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Bala na Cesta

A despedida de Manu Ginóbili, o sul-americano com a melhor carreira da história

Fábio Balassiano

28/08/2018 04h59

Divulgação / Spurs

Se foi Manu Ginóbili. Aos 41 anos, o ala-armador argentino anunciou ontem a sua despedida das quadras. A comoção em torno de sua saída de cena dá bem o tom do que essa cara representa. Pro San Antonio Spurs, a franquia pela qual jogou por 16 longos e vitoriosos anos, que perde seu último bastião do time campeão de 2014. Pro basquete sul-americano, a realidade é uma só: Manu é o jogador do continente com a melhor carreira de todos os tempos.

E aqui, obviamente, cabe uma explicação sobre a razão pela qual o blogueiro afirma isso. Não pelo motivo que eu não vi Amaury Pasos e Wlamir Marques, gênios do basquete brasileiro, bicampeões mundiais, duas vezes medalhista olímpicos e com mais um punhado de conquistas, nem pelo fato de Oscar Schmidt, Hall da Fama e outro monstro do esporte, ter marcas individuais magníficas mas poucas conquistas coletivas. O fato, pra mim e respeitando a opinião contrária, é que ninguém conjugou melhor o duo seleção + time como Ginóbili, brilhante e vencedor ao extremo nas duas esferas.

O garoto que saiu cedo, cedinho, de Bahia Blanca, na Argentina, sua cidade-natal, rumou para o Reggio Calabria. De cara, promoção da segunda para a primeira divisão na Liga Italiana em 1999. Em seguida, transferência para o gigante Bologna. No tempo em que atuou por lá, Manu, que jogava com a 6, foi campeão da Euroliga em 2001, MVP das finais da Euro e 2X MVP da Liga Italiana.

Isso tudo com 23, 24 anos. Sempre com sua canhota matadora. Sempre com seu instinto decisivo. Sempre sem temer a nada e nem a ninguém. Jogava por um timaço, comandado por Ettore Messina, o mesmo cara que depois tornou-se assistente dele no San Antonio Spurs, e parecia não se incomodar com o fato de os veteranos terem a alcunha de decidir as partidas. A bola parava em sua mão, o mundo congelava, Manu só parava na cesta ou para uma bandeja límpida ou para uma enterrada feroz (na época ele enterrava – época que a Euroliga passava por aqui aliás…).

No meio desse período italiano, seu nome começou a chamar atenção da NBA. O San Antonio Spurs foi pra Austrália ver um Mundial Juvenil disposto a escolher Lucas Victoriano, também ala-armador argentino. Se apaixonou por Manu Ginóbili, o selecionando na posição 57 do Draft de 1999 (a antepenúltima aliás). Até jogar na liga norte-americana, Manu daria seu cartão de visitas aos norte-americanos antes. E sem jogar exatamente na liga.

No Mundial de 2002, em Indianápolis, ele guiou a Argentina à decisão, vencendo os EUA com profissionais da NBA pela primeira vez na história (um fiasco colossal dos norte-americanos, derrotados por 87-80 com 15 de Manu), e só não foi campeão porque uma arbitragem desastrosa tirou o ouro dos hermanos contra a Iugoslávia. Na final, aliás, Manu não jogou porque havia se lesionado na semi contra uma Alemanha que tinha Dirk Nowitzki, eterno rival do Dallas Mavs na NBA por longos anos (pouca gente lembra disso).

O troco aos rivais da final perdida em Indianápolis viria 2 anos depois. E com requintes maravilhosos. Manu fez isso aqui, ó:

Foi na estreia de uma Olimpíada que teve roteiro perfeito. Vingança contra os (desde então) sérvios em uma bola contra o estouro do cronômetro de chorar mil vezes, derrota na fase de classificação, semifinal incrível contra os norte-americanos, de novo derrotados pelos platenses (29 pontos em uma das melhores atuações de Ginóbili) e ouro olímpico contra uma Itália que tentou de tudo, mas não conseguiu deter os comandados de Rubén Magnano.

Manu, o líder máximo, no auge em termos técnicos, psicológicos, físicos e táticos. Ele levitava, jogava como um cara acima dos outros. Era absurdo o que ele fazia com a bola nas mãos mesmo sem espaço, mesmo marcado, mesmo com defendido por dois, três.

Quatro anos depois, em Pequim, o bronze do ala-armador com uma das melhores gerações que o mundo FIBA, de seleções, pode presenciar. A despedida dele da equipe nacional, aqui no Rio de Janeiro e diante de MUITOS torcedores de seu país, também teve um sabor especial, mas ao mesmo tempo recolocando a ordem nas coisas – os EUA simplesmente destruíram a Argentina por 105-78 nas quartas-de-final. O 17 de agosto daquele ano marcou o último dia em que Manu, o gênio, vestiu a camisa platenses.

Ou seja, falei do período dele na Itália (MVP e campeão da Euroliga), da seleção (ouro olímpico, bronze olímpico e vice mundial em 2002) e nem sequer abri o capítulo Spurs em sua vida. Ao lado de Bill Bradley, é o único a conseguir troféu da NBA, Europa e ouro olímpico.

No Texas, Ginóbili chegou cheio de desconfiança (como quase sempre quando começou), mas mostrou uma evolução assustadora a cada ano. Com o apoio do técnico Gregg Popovich, o argentino foi quatro vezes campeão da NBA (2003, 2005, 2007 e 2014), duas vezes All-Star (2005 e 2011), melhor sexto homem (2008) e duas vezes entrou pro terceiro melhor quinteto da liga (2008 e 2011).

Não há ninguém nos EUA que não reverencie o cara como um dos melhores que já passou pela liga norte-americana. Como titular, como reserva, pouco importa. Sempre como protagonista de um dos melhores trios da história do esporte (ele, Tony Parker e Tim Duncan).

No final, dá pra dizer sem medo de errar que Manu foi além. Foi além da expectativa. Além da rivalidade entre países (brasileiros com um mínimo de senso amam o cara). Além do preconceito que, sim, ainda há na NBA contra estrangeiros. Mostrou que não é (só) o físico que conta, mas sobretudo a cabeça para comandar o corpo. Com uma inteligência de outro mundo. Jogando com graça. Jogando com técnica. Jogando com coração. Com alma.

Gostem ou não por aqui, a realidade é que nenhum sul-americano teve uma carreira tão vitoriosa, tão gigantesca, tão alucinante, tão maravilhosa quanto Manu Ginóbili, fantástico até os últimos momentos de sua vida profissional.

Criativo, inventivo, latino, raçudo até a última gota de sangue e suor. O cara era um de nós, humano, fazendo do impossível o possível com uma bola de basquete nas mãos. Como assim um argentino ousa ser tão importante assim para uma franquia que se tornou lendária como o San Antonio Spurs? Na escala de ídolos, Manu está junto com Duncan, Parker e Gregg Popovich, mitos texanos.

O basquete perde um pouco de sua graça a partir de 26 de agosto de 2018, quando o eterno camisa 20 do Spurs e o 5 da Argentina se aposenta. Deste canto, a gente só pode agradecer por tê-lo visto jogar por tanto tempo – e sempre no mais alto nível. Todos que assistiram podemos dizer orgulhosamente que, sim, foi um prazer absurdo viver o Geniobili do começo ao fim.

Valeu, Manu. Foi ótimo enquanto durou.

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