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Bala na Cesta

Splitter fala de vida de dirigente e revela torcida por título de Nenê: 'Cereja do bolo em carreira incrível'

Fábio Balassiano

02/05/2018 05h00

Tiago Splitter usou o Dia Internacional do Trabalho para começar uma nova vida nesta terça-feira. Recém aposentado das quadras, o brasileiro começou ontem uma nova etapa profissional como scout (espécie de olheiro) e desenvolvedor de talentos do Brooklyn Nets, franquia da NBA.

Aos 33 anos e dono de currículo que conta com um título da NBA pelo San Antonio Spurs (2014), um vice com a mesma equipe (2013) e dois títulos espanhóis pelo Baskonia, Tiago inicia trajetória do lado de fora das quadras sendo comandado por alguém que o conhece há tempos. O manda-chuva do Nets é Sean Marks, neozelandês que fazia exatamente o que Splitter fará agora quando o brasileiro chegou ao Spurs em 2010.

O blog conversou com Splitter sobre seu novo momento profissional, as aspirações de carreira, como veio o convite, a NBA atual e também sobre dois brasileiros muito falados ultimamente – nos EUA, Nenê, que pode conquistar seu primeiro título da liga norte-americana, e por aqui Marcelinho Machado, ala do Flamengo que se aposenta ao final da temporada.

BALA NA CESTA: Como surgiu o convite do Brooklyn Nets e qual exatamente será a sua função na franquia?
TIAGO SPLITTER: Conheço o Sean Marks, o gerente-geral do Nets, desde que ele estava no San Antonio Spurs. No ano que eu cheguei lá, em 2010, ele fazia exatamente o que farei por aqui no Brooklyn. É um cara que sempre foi muito próximo, e mesmo depois que saiu mantivemos contato próximo. Estivemos conversando, trocando ideias quando me aposentei. Desde que soube que não jogaria mais abri meu leque de possibilidades e comecei a conversar com as pessoas. Principalmente as que eram ou ainda são do Spurs. Essa, digamos, árvore do San Antonio é gigante e fui falando com algumas dessas pessoas para ver exatamente onde me encaixaria e o que poderia passar a fazer. Marquei um café aqui, um almoço ali, fiquei muito tempo falando com os caras. O Sean, desde o começo, se mostrou interessado em me trazer pra perto dele. Gosta de mim e me ofereceu o trabalho. Topei e no momento em que falo com você estou realmente saindo do meu primeiro dia de trabalho. Minha função é bem simples. Vou ser responsável pela parte de scout mas terei, também, funções bem específicas com a equipe de desenvolvimento de talentos na quadra. Isso é muito legal e tenho uma facilidade porque conheço o técnico, Kenny Atkinson, desde os tempos de Atlanta, e os assistentes Jacque Vaughn e Bret Brielmaier, que foram do San Antonio Spurs. O Trajan Langdon, que por muito tempo atuou no basquete europeu, também está no front-office (diretoria do time) e me ajudará bastante neste começo. Sei que é um início, uma fase nova, e estou muito mais pronto para ouvir do que falar. É o mais importante neste momento.

BNC: O fato de ter muita gente do Spurs e sobretudo da filosofia do Spurs facilitou muito as coisas para você conseguir o emprego, não?
SPLITTER: Conhecia muitos deles, eles me conheciam, sabiam das minhas intenções e obviamente isso facilitou. É um trabalho que vou começar muito mais pra aprender do que qualquer coisa, repito isso porque é importante. É um mergulho em uma área que não conheço muito bem. Fui jogador, e agora vou começar a acompanhar o lado de fora da quadra. A gente, quando atleta, conhece algumas coisas por cima, mas rolam muitas outras que um jogador não possui a menor ideia, a menor noção. Vem aí o Draft, haverá uma série de reuniões e considero um imenso aprendizado fazer parte disso. Vai ser interessante mergulhar nesse novo mundo e estou empolgado em fazer parte da organização Nets a partir de agora.

