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Bala na Cesta

A frustração existe, mas não deve apagar outro passo histórico do Warriors

Fábio Balassiano

22/06/2016 02h00

curry1O Golden State Warriors não conquistou o tão sonhado bicampeonato da NBA. Abriu 3-1 contra o Cleveland, viu o Cavs virar para 4-3 e frustrou (a melhor palavra é essa mesmo) a sua torcida. É triste, vai doer por muito tempo, mas creio ser fundamental que ninguém esqueça quão fantástico foi o campeonato que esses caras que ganharam 73 vezes na fase regular tiveram. Faltam adjetivos para descrever a grandeza do que estamos vendo acontecer na nossa frente e ignorar isso por um fim de certame ruim não é o melhor a se fazer.

curry2Antes de começar os elogios, vamos ao óbvio: está muito claro que alguma coisa não deu certo para o Warriors nesta decisão. Assim como algumas situações precisam ser corrigidas pelo Cleveland também. Não existe time perfeito (nunca houve). Só não concordo, agora, com as críticas que tenho visto ao estilo do Golden State. Muita gente diz que a franquia não tem jogo de garrafão e que por isso perde. Não lembro de ter visto este tipo de argumento ano passado quando a equipe foi campeã. É uma análise em cima de resultados apenas e só isso? Sem querer comparar nada, mas já comparando, o Chicago de 1996 tinha no garrafão Luc Longley e Dennis Rodman, que somavam 15 dos 106 pontos por jogo da equipe 20 anos atrás (menos de 15% portanto). Não falta ao Warriors jogo perto da cesta, mas talvez um pouco mais de consciência para arremessar o melhor arremesso possível do ataque. E mesmo assim tendo a discordar disso que acabei de escrever, pois o que faz desses caras um time já histórico é a imprevisibilidade, o alto número de posses de bola e o jogo rápido, muito rápido. De todo modo, para um playoff me parece importante saber jogar em uma marcha menor em alguns momentos.

green1Aqui, de novo, vale aquele alerta: o jogo mudou, o jogo está mudando, e assiti-lo como se assistia há 20, 30 anos é um erro colossal. Para ver o esporte da bola laranja da atualidade a melhor coisa, mesmo, é se despir de todos os conceitos e aprender com o que está acontecendo. Já falei algumas vezes sobre o Warriors (aqui , aqui e aqui ) neste espaço, mas obviamente vale a pena ressaltar o que esses caras comandados pelo ótimo Steve Kerr (teve falhas na decisão da NBA e também na final do Oeste, mas segue sendo um grandíssimo treinador) têm conseguido fazer no basquete. Não por chutarem loucamente de três pontos, algo que irrita a muita gente, mas por conseguir quebrar freneticamente os conceitos arraigados do jogo.

kerr1Isso, aliás, é algo que merece ser explicado com um pouco mais de cuidado. Quando assumiu a equipe, Steve Kerr sabia que tinha em mãos dois dos melhores arremessadores desta geração (Klay Thompson e Steph Curry). Ele sabia, portanto, que para vencer não poderia jogar da maneira habitual, da maneira "regular" dos outros times. Ritmo de meia quadra, dois pivôs perto da cesta, chutes de dois pontos em profusão e vamos ver no que dá. Nada disso. Kerr tem noção, também, que a melhor arma do seu time (o chute de três pontos), vale mais do que os tiros de dois pontos (50% a mais, né…).

numerosCom um pouco mais de estatística neste texto: os estudiosos do jogo dizem que, atualmente, existem três tipos de chutes "confiáveis" no basquete atual: bolas de três pontos (vale mais, insisto…), bolas em contra-ataque (a maioridade numérica gera alto potencial de conversão) e bolas perto da cesta (mais de 60% de aproveitamento). O Golden State Warriors tem, minimamente, armas bastante letais nos dois primeiros itens dos gênios dos analytics (chutes de três e contra-ataque). Se tem isso tudo, por qual razão atuar de maneira ortodoxa? Não havia razão de fato. A saída foi realmente quebrar a banca, desafiar status quo e criar uma maneira única de jogar basquete – o seu basquete.

kerr1A questão foi, é e cada vez mais será COMO fazer com que Steph e Klay chutassem BEM para fazer com que a arma fosse potencializada. A preparação para os arremessos, com trocas de passes e bloqueios constantes para Steph e Klay, são tão importantes quanto as bombas lançadas por eles em si. Em uma matemática boba, em um espaço de 10 arremessos, 9 bolas convertidas de dois pontos (90% de aproveitamento) por um time qualquer valem exatamente a mesma coisa (18 pontos) que os Splash Brothers podem conseguir acertando 6 em 10 (60%). É, como diria aquele personagem da televisão, aritmética.

green1A grande graça para o mundo basqueteiro é tentar entender os conceitos, admirar a franquia de Oakland, mas saber que o que eles se propõem a fazer é quase que impossível de ser "copiado" simplesmente porque as peças que estão ali são bastante heterogêneas. Quem no planeta possui jogadores tão multidisciplinares e capazes de exercer tantas FUNÇÕES ao mesmo tempo em quadra como Andre Iguodala, Leandrinho, Shaun Livingston, Draymond Green, Festus Ezeli, Anderson Varejão e Harrison Barnes? Ninguém, né? Por essa singela razão nem todo time pode jogar igual ao Golden State Warriors. Ninguém tem chutadores tão confiáveis assim quanto eles e peças tão diferentes entre si em um elenco de 15 jogadores. Peças tão diferentes, tão distintas, mas que encaixadas fazem com que pareçam uma coisa só. Dentro da álgