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Bala na Cesta

Livro conta a história da reconstrução do basquete de Franca

Fábio Balassiano

27/05/2019 12h30

Luiz Pires / LNB

No final de 2014 o esporte brasileiro foi sacudido com uma série de notícias vindo da capital do basquete. Franca estava à beira da falência. Dívida chegando a quase R$ 4 milhões, problemas com patrocínio, situações delicadas com a prefeitura. Nada dava certo para uma equipe que tinha, à época, 55 anos da mais bela história da bola laranja no país.

Eram duas possibilidades: fechar a porta ou se modernizar. A história do livro "Gestão também ganha jogo", dos autores Carlos Renato Donzelli e Marcelo Carraro Rocha, lançado na última sexta-feira pela Editora Unifacef, fala de como a equipe francana saiu de seu atoleiro para em menos de cinco anos se tornar referência de administração esportiva, algo raríssimo por aqui.

Conversei com Donzelli e Carraro, parte do grupo responsável pelo novo comitê gestor montado pela equipe há quatro anos, na última sexta-feira depois do lançamento da obra na Unifacef que contou com grandes nomes da história do basquete francano (Hélio Rubens, o atual técnico Helinho, Guerrinha, Carlão, Lula Ferreira, o coordenador atual, Edu Mineiro, entre outros). No sábado, o time da cidade venceu o Flamengo por 77-71 e ficou a uma vitória do inédito título do NBB.

Luiz Pires / LNB

BALA NA CESTA: Franca está jogando uma final de NBB depois de oito anos. Mas queria que você voltasse um pouquinho e contasse a respeito dessa caminhada não só de vitórias nas quadras mas do lado da administração, que ao meu ver é o grande legado que Franca tem deixado ao país nos últimos anos. Os resultados da quadra na realidade são o reflexo da gestão, imagino…
CARLOS RENATO DONZELLI: Acho que você fez um texto (aqui) em que afirmava que a bola de basquete não entra por acaso. Não sei se você sabe, mas a gente quase fez a capa do livro baseada naquele artigo que você escreveu. Acho que você conseguiu resumir bem o que passamos. A dificuldade que nós vivíamos, a estrutura que nós encontramos quando começamos a remontar, era de um clube que sempre foi gerido pela paixão. E o esporte naturalmente é gerido por amadores. Esse é o grande X da questão. Por voluntários. Voluntários que fazem as coisas com o maior esforço possível. O que a gente enxergou foi meio básico, mas foi o seguinte: como tudo nesse mundo, estamos passando por um processo de transformação. Não cabe mais amadorismo hoje em dia. Posso até ser voluntário, mas preciso colocar a palavra profissionalismo junto. Essa pra mim é a grande barreira que divide esse processo. Quando a gente pegou a situação de Franca e decidimos mudar o caminho a primeira coisa que falei foi: vamos mudar o estatuto. Clube não tem dono, decisões não são de uma pessoa só. Franca pertence a cidade. Criamos o conselho para que as decisões fossem descentralizadas e estabelecemos alguns pilares: financeiro, governança, transparência e a educação, já que sempre fomos e nos orgulhamos de ser um clube formador. Sempre tivemos essa identidade e queremos mantê-la. Time que perde seu propósito está perto de acabar. Gosto sempre de dizer que quem esquece de onde veio não sabe pra onde vai. Mais importante que isso era nos organizar para também recuperar autoestima dentro do processo estabelecido pelos nossos pilares.

BNC: Teve algum momento, digamos, bem difícil que você lembra?
DONZELLI: Cara, é difícil e ao mesmo tempo hilário. Teve uma vez que estava em um vestiário de, sei lá, cinco metros quadrados com dez, 15 homens de dois metros e meio me perguntando se eles iriam receber seus salários. E quando iriam receber. E eu, de forma muito sincera, era obrigado a responder: "De verdade eu não sei se vocês irão receber. O que posso garantir é que vamos trabalhar duro e tudo o que captarmos nós iremos devolver a vocês". Mensalmente sentávamos com os jogadores e mostrávamos contas e resultados de negócios a eles. Atletas não estão acostumados a tanta transparência, a governança, a sinceridade assim e acho que isso foi a chave para, em um começo tão complicado, conseguirmos a confiança deles. Nesse meio esportivo os atletas não estão acostumados a isso. Não veio do nada isso que conseguimos em 2018, 2019. Foi um processo que conquistamos as coisas aos poucos, sobretudo a credibilidade. O SESI não chega na gente do nada e diz que quer entrar conosco de cabeça no projeto. Ele chega, analisa, vê que está tudo organizado, que os números batem, que o planejamento existe, que há transparência e fecha. Hoje mensalmente a gente senta com os nossos patrocinadores e apresenta o resultado de mídia.

