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Bala na Cesta

Livro conta história do épico título do Corinthians (RS) - Ary Vidal é personagem central

Fábio Balassiano

12/04/2019 05h00

Há quase 25 anos uma das mais épicas histórias do basquete brasileiro foi escrita. No dia 17 de abril de 1994 o Corinthians, de Santa Cruz do Sul, finalizava uma virada incrível contra Franca para se tornar o primeiro time do Rio Grande do Sul a conquistar um título nacional da modalidade.

Pensando nisso, o jornalista Guilherme Mazui Roesler lança, após trabalho de quase 10 anos de pesquisa, apuração, entrevistas e análises, no próximo dia 16 às 20h no Memorial da Unisc em Santa Cruz do Sul (RS) o livro "Corinthians do Ary Vidal", que narra a saga da única equipe gaúcha a conquistar o título brasileiro de basquete.

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"A obra não tem a pretensão de ser uma versão definitiva dos quatro primeiros anos de Ary Vidal no Corinthians. É um registro do que foi possível reunir de dados, vídeos, fotos, reportagens e memórias. Trata-se de uma homenagem aos responsáveis por um período mágico do basquete gaúcho", diz o autor. Dividido em três partes, o livro procura fazer uma fotografia do basquete nacional à época.  A primeira parte da obra narra a chegada de Ary a Santa Cruz, em 1990, para liderar um time que teve os selecionáveis Marcel e Rolando, mais os norte-americanos Alvin e Parker. Terceiro colocado no campeonato nacional de 1991, o Corinthians ganhou a alcunha de "Fantasma da Liga", único time de fora de São Paulo que beliscava o título. A segunda parte aborda as Ligas de 1992 e 1993 e a empolgação que resultou na construção de um ginásio para acomodar a paixão local pelo basquete. Já a terceira trata da temporada 1993-1994, com a reformulação da equipe, desacreditada pela redução de investimentos e pela ausência de jogadores de seleção. O livro recupera a trajetória das carreiras dos "12 condenados", como Ary passou a chamar seus atletas, e do Corinthians na Liga de 1994 até a virada no playoff decisivo contra Franca.

A obra, cujo valor é R$ 70,00, publicada pela Editora Gazeta com apoio cultural da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) marca os 25 anos da conquista pela equipe do técnico Ary Ventura Vidal, o mesmo comandante da seleção brasileira no histórico ouro no Pan de Indianápolis (1987) e personagem central da obra de Guilherme. Pra quem quiser mais detalhes, há o site oficial , o telefone da Editora (51) 3715 7989 e também o e-mail circulacao@editoragazeta.com.br  .

Abaixo a entrevista com o autor desta já imperdível obra:

BALA NA CESTA: Quando você começou a ter a ideia do livro? E eu li que foram quase 10 anos até a publicação. Consegue explicar isso pra gente?
GUILHERME MAZUI: A ideia do livro nasceu em 2009. Eu trabalhava no jornal Gazeta do Sul, de Santa Cruz do Sul, e fiz uma série de reportagens no 15º aniversário do título da Pitt/Corinthians. Entrevistei Ary, Waldir Boccardo, seu assistente na campanha, localizei os americanos Alvin e Brent e os demais campeões, os "12 condenados" como dizia o Ary. No mesmo ano, estudei o título no meu trabalho de conclusão do curso de Jornalismo na Universidade de Santa Cruz (Unisc) e teve um jogo na cidade com os campeões de 1994. A atmosfera foi linda, Santa Cruz sente falta do basquete profissional. O desejo do livro, contando de 1990 a 1994, nasceu do material que reuni, das histórias que ouvi e de toda aquela nostalgia. Parti em busca de mais material e comecei a escrever. No período, troquei de trabalho, mudei de cidade mais de uma vez, vim morar em Brasília. Teve momentos em que engavetei o projeto, retomei e engavetei de novo. Nos últimos três anos decidi que iria trabalhar para publicar o livro nos 25 anos do título. Foram quase 50 entrevistas, dezenas de sites consultados, busca em acervos de vídeos e nos arquivos digitais de Folha, Estadão e O Globo. Também consultei o jornal Correio do Povo e, de janeiro de 1990 a abril de 1994, consultei todas as edições físicas da Gazeta do Sul e de Zero Hora. Assim construí a linha do tempo e fui costurando com as histórias pesquisadas.

BNC: Pra quem não conhece Ary Vidal, o que você escrevendo o livro descobriu sobre ele? Sua personalidade era muito única, não?
GUILHERME: Ary era uma personalidade única mesmo. Vivia basquete 24 horas por dia, era o assunto que dominava as conversas dele. Adepto dos ataques, era atento aos detalhes dentro e fora da quadra, tinha suas oscilações de humor, fumava muito e não desperdiçava uma dose de uísque.
Ary era rápido nos raciocínios (mesclados com alguns palavrões) e dono de sacadas originais e espirituosas. Calvo, por exemplo, dizia que Deus dava cabelos para uns e inteligência para outros.

