Topo

Bala na Cesta

Como o ex-técnico de Universidade 'Cinderela' recolocou o gigante Celtics entre os melhores times da NBA

Fábio Balassiano

11/05/2018 05h00

Lembro que muita gente ficou chocada quando o Boston Celtics anunciou o seu novo treinador no dia 3 de julho de 2013. Manda-chuva de uma das franquias mais tradicionais do esporte americano, Danny Ainge trocou o técnico que venceu o último título com os verdes (Doc Rivers, 2008) por um jovem então com 36 anos cuja única experiência anterior havia sido liderar a modesta Universidade de Butler a dois Final Fours universitários em 2010 e 2011 na condição de Cinderela (zebra no famoso March Madness, o torneio nacional de faculdades dos EUA). O choque ficou ainda maior quando a imprensa norte-americana divulgou que Brad Stevens teria um contrato de 6 anos e US$ 22 milhões garantidos em sua conta bancária.

Mais do que a falta de experiência com um basquete totalmente diferente do universitário (a NBA é outro mundo em relação a cifras, regras, controle de vestiário, pressão, imprensa, globalização, tudo), o que pegava mesmo para Brad Stevens, hoje com 41 anos, foi que a proposta de trabalho era, de fato, de longo prazo e de reconstrução. Para alguém sem estofo, sem ser conhecido na liga profissional e diante de um torcedor exigente pra caramba poderia ser um degrau muito alto para se escalar.

Ao invés de nomes conhecidos como Paul Pierce ou Kevin Garnett, a estrela de Stevens no ano inicial era um Jeff Green (ala hoje no Cavs) que não inspirava confiança em ninguém. As 25 vitórias em 2013/2014 impulsionaram o Boston a conseguir boas escolhas nos Drafts seguintes, é verdade, mas também fizeram com que a desconfiança em cima de Stevens crescesse. Aquele jovem que só tinha enfrentado faculdades e dirigido a modesta / Cinderela Butler teria cacife para guiar os Celtics, os gigantescos Celtics, novamente aos maiores palcos do basquete mundial?

O tempo passou, e a resposta é um clamoroso e belíssimo "sim". Não só pelos resultados, mas pela maneira de jogar. Sempre "dividindo a bola", rodando a laranja para que todos tenham as melhores oportunidades de arremesso e fazendo jus à forma altruísta que sempre caracterizaram a franquia Celtics ser conhecida. É a forma como Brad Stevens enxerga o jogo e que tem implantado no time há quatro anos.

Na final do Leste pela segunda vez seguida (os Celtics enfrentam o Cleveland a partir de domingo em casa), Brad Stevens provou que está entre os melhores técnicos da NBA ao sair das tais 25 vitórias em 2014 para 55 em 2018. Somente este dado numérico já seria o suficiente para colocar seu cacife tão alto, mas é até certo ponto ridículo não escrever um pouco mais em relação a isso. Não é que a variação em quatro anos foi de 30 vitórias. É que sobretudo nesta temporada, a mais atribulada dele devido às lesões no elenco dos Celtics, o trabalho dele é fabuloso, absurdo, incrível, espetacular.

Logo no primeiro jogo, Gordon Hayward, reforço trazido pelo Celtics (ele foi treinado por Steve na Universidade de Butler), foi ao chão, se machucou e ficou fora do campeonato INTEIRO. Na sequência, Kyrie Irving, maior contratação da franquia, também se lesionou (só retorna em 2018/2019). Em menos de seis meses Stevens teve que remontar um time que perdeu, potencialmente, 40/45 pontos por jogo e duas de suas maiores referências técnicas. As estrelas deram lugar aos jovens – mas a pressão não diminuiria devido a isso, não.

Ao invés de esmorecer, reclamar, chiar, pedir reforços, Stevens foi trabalhar, trabalhar e trabalhar. Ainda perdeu Daniel Theis (pivô), Marcus Smart (este retornou depois) e mais recentemente Shane Larkin, armador reserva que ocuparia o espaço de Kyrie Irving. Sua saída foi dar espaço, confiança e desenvolvimento a jovens como Terry Rozier, Jaylen Brown e Jayson Tatum, cujas idades são 24, 21 e 20 anos. Pro final da fase regular da NBA até que a equipe conseguiria se virar, mas e no playoff, quando tudo fica mais difícil, como se sairia o Boston?

E a resposta tem sido dada em quadra. Rozier, Brown e Tatum somam 54 dos 104 pontos por jogo nesta pós-temporada do time. Mais que isso: todos atuando com uma desenvoltura formidável, daquelas que a gente até duvida se esses rapazes são humanos mesmo para não sentirem nenhuma pressão. Pra usar uma palavra da moda, o trio foi empoderado por Stevens e tem respondido da melhor maneira possível.

Do ponto de vista tático, muitas diferenças nas duas primeiras rodadas que o Celtics enfrentou e avançou. Após eliminar o Bucks em uma pegadíssima série em sete jogos atuando de maneira travada e fechando os espaços para infiltração de Giannis Antetokounmpo, contra o Philadelphis 76ers Stevens foi mais ousado. Ao invés de frear o ritmo e diminuir as posses de bola, algo que o Miami fez contra o Phila com razoável sucesso na primeira rodada, os comandados de Brad Stevens partiram diretamente para o "tiroteio", para o jogo franco. Mas Stevens colocou um "probleminha" para Brett Brown, o técnico rival, resolver – Ben Simmons, armador rival que não tem arremesso do perímetro (tema de texto aqui mais pra frente), teria todo espaço do mundo, mas não para suas infiltrações.

O espaço dele, o seu latifúndio, viria apenas pros arremessos, pros chutes, pras bolas de fora – que ele não tem em seu repertório até o momento. E isso acabou com o Sixers. Simmons ruiu, o jogo de meia quadra implodiu e o time da Pensilvânia foi presa fácil na vitória em singelos cinco jogos. A armadilha de Brad Stevens deu certo e os verdinhos avançaram.

Muita gente se pergunta, agora, não se o Boston irá vencer o Cleveland na final do Leste para retornar à decisão da NBA pela primeira vez desde 2009 (enfrentar LeBron James não é das coisas mais fáceis deste planeta, sabemos bem…), mas sim quão forte ficará este time quando todas as peças estiverem à disposição de Brad Stevens (todos na foto acima). Mais experientes, jovens como Rozier, Tatum e Brown ganharão a companhia deste extraordinário pivô chamado Al Horford, a única estrela que não baixou no estaleiro, e dos agora lesionados Gordon Hayward e Kyrie Irving. O Sixers agora eliminado é chamado de "Processo", mas a real da real é que o Boston está em um… processo de reconstrução bem mais avançado que o Philadelphia.

Se Danny Ainge é o engenheiro / arquiteto que colocou as peças certas ano após ano no elenco do Celtics, é do técnico Brad Stevens a mente brilhante que tem encontrado as melhores soluções dentro de quadra para desenvolver as peças que Ainge recruta.

O treinador da Universidade Cinderela que teria o contrato expirando no próximo campeonato merece crédito por ajudar a recolocar o Boston entre os grandes e por isso acabou recebendo uma extensão contratual recentemente. O Celtics deve muito a Brad Stevens, desde a temporada passada entre os melhores treinadores da liga, por voltar a figurar entre as maiores franquias da NBA.

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.