Luiz Pires / LNB

BNC: O que, desculpe te cortar, é raríssimo até pra clubes de futebol, você sabe disso…
DONZELLI: Sem dúvida. A gente faz questão de mostrar a todos o que aquele patrocinador teve de retorno financeiro pelo que investiu. Hoje, por exemplo, temos quase 2 mil sócios-torcedores. Não basta você ter as coisas, é preciso mostrar o retorno. Isso aqui é um negócio pra gente e pra quem vai investir o dinheiro também. Precisa ser gerido com paixão, mas é um negócio. Não dá pra pensar diferente. Foi esse processo. Colocamos ferramentas diferenciais mas respeitando a história e o legado desse clube.

BNC: Venho do mundo corporativo, você também, e é bem claro que 99% das coisas que vocês colocando em Franca não são novidade no mundo empresarial. Gestão, transparência, governança, pilares, retorno sobre investimento etc. Quão difícil é incluir isso em um mundo esportivo, onde, sei lá, 90% das práticas ainda são amadoras?
DONZELLI: Primeiro é transparência. Vou te contar uma coisa que pouca gente sabe. A gente tinha perdido dois jogos no Paulista dessa temporada. Pra Bauru e Paulistano na sequência. Todos pediram pra demitir o Helinho, nosso técnico. Naquele momento a gente sentou com a diretoria e pensamos. Como a gente faz isso em uma empresa? A gente senta, alinha expectativas, revisita o planejamento e segue, né? Foi o que fizemos. Conversamos internamente, falamos pra torcida que o cara (Helinho) estava com a gente e que iríamos seguir porque acreditávamos nos nossos ideais e planejamento. Fizemos o mesmo com os patrocinadores, jogadores e comissão técnica. Ou seja: é um processo que envolve olho no olho, transparência e depois saber selecionar bem o capital humano. Se você tem capital humano, transparência, competência e esforço, o resto com Papai do céu dando uma força, a gente vai embora.

Luiz Pires / LNB

BNC: Marcelo, você disse que é filho de italiano e queria que você contasse alguma história lá do começo da nova gestão, de algo que te chamou atenção e que pode ser um marco desse novo momento de Franca.
MARCELO CARRARO ROCHA: Quando a gente esteve na Liga Nacional recentemente um dono de equipe da Stock Car fez uma palestra e disse pra gente: "Sou campeão, estou muito bem, mas de que adianta ter só o meu carro no grid de largada? Preciso ter o concorrente, porque não faz sentido estar só eu bem". Há uma legal que quando terminamos de fazer o diagnóstico, colocar tudo em planilha, números, vimos que o clube não tinha condição de continuar existindo. As dívidas eram grandes, a conta não fechava. Chegamos para a Luiza Helena, dona da Magazine Luiza, e contamos a ela que iríamos acabar com o clube. A resposta dela me marcou muito: "Enquanto eu for viva esse clube não acaba". A gente então disse: "Precisamos de dinheiro". E ela, com toda sua capacidade, respondeu: "Dinheiro é mais fácil, o problema é conseguir agregar as pessoas boas e trazer a cidade junta para este processo". Então depois desses três, quatro anos, quando a gente vê de onde saímos para onde estamos chegando é um baita orgulho, um baita orgulho mesmo. Hoje a gente consegue trazer a cidade a partir de um modelo de poder descentralizado. Quando a gente olha os clubes de futebol devendo 400, 500 milhões de reais, isso não é sustentável a longo prazo. Mas o que acontece? Entra um dirigente, contrata meio mundo de gente, ganha os títulos, deixa uma pancada de dívida e vai embora. Essa descentralização do poder foi muito importante pra gente.

DONZELLI: Marcelo, conta a história do estatuto. Também é boa…
CARRARO: Ah, sim, essa é legal mesmo. A gente estava em uma reunião, umas 40 pessoas, e a Luiza Helena disse: "Precisamos mudar o estatuto". Muita gente começou a dizer que não, espernear, ser contra, até que ela bateu a mão na mesa e com firmeza disse: "Se não mudar o estatuto Magazine Luiza está fora". Eu brinco o seguinte: quem tem a verba tem o verbo. E a gente tem uma responsabilidade de devolver ao patrocinador não só a verba mas também a confiança que ele depositou em nossa administração, em nossa equipe, em nossa cidade.

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