BNC: Uma das coisas que sempre chama a atenção no front-office da NBA é o Big Data que eles possuem. O volume de informações é descomunal, não?
SPLITTER: Por enquanto não deu pra sentir muita coisa e eu também nem conheço muito, mas eles têm toda informação do mundo. Há vezes que é excessivo, demais de informação, mas por enquanto está tranquilo. Não posso te dar mais detalhes por regras da organização, e eles são muito rigorosos em relação a isso. Estou com bastante vontade de fazer as coisas por aqui. Sou muito verde, cru na função, aprenderei demais e com certeza será uma experiência bem marcante tanto do ponto de vista pessoal quanto no âmbito profissional.

BNC: Não sei se você pode falar, mas o Nets chegou a perguntar a você sobre os 3 brasileiros que recentemente se inscreveram no Draft? Falo do Gabriel Jaú (Bauru), Michael Uchendu (Bauru) e Yago Mateus (Paulistano).
SPLITTER: Não posso falar sobre isso. Está tudo muito no começo.

BNC: Um ponto interessante é que você saiu de uma cultura absurdamente vitoriosa, a do San Antonio Spurs, para uma franquia que nunca foi vencedora e que está tentando criar uma identidade ganhadora em uma NBA pra lá de competitiva. Quão desafiador é sair do mega tradicional Spurs para o ainda sem tanta expressão Nets?
SPLITTER: Ótimo ponto. Me peguei pensando nisso outro dia mas isso é uma das coisas que o Sean Marks quer fazer e mais fala no dia a dia da organização. Ele quer encher o Brooklyn de pessoas que têm essa experiência vitoriosa, essa cultura vencedora, esse lance de já saber alguns caminhos das pedras. Todos aqui sabemos o que precisamos fazer para revertermos este tipo de situação. Não é o ideal, o time não se classifica aos playoffs há tempos, possui muitos contratos, está sem alguns picks importantes de Draft, mas o desafio é justamente o de transformar algo difícil em uma franquia modelo, maravilhosa, desejada. Todos estão muito empolgados pra fazer o melhor.

BNC: Você chegou a consultar alguns de seus amigos do Spurs para saber se aceitava essa oferta de emprego? Pode citar com quem você conversou?
SPLITTER: Conversei, me consultei, mas não quero dar nomes. São pessoas de minha confiança e prefiro manter o sigilo. São caras que estão nesse negócio de basquete faz tempo e que conhecem não só detalhes da quadra, do jogo, mas também do negócio, da administração esportiva. Todos falaram que seria muito bom pra mim começar pelo Nets. Pelo desafio, pelo Sean Marks, por ser uma franquia em um mercado importante (Nova Iorque), por tudo isso. Conheço a metade das pessoas que estão lá, isso impactou bastante na minha decisão.

BNC: Antes de aceitar essa função conversamos bastante e você me disse que não sabia se seria comentarista, técnico, dirigente ou algo assim. Você aceitou uma função extra-quadra que lhe coloca no caminho de ser um gerente-geral um dia. Você consegue se ver neste lado de GM em um futuro de 5/10 anos ou é difícil dizer no momento?
SPLITTER: Quando conversamos pela primeira vez há cerca de 30, 45 dias, o Sean Marks me deu a oportunidade pra eu meio que decidir onde queria estar. Aconteceu o mesmo com ele quando ele foi trabalhar no Spurs. Foi uma chance de ele saber o que queria fazer na vida e eu também tomei a mesma decisão. Pra mim não estava tão claro mas agora tenho um pouco mais de clareza para onde quero prosseguir com a minha vida. As 2 coisas, de ser técnico ou de trabalhar no front-office, são válidas e bem desafiadoras. E por incrível que pareça tanto o escritório quanto o lado dos técnicos são mega conectados. Isso sem falar daquela que vê os números, os tais analytics que você conhece bem. Vai tudo muito unido e precisa estar mega entrelaçado para gerar resultado para a franquia. Uma coisa leva a outra. Então você tem que decidir no que se especializar. Ou vai mais pro lado do front office ou pro lado técnico. Estou mais pro front office.

