratando convocação como uma obrigação nacional, algo tão antigo quanto tosco?

nunes27) O evento-teste, que serviria para o Brasil fazer jogos contra a boa seleção australiana (completa), não vai valer de nada para Antonio Carlos Barbosa. O time que irá ao Rio-2016 não estará no Rio de Janeiro, mas sim treinando em Recife, com o América, Americana, com o Corinthians, e no ABC Paulista, com o Santo André. Será, para a equipe nacional feminina e para o país, um mico colossal, algo realmente deprimente e que ficará exposto para o mundo todo.

molina48) Reforço o que venho falando desde sempre. O movimento por melhores práticas no basquete feminino deveria partir das jogadoras, que, caso necessário, poderiam ser apoiadas pelos seus clubes. Como as meninas são passivas para qualquer coisa, as cinco equipes da LBF acabaram tomando as rédeas da situação ao exigir o básico, o mínimo, mesmo que de forma por vezes exagerada e/ou equivocada. Os pedidos, insisto nisso, são TODOS válidos e pertinentes, mas deveriam ser abraçados pelas jogadoras, que teriam que estar na linha de frente e não acuadas pelos seus empregadores (como disse de maneira terrível a armadora Adrianinha). Acabou virando uma guerra entre o Colegiado e a diretoria da CBB, e não, como seria o mais bacana, uma "carta aberta de salvação" das atletas para uma Confederação que literalmente anda na cabeça delas há décadas. Embora as causas (do colegiado) sejam justas, a voracidade dos dirigentes e a falta de (com)postura das atletas fez com que a entidade máxima apostasse no silêncio, as agremiações, no "quanto pior, melhor" e as atletas, novamente na situação que mais lhes agrada – a de serem sempre as "coitadinhas" no meio do fogo cruzado. Nem Pedro Almodóvar conseguiria escrever um roteiro tão absurdo assim.

Por fim, entre clubes, atletas e os dirigentes da Confederação, sabem qual a que realmente sairá perdendo disso tudo? O basquete brasileiro como um todo. Mais uma vez.

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