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Bala na Cesta

Título do Brasil no Sul-Americano Sub-21 é lindo, mas um pouco de calma é recomendável

Fábio Balassiano

06/08/2018 04h29

Crédito: Divulgação / FIBA

Terminou ontem à noite em Salta, na Argentina, o Sul-Americano Sub-21. E terminou com um maravilhoso título para a seleção brasileira, que bateu os donos da casa por 84-76 e se sagrou campeã da primeira edição do torneio. Armador do Paulistano e dono de uma personalidade fora do comum, Yago Mateus, com 20 pontos, foi o destaque e eleito o MVP da competição.

Antes de entrar na análise de cenário em si, vale dizer que o Brasil venceu duas vezes os hermanos neste Sul-Americano Sub-21 (na fase de classificação a na decisão), se preparou por quase 30 dias em Praia Grande, não contou com um de seus melhores jogadores dessa geração (Gabriel Jaú, que se machucou na preparação) e que esta é a segunda conquista continental da gestão Guy Peixoto (a Sub-15 foi campeã ano passado). Acho que já disse isso aqui antes, mas não me canso de repetir: o país só voltará a ser forte mundialmente se, antes, passar a dominar o continente (ao menos na América do Sul). De tijolinho em tijolinho, dá pra ver que esse novo governor na CBB tem essa mesma ideia, ou seja, ser forte por aqui para depois dar o salto para outras praças – e isso está certíssimo.

Sobre a seleção, gostei bastante mais do que da postura, incrível e madura do começo ao fim, do nascedouro de grandes nomes. Didi (Franca), Guilherme Abreu (Franca e filho de Edu Mineiro, ex-jogador de enorme talento), Dikembe (Paulistano), Michael Uchendu (ex-Bauru e a caminho do basquete espanhol), Caio Pacheco (armador que atua no argentino Bahia Blanca), entre outros, são ótimos e com potencial físico e técnico para seguirem de forma brilhante a carreira profissional deles.

Crédito: Divulgação / FIBA

Só que agora entra o Bala chato da história. Sei que o momento é de comemoração, que no Twitter e nos Facebooks a canção "Exagerado" do Cazuza toca até dizer chega, mas eu recomendo um pouco mais de calma quando a gente fala em novas gerações. A última que a gente viu por aqui e que empolgou meio mundo de gente na internet foi em 2010, quando na Copa América Sub-18 o time de Walter Roese quase ganhou a final dos EUA em pleno Texas (derrota na final por 81-78). Em um período de oito anos o nome que agora é o mais conhecido é o de Raulzinho, seguido de Cristiano Felício (ambos na NBA). Lucas Bebê, maior destaque daquele time, atualmente está sem clube depois de passagem sem brilho na NBA (ainda é jovem e pode encontrar espaço, claro!). Davi Rossetto tem ido bem no NBB, mas do grupo de 12 atletas já há gente inclusive que parou de atuar profissionalmente.

Sendo um pouco mais cricri, o que podemos esperar desses meninos na temporada 2018/2019? Tirando Yago, que deve ser titular do Paulistano de Régis Marrelli, quanto tempo de quadra terão Didi, Dikembe, Mihcael na Espanha, entre outros? Gemadinha, ex-Paulistano e Corinthians, nem clube tem visando 18/19 até agora. Incrível, mas real. E a julgar pelos últimos anos no basquete interno, bem pouca será a minutagem deles. E aí a culpa não é da CBB, não. César Guidetti, técnico da equipe nacional e também do Pinheiros no NBB, convocou garotos muito bons, os treinou por quase um mês, quase todos atuaram bem na Argentina, mas e agora? Os treinadores do NBB estarão dispostos a colocá-los em quadra? Inclusive César com Felipe Ruivo e Danilo Sena no elenco pinheirense.

Crédito: Divulgação / FIBA

Vamos pegar o exemplo de Didi e Guilherme Abreu em Franca? Ambos são alas. Possuem menos de 21 anos, obviamente. Disputarão posição em um time estelar, que brigará pelo título do NBB, com Andre Goes, David Jackson, Lucas Dias, Jimmy, entre outros. Quantos minutos por jogo eles terão na temporada 2018/2019? Poucos, certo? Pode parecer ansiedade demais do blogueiro, mas Didi 19 anos, Guilherme Abreu também, e essa é a idade que eles precisam jogar, tentar, errar, aprender (no adulto!). Começar a ter isso com 21, 22 anos pode ser tarde pensando no primeiro nível do basquete mundial.

Além disso, deem uma olhadinha no tuíte abaixo do jornalista argentino Carlos Altamirano:

Diz alguma coisa, não? Cabem várias reflexões, certo? Quantos são os brasileiros no basquete europeu agora? Rafa Luz, Marcelinho Huertas, Jonathan Tavernari, Augusto Lima e Vitor Benite, certo? Nenhum muitíssimo jovem, nenhum começando carreira no Velho Mundo (com exceção de Michael Uchendu, que sai agorinha de Bauru para ser emprestado ao La Coruña, da segunda divisão, antes de ser incorporado ao Obraidoro). Ainda há Léo Demetrio e Danilo Fuzaro, que atuam na segunda divisão espanhola. Na lista dos hermanos, e falta Nico Laprovittola, o armador, há uma série de revelações que, já pinçadas pelos clubes de lá, iniciam suas vidas profissionais em um basquete de melhor nível (Brussino, Garino, Deck, Redivo, Vildoza, Bolmaro). Sem querer comparar nada nem ninguém, mas isso pode fazer a diferença lá na frente também.

Pode parecer chato demais ler isso neste momento pós-conquista, e a verdade é que a molecada tem mais é que comemorar mesmo pois foi um feito incrível e com um basquete de ótimo nível, mas fico realmente encucado porque a semente do bom trabalho e do talento que foi lançada merece ser plantada. Entre a euforia exagerada e a calma pra esperar os próximos passos, prefiro a segunda opção. Ficar vendendo ilusão pra ganhar simpatia de atleta, ficar "bonitinho" em rede social e posar de bom moço é algo que não faço – e que muito atrapalha o esporte brasileiro, diga-se de passagem. É esta mesma galera que, quando acontecem os tombos, se esconde e fica sem saber o que dizer. Ter coerência também é uma arte.

Obviamente trata-se de uma geração talentosa, muito talentosa, e que já começa ganhando duas vezes dos hermanos na casa deles. É um feito, uma conquista, é, sem dúvida, uma esperança. Mas o caminho é longo, longo, bem longo. Pensando no futuro, pensando no longo prazo, pensando sempre em como estar melhor na categoria adulta, conquistas da base não servem de muita coisa a não ser para preparar os jovens para o basquete profissional.

Se isso acontecer no basquete masculino brasileiro daqui pra frente, terá valido demais a pena a conquista do Sul-Americano de Salta neste agosto de 2018. Prefiro, por enquanto, manter os pés no chão para ver os próximos passos de todos estes meninos em seus clubes.

A trajetória é bem longa e está apenas começando – a base é meio, não o final.

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