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Bala na Cesta

Técnico José Neto fala sobre viagem aos EUA para ganho de conhecimento

Fábio Balassiano

24/08/2017 09h00

Em iniciativa pra lá de interessante (parabéns desde já!), o Flamengo enviou sete de seus profissionais dos esportes olímpicos para os Estados Unidos no começo do mês. O projeto foi capitaneado pelo CUIDAR (Centro Unificado de Identificação e Desenvolvimento dos Atletas de Rendimento), sob o olhar da Izabel Miranda (gerente de ciências do esporte) e Marcelo Vido (diretor executivo de esportes olímpicos), e foi fruto do contrato entre Flamengo e USOC (Comitê Olímpico Americano) na época da Rio-2016 – previa "troca de conhecimento" entre as instituições.

Lá eles visitaram as instalações do Comitê, tiveram palestras com os profissionais e, claro, acompanharam alguns treinamentos das equipes americanas. O blog conversou com exclusividade com o técnico José Neto, treinador mais vencedor da história do clube e que esteve presente na delegação rubro-negra nos Estados Unidos. Neto falou sobre o ganho de conhecimento, das experiências vividas e também do que será aproveitado no dia a dia do time para a temporada 2017/2018 no basquete.

BALA NA CESTA: Como foi pra você ter vivido essa experiência única de visitar o Comitê Olímpico Americano? Qual foi a maior lição que você tirou da viagem?
NETO: Foi realmente uma experiência única! Uma oportunidade de conhecer uma das referências em esporte no mundo, estar no local onde treinaram a maioria dos medalhistas olímpicos. Ter conhecimento de como funciona esta estrutura é um privilegio para quem pensa em trabalhar com o alto nível no esporte. Foram várias lições que tive neste período, mas tudo gira em torno de um quesito: qualidade. Tudo se faz com esse propósito porque a expectativa é sempre alta sobre as equipes americanas. Tudo é preparado, antecipado, planejado e, então, executado. O suporte de estrutura é incrível, mas ainda mais incrível é a preocupação em colocar no dia a dia a condição mais próxima do perfeito possível ao atleta a fim de que os detalhes sejam sempre a favor do êxito.

BNC: Você também teve a oportunidade de visitar o centro de treinamento do time de basquete que está sendo comandado pelo Jeff Van Gundy. Jeff desde sempre é um técnico muito exigente e queria que você contasse um pouco do que aprendeu no contato com ele por lá.
NETO: Esta seleção está treinando na Universidade de Houston, que tem uma estrutura excelente. Um campus fantástico com o que tem de mais moderno para a prática de diversas modalidades. Com o basquete não é diferente. Neste mesmo local treinou a equipe americana que venceu os Jogos Olímpicos no Rio no ano passado. Para a Copa América, a equipe americana vai ser bem diferente, sem as estrelas da NBA, mas gostei muito do que vi. Jeff Van Gundy é um técnico muito experiente e tem um conhecimento gigantesco sobre basquete. Um quesito ainda mais importante que esse é o respeito que todos têm pela história de Jeff e suas conquistas na modalidade. Um estilo que enfatiza corrigir os detalhes de cada situação de jogo. Um verdadeiro professor. Um treino muito didático. Outro aspecto que me chamou muito a atenção foi a intensidade. Não apenas em determinados momentos mas durante todo o tempo de treino. Seja em um "drill", em uma simples situação de 5×0 ou em situações de 5×5. Destaco também a estrutura do "staff"para os treinamentos. Vinte pessoas que fazem parte desta estrutura com funções muito bem definidas e um suporte para que cada detalhe seja realmente observado a favor da equipe. Especificamente sobre os treinos, foram de muito volume, com muitos conceitos e sistemas que estavam sendo aplicados. Uma variação muito grande de situações ofensivas e defensivas mas sempre sendo observadas com detalhes e corrigidas. Você disse muito bem quando referiu a exigência do Coach Jeff. Tem uma facilidade muito grande de se comunicar devido ao seu grande conhecimento do jogo fazendo com que os treinos fossem sempre de muita qualidade.

BNC: Uma de suas fotos fez sucesso na rede, a com Gregg Popovich. Como foi o papo com ele? Imagino que ele seja uma grande referência sua, não?
NETO: Coach Pop é uma referência mundial. Acho que não só eu, mas quase todos os técnicos do mundo têm o Popovich como uma referência. Isso se conquista não só com resultados, mas também com a maneira de se trabalhar. Não foi à toa que nesta temporada, mesmo sem ter vencido a conferência, foi aclamado pelos jogadores como o técnico que eles gostariam de trabalhar. Tive a oportunidade de conhecê-lo anteriormente em uma visita aos treinamentos do Spurs quando Tiago Splitter ainda jogava lá e fui com Ruben Magnano. Nas duas oportunidades ele foi muito receptivo e atencioso. É sempre muito bom poder estar próximo de pessoas que temos como referência. É sempre um aprendizado.

BNC: De tudo o que vocês aprenderam nessa viagem, quais os pontos que você acha que consegue trazer para o dia a dia do Flamengo?
NETO: O mais importante é implementar a mentalidade de trabalho. A partir daí, podemos evoluir em estrutura. Muitas vezes pensamos o inverso. Queremos ter a estrutura mas não sabemos como utilizá-la da melhor forma. Em um evento que participei antes dos Jogos Olímpicos me perguntaram o que eu achava que seria o maior legado que as Olimpíadas poderiam deixar no Brasil. Respondi que o maior legado seria a cultura esportiva, pois se a população a tiver, saberemos cuidar das nossas instalações, equipamentos, utilizá-los da melhor forma e a consequência disso seria ter resultados positivos. Acredito muito que a mudança tem que ser de dentro para fora, ou seja, da mentalidade para o resultado.

BNC: Na temporada passada o Flamengo chegou muito bem aos playoffs mas acabou caindo nas 4as de final pro Pinheiros. O golpe já foi assimilado? O que vocês esperam para essa temporada, com um elenco bastante mexido e diferente?
NETO: Realmente foi um golpe duro. Não sou de ficar dando justificativas. Não fizemos o que tínhamos que fazer e com isso não atingimos as nossas expectativas. Isso não abala a confiança no nosso trabalho, pois apesar de todas as dificuldades que tivemos no início da temporada, conseguimos terminar a fase de classificação na primeira colocação. Começamos muito bem os playoffs mas não fomos capazes de fechar a série. Como tenho a função de liderar a equipe, assumo a responsabilidade deste resultado. Foi um grande aprendizado que me fortaleceu e me deixou ainda mais motivado para vencer os próximos desafios. Assim como em temporadas anteriores, sempre tivemos mudanças na equipe. Nesta temporada tivemos mudanças que permitem a gente jogar de forma diferente. Vamos trabalhar neste início de temporada para formatar a equipe e assim termos condições de buscar os títulos das competições que iremos participar.

BNC: É inevitável falar deste assunto. Como está a sua cabeça após não ter sido eleito o técnico da seleção brasileira de basquete? Já conseguiu assimilar o que ocorreu?
NETO: Se eu disser que não tinha a expectativa de poder ser o técnico da seleção brasileira após a saída do Ruben, vou estar mentindo. Lógico que tinha. Mas minha cabeça sempre esteve tranquila em relação a isso, porque uma das coisas que pude aprender dos meus pais é que temos que fazer o máximo possível para poder conquistar o que queremos. E eu fiz a minha parte. Durante 14 anos que fiquei na seleção. Desta forma, conquistei o respeito de todas as pessoas que puderam me conhecer como pessoa e como profissional. Foram 14 anos de comprometimento e fidelidade ao basquete do meu país. Posso dizer que tenho orgulho de poder ter dirigido e ter sido assistente em seleções de diversas categorias em diversas competições. Nunca disse não a uma convocação independente da situação financeira que iria ter para realizar este trabalho. O foco sempre foi em colocar meu serviço para contribuir para o basquete do meu país. Sou muito grato a todos os técnicos que confiaram no meu trabalho (Lula Ferreira, Moncho Monsalve e Ruben Magnano) e me deram a oportunidade de crescer como pessoa e profissional. Tenho certeza que todos os títulos que conquistei até hoje, muito foi do conhecimento que pude adquirir com essa experiência em seleções. Portanto, foram momentos que vou guardar pra sempre com muito carinho! Pude conviver com pessoas incríveis que acrescentaram demais na minha formação. Desejo sempre o melhor para a nossa seleção e nosso basquete brasileiro.

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