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Bala na Cesta

Nikola Jokic e o Poder dos Fundamentos, por Gabriel Andrade

Fábio Balassiano

25/01/2017 14h00

* Por Gabriel Andrade

teodocic3A pedido do Fábio Balassiano, venho voltar a blogar rapidamente em espaço alheio sobre um nome que é certamente um dos principais da história da atual temporada. Para quem me acompanhava no TimeOut Brasil, deve saber que tenho um carinho especial por jogadores dos balcãs. O sufixo "ic" tem mais do que um fonema incomum para a língua portuguesa. Ele carrega uma história. Fora do badalado mundo gigantesco do basquete estadunidense e todo sistema que o cerca, são poucos os países que possuem volume de população, cultura e um sistema integrado e forte o suficiente para bater de frente como uma potência do nível da americana. Ainda que o basquete seja razoavelmente popular na China, Filipinas, Brasil e alguns outros países de população considerável, este esporte é realmente algo levado mais a sério em países menores, de economias não tão fortes e com menos diversidade física para compor uma modalidade que exige altura. Neste sentido, a região adriática faz um belo trabalho histórico, sempre como grande centro de talentos basqueteiros fora do continente americano ao lado de alguns países que formavam a antiga União Soviética, com destaque para Lituânia, Letônia, Geórgia e Rússia.

teodocic5Como é típico dos países ex-iugoslavos, grandes jogadores europeus carregam o poderoso "ic" no final de seus sobrenomes. Grandes exemplos históricos são Drazen Petrovic, Peja Stojakovic, Kresimir Cosic, Drazen Delipagic, Mirza Delibasic e assim por diante. Como forte destes jogadores, a parte técnica e de inteligência tática sempre foram o chamariz. Longe do nível atlético dos grandes craques da NBA, é na mecânica, posicionamento, leitura de jogo e desenvolvimento técnico que tornaram essa gama de talentos craques geracionais e importantes para a história do basquete atual. E mesmo que o basquete caminhe ainda mais para corpos velozes, atléticos e de muito alcance vertical, ainda existem talentos terrestres, calmos e que não saltam nem para pular amarelinha, mas que ainda conseguem ser relevantes. Se Milos Teodosic era o grande expoente deste estilo balcânico nos últimos anos, ele acabaram ganhando um nome forte, só que dessa vez já desembarcado em solo americano. Nikola Jokic, o tema deste texto, é um talento especial, que na espreita foi o terceiro melhor calouro na temporada 2016-2017 e já desponta como um dos principais pivôs da liga em seu segundo ano de NBA.

jokic3Lento, pouco atlético e com arremesso suspeito, Jokic não era considerado um grande prospecto. Nos clássicos torneios de base da FIBA, quando a Sérvia foi vice-campeã mundial da categoria Sub-19 em 2013, o pivô conseguiu tímidas médias de 7.5 pontos, 5.0 rebotes e 1.5 assistências, chutando meros 41.2% nos lances livres. Era reserva da dupla Nikola Jankovic (ala-pivô com jogo totalmente baseado no poste baixo, atualmente no Union Olimpia, da Eslovênia) e Nikola Milutinov (draftado na primeira rodada do draft de 2015 pelo San Antonio Spurs). O destaque do torneio pela sua seleção havia sido o armador Vasilije Micic, atualmente no basquetebol turco e escolhido pelo Philadelphia 76ers no Draft de 2014 na segunda rodada. Jokic foi se consolidando aos poucos no cenário dos prospectos pela sua capacidade de passe, QI de Basquete, altura e envergadura. Era comparado a Nikola Vucevic em alguns sites especializados em jovens talentos, como o NBADraft.net, mas menos atléticos que o gigante montenegrino do Orlando Magic. Sem muita badalação, foi escolhido na posição 41 no Draft de 2014 pelo Denver Nuggets. O clube do Colorado não o levou de cara, deixando que jogasse mais um ano pelo Mega Vizura (atual Mega Leks) para ganhar minutos e ajudar em seu desenvolvimento, já que a equipe já contaria com outro pivô novato, o bósnio Jusuf Nurkic, além de mais uma bagatela de grandalhões que estavam no elenco.

jokic2Aí que cabe ressaltar, o Mega Leks é um clube que pertence ao super-agente Misko Raztanovic, talvez o nome que mais agencie jogadores por toda a Europa, um caça prospectos. Esta equipe serve intencionalmente para que jovens talentos joguem, façam números, aumentem suas cotações e, claro, se desenvolvam em um ambiente que possam errar sem que o resultado seja importante. Além de Jokic, o clube revelou para o último draft o ala francês Timothe Luwawu e o sérvio Rade Zagorac. Nesta temporada, o alemão Kostja Mushidi, o francês Alpha Kaba e o esloveno Vlatko Cancar devem ser prontamente escolhidos caso desejem se lançar já por agora. Na temporada em que o pivô do Nuggets atuou como stash (quando joga no exterior tendo sido draftado pela NBA), foi muito produtivo, conquistando 15.4 pontos, 9.3 rebotes, 3.5 assistências, 1.5 roubos de bola e 0.9 toco de médias por jogo na Liga Adriática, competição que reúne os principais clubes da região dos Bálcãs. O desempenho lhe deu o título de MVP aos 19 anos de idade e certamente chamou a atenção dos executivos de Denver, que correram para trazê-lo para a NBA.

jokic4Dentro do elenco do Nuggets encontrou a concorrência de JJ Hickson, Jusuf Nurkic, Keneth Faried, Joffrey Lauvergne e Darrell Arthur. O elenco da franquia era bastante inchado no garrafão e com espaço reduzido para um novato. O sérvio só foi começar a ganhar mais de 20 minutos por jogo quando Nurkic e Hickson se lesionaram, obrigando a equipe a usar o elo mais jovem de sua rotação. Para a surpresa de quem não acompanhou a carreira do garoto, entrou sempre muito bem, com destaque para seus passes, precisos e achando espaços dignos de armador. Mas a versatilidade não parava por aí. Depois do Mundial de 2013, o pivô trabalhou muito bem em seu arremesso até virar uma arma confiável, letal da meia distância e razoável na linha de três pontos. O jogo de costas para a cesta é elogiável, com ótimo trabalho de pés e "gravidade" exercida por sua visão de quadra. A finesse de seus ganchos e bandejas são de encher os olhos de Hakeem Olajuwon. A bola sai com rotação fácil e consegue se sobrepor a sua inabilidade de jogar por cima do aro, como Whitesides e DeAndres da vida. Sua produção foi chamando a atenção e como o Nuggets não tinha muitas pretensões mesmo, testou e deixou brincar o novo prospecto da equipe. No mês de abril, saiu com médias de 11.6 pontos, 10.8 rebotes e 4.0 assistências, o bastante para consolidá-lo como principal calouro de uma temporada ótima para jovens talentos, atrás apenas de Kristaps Porzingis e Karl-Anthony Town, mas acima de Devin Booker e Myles Turner. O seu impacto para a equipe foi escandaloso. Com ele em quadra, a equipe melhorava seu saldo de cestas por 100 posses de bola em 11.7 pontos. Todos os jogadores da Nuggets melhoravam seu saldo com Jokic em quadra, que foi o único da equipe com saldo positivo e ficou entre os 10 melhores em TODA A NBA no impacto dentro/fora de quadra. Nem o badalado Emanuel Mudiay parecia mais o futuro da franquia.

jokic20Durante suas férias Nikola Jokic continuou sua saga como MVP do Pré-Olímpico que assegurou a vaga da Sérvia para as Olimpíadas do Rio de Janeiro em 2016 e foi parte importante da seleção vice-campeã olímpica que caiu apenas para os Estados Unidos na final em solo carioca. Mesmo sendo reserva do lenhador Miroslav Raduljica, Nikola saiu com bons 9.1 pontos, 6.0 rebotes e 2.4 assistências por jogo, fazendo seu melhor jogo contra o Team USA pela fase de grupos (25 pontos, 6 rebotes e 11-15 nos arremessos).

jokic100Para a temporada 2016-2017, o Nuggets queria botar em ação a dupla apelidada de Jurkic (Jokic + Nurkic) em quadra. Os dois adriáticos eram considerados os principais talentos de garrafão da equipe e resolveram testar a formação para comprovar se os resultados valiam a pena. A pré-temporada deu bons sinais, sobretudo em relação a Nurkic. A equipe parecia uma máquina de rebotes e ambos jogaram razoavelmente bem. Porém veio a temporada regular e os resultados foram desanimando. Na NBA de trocas de marcação e agilidade, jogar com dois grandalhões lentos assim acabou deixando o ataque estático, previsíveis e a defesa vulnerável aos ataques espaçados e velozes da atual liga. Jokic virou um Strecht Four puro (ala-pivô que joga aberto), alienado a bolas de três que não são sua especialidade, e Nurkic começou a monopolizar o ataque em sua tentativa de usar a força para cavar faltas. O começou do sérvio foi tão desestimulante que logo foi perdendo espaço e afundando no banco. No mês de novembro fez medianos 8.6 pontos, 6.0 rebotes e 2.4 assistências por jogo, jogando a maior parte do tempo como reserva, com o experimento Jurkic já terminado. A dupla não poderia atuar junta e os técnicos acabaram escolhendo a proteção de aro do bósnio.

jokic5Contudo, o Nuggets começou a coletar resultados estranhos. O banco ocupado com Wilson Chandler, Jamal Murray, Jameer Nelson e Nikola Jokic foi coletando resultados bem melhores que os titulares. O combo Keneth Faried, Jusuf Nurkic e Emanuel Mudiay foi um desastre de espaçamento de quadra e a defesa continuava ruim. Estava claro que não daria para a formação inicial continuar em quadra. Com o retorno de Gary Harris e cada vez melhores atuações de Jokic sobre Nurkic, a equipe mudou seu quinteto, usando como base Mudiay, Harris, Gallinari e Jokic, alternando com Will Barton, Chandler, Faried e Arthur na vaga remanescente. Mudiay, que vinha sendo uma máquina de desperdícios de bola, passou a atuar menos tempo armando o jogo. Melhor passador da equipe, foi Jokic quem assumiu a armação da equipe da cabeça do garrafão, às vezes até puxando a bola da defesa ao ataque. A ordem agora é assim que Jokic receber a bola após um pick-and-pop ou post up, que o time se mexa e corte bastante sem a bola. O resultado foi bom logo de cara. Jokic efetivado como titular subiu bastante a eficiência ofensiva da equipe. O pivô tem a impressionante eficiência ofensiva de 128 pontos por 100 posses de bola. No mês de dezembro, o pivô conquistou médias de 17.0 pontos, 8.8 rebotes e 4.9 assistências, que saltaram para 23.4 pontos, 10.7 rebotes e 4.3 assistências em janeiro, virando cada vez mais o foco central do time incluindo como principal pontuador. E mesmo sendo cada vez mais agressivo, subiu sua eficiência mês a mês. Confira o gráfico de arremessos dele em relação à média da liga.

JokicAlém do ótimo desempenho individual, o Nuggets só vem crescendo junto, tanto que está com a atual oitava colocação da Conferência Oeste, aproveitando as seguidas bobeiras do Portland Trail Blazers. Fora que seu estilo de jogo único rende vários dos vídeos que mais rodam pela internet basqueteira atual, tornando-o um dos atletas mais divertidos de se assistir da liga. Sua eficiência e raro estilo de jogo rendem números únicos, como o único pivô da história a combinar taxa de assistências e de rebotes acima dos 23%. Também é o pivô mais eficiente no post up dentre os que possuem 10% do seu jogo baseado nesta jogada e atuaram por pelo menos 20 jogos, conquistando 1.07 pontos por posse de bola neste tipo de lance (no geral, considerando todas as posições, atrás apenas Aaron Afflalo e Rudy Gay).

jokiccCom seu estilo de jogo sem pulo, mas muito refinado e consciente das ações que toma, Jokic achou seu espaço na NBA e só tem a crescer mais e mais com o tempo. Até onde ele pode levar o Nuggets? Seria o nome ideal para comandar essa franquia? São coisas que só o tempo dirá.

Mas o caminho, com certeza, será cheio de passes sem olhar, carisma e um basquetebol ofensivo e eficiente. Agradecemos ao basquete adriático por nos dar a oportunidade de ver um talento deste nível, porque o basquetebol ainda é um esporte de fundamentos.

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