Comprovei na apuração algumas impressões, como a inteligência acima da média da média do Ary e sua capacidade rara de motivar atletas. A Pitt/Corinthians conquistou a Liga Nacional como zebra, diante de um timaço de Franca treinado por Hélio Rubens. Ary falava que seu time, sem nomes de seleção, era um "fusquinha" que poderia ultrapassar as "Williams" e "McLarens" de São Paulo. Durante a apuração do livro encontrei algumas curiosidades. Ary era considerado um bom goleiro na juventude, trabalhou no IBGE e teve o lendário Kanela como mentor na função de técnico. Por influência de Oscar, acreditava em São Judas Tadeu – talvez um empurrão decisivo no Pan de 1987 e na Liga de 1994.

Também chamou atenção na pesquisa que, ao chegar a Santa Cruz em 1990, Ary não vivia grande fase. Saiu da seleção em 1988, após a Olimpíada, muito criticado pelo estilo de jogo muito ofensivo dos times. Teve uma passagem ruim pela Espanha em seguida. O trabalho no Rio Grande do Sul, até então um mercado secundário no esporte, reabilitou o técnico. Em novembro de 1994, sete meses depois de conquistar a Liga, voltou à seleção para classificá-la aos Jogos de Atlanta (1996).

BNC: Você viu pouco daquele time e imagino que escrever a história do Corinthians tenha sido tão profissional quanto passional. Quando você terminou a obra, qual foi o seu sentimento?
GUILHERME: Eu tinha 6 anos de idade quando a Pitt/Corinthians foi campeã nacional (tenho 31 hoje), morava em uma cidade distante de Santa Cruz. De fato, fui me apaixonando cada vez mais pela história conforme avançava na apuração e na redação. Quando redigi a última linha e nas vezes em que reli o material, fiquei com a sensação de estar no ginásio junto com milhares de gaúchos que, contagiados por Ary e companhia, desejaram ter o melhor time de basquete do Brasil. Foi uma saga que merecia um registro para preservar a memória e, quem sabe, ajudar no esforço para a volta do basquete do Corinthians.

BNC: Eu era bem pequeno mas lembro que o que me chamava atenção daquela época do Corinthians era que o ginásio tinha pessoas com camisa do inter e do Grêmio. Ou seja: o time do Ary conseguiu unir rivais eternos. É mais ou menos por aí que esse time pode ser lembrado, não?
GUILHERME: Perfeita a observação. O Corinthians do Ary Vidal conseguiu a proeza de unir o que o futebol separa, ou seja, gremistas e colorados. Em 1994, as finais foram nas capitais, então, o Corinthians mandou os jogos em Porto Alegre, a cerca de 150 quilômetros de distância. Santa Cruz era sinônimo de casa cheia, inclusive o ginásio da cidade foi construído para acomodar a paixão pelo basquete. Havia dúvida se, em Porto Alegre, o ginásio lotaria. Foram três jogos com arquibancadas lotadas, na faixa de 8 mil torcedores. Foi uma "onda verde" que varreu o Rio Grande.

BNC: Especificamente sobre a final contra Franca, o que mais te surpreendeu ao apurar o livro?
GUILHERME: A capacidade de reação do time. Franca era a favorita e venceu os dois primeiros jogos em São Paulo. Franca tinha seis nomes com passagens pela seleção e dois norte-americanos, mais um técnico multicampeão. Era o grande time do Brasil à época, buscava o quarto título da Liga em cinco edições. Já a Pitt/Corinthians montou um elenco cascudo, com atletas rodados, mas sem o verniz da seleção. Foi o menor investimento desde a criação do time profissional, em 1990. Alvin Frederick era o craque do time, enquanto Brent Merritt vinha na primeira temporada no Brasil. Ary tinha seis jogadores (João Batista, Brent, Alvin, Cruxen, Joel e Almir) e os demais entravam menos. Alvin e Brent jogavam mais de 30 minutos por partida. Neste contexto, o time virou um playoff que estava dois a zero. Foram três jogos em três dias seguidos: sexta, sábado e domingo. Todo jogo entre a decepção e a esperança. A concentração, a superação física e a resiliência do time me deixaram muito surpreso.

BNC: Por fim: dói saber que hoje a cidade não tem mais o time que tanto venerava? Alguma chance de o esporte voltar a ter o Corinthians nos próximos anos?
GUILHERME: Dói muito o fato de Santa Cruz não ter um time profissional. A cidade ama basquete, o torcedor sente falta das noites com o ginásio Poliesportivo lotado. A cidade segue revelando jogadores e tem um trabalho muito legal de categorias de base. O Corinthians se fundiu com outro clube, o União, e nasceu o Esporte Clube União Corinthians, que voltou a ser campeão estadual em 2018. Tem uma equipe jovem, está semeando o retorno. Há um grupo de jovens dirigentes e técnicos que faz essa esperança seguir viva na cidade. A volta da fase dourada é o que todo torcedor espera.

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