BNC: A NBA atual caminha para um jogo meio acelerado demais, com Houston Rockets e Golden State Warriors como maiores expoentes disso. Estar indo para uma franquia que usa o modelo do San Antonio Spurs pode parecer um paradoxo ou não há nada disso?
SPLITTER: Não sei se tem diferença. Todos os times se adaptam ao time campeão. A NBA é assim há séculos. Foi assim quando havia o Michael Jordan, depois com o Shaquille O'Neal nos Lakers. Os outros times contratavam 700 pivôs para queimar as faltas no cara. Atualmente há os times, como você citou, mais leves, mais focados no arremesso e de fato mudou muito o estilo da liga em relação aos times do Spurs que eu jogava. E não dá pra não copiar isso. O basquete é assim e pronto, mas nem todos têm sucesso fazendo isso porque obviamente as peças de Rockets e Warriors são únicas. O lance todo é que por paradoxal que pareça eu não acredito que seja tão diferente assim daquilo que fazíamos no Spurs. Já fazíamos isso com as bolas de 3 no ano em que fomos campeões em 2014. E nomes como os assistentes Ettore Messina e Ime Udoka estão sendo cogitados em inúmeras franquias para serem técnicos principais. Então acho que é apenas adaptar uma escola que dá certo há anos, a do San Antonio Spurs, a um modelo de jogo vigente na NBA.

BNC: Você tem visto o playoff atual, né? Algum time lhe impressionando mais que os outros?
SPLITTER: O Boston Celtics está me surpreendendo muito. Mesmo com tantas lesões estão impressionantes, jogando de forma organizada e sem desistir em uma única bola. O Terry Rozier, armador, está jogando muita bola. Mas, Bala, de coração estou torcendo pro Nenê ganhar o título dele com o Houston Rockets. Seria uma chave de ouro pra carreira do cara. Conseguir um anel seria muito especial e ele é merecedor disso. Realmente estou torcendo pra ele. O Nenê é o brasileiro com os melhores números do nosso país na NBA, é muito profissional, um cara que desde que chegou mostrou o valor dele e está bem próximo de conseguir o título que falta a sua carreira. Seria a cereja do bolo na vida profissional dele, uma vida incrível, excepcional.

BNC: Falando no Nenê, você acha que ele é pouco valorizado no nosso país? Acha que as pessoas daqui têm pouca, ou nenhuma, noção do que representa você ficar quase 20 anos na liga de basquete mais competitiva do planeta?
SPLITTER: Não há a menor dúvida que as pessoas não têm noção do que ele é, do que ele representa e da dificuldade que é permanecer por duas décadas em uma liga como é a NBA, que a cada ano despeja 50, 60 novos garotos cheios de energia e talento nas franquias. Fala muito, também, sobre a maneira como nós brasileiros ainda analisamos o jogo. Não é só chegar na quadra e fazer 30 pontos. Não é só isso. Basquete tem muitas outras coisas e eu falo sobre isso há anos, há tempos. É um ponto que bato bastante na tecla. Você pode ser bastante efetivo sem marcar tantos pontos assim. O Nenê é um destes casos. O cara sempre foi muito importante nas franquias que passou – Denver, Washington e agora o Houston. A diferença é que atualmente, jogando com James Harden e Chris Paul, ele está em um elenco de time campeão. Não que vá ser campeão, mas com chance para tal. Obviamente que o Nenê possui limitações de qualquer atleta com mais de 30 e poucos anos, restrição de minutos, algo normal, mas ele é muito respeitado dentro da NBA. Temos que valorizar demais o que ele conseguiu por aqui. Abriu muitas portas para nós e como atleta do país consigo ver isso claramente por aqui.

BNC: Outro brasileiro icônico que gostaria que você falasse é sobre o Marcelinho Machado. Ele vai se aposentar das quadras tão logo a temporada do Flamengo termine. Quão importante ele foi para a carreira de um garoto que, em 2002, chegava ao Mundial de Indianápolis com 16 anos como era seu caso?
SPLITTER: Cara, ele simplesmente foi, neste campeonato que você cita, o meu primeiro companheiro em Indianápolis. Ele e o Sandro Varejão me deram as boas vindas pra seleção. Me ensinando as coisas, mostrando como funcionavam as coisas. Sempre foi muito de grupo, muito competitivo, muito amigo de todos. Mesmo sendo muito criticado, chamado de fominha, ele era o cara que não tinha medo. Não afinava. Quanto mais velho foi ficando melhor como atleta se tornou. Parecido com o que aconteceu com o Manu Ginobili. Sempre foi uma referência no nosso grupo, capitão por muitos anos, um cara mega importante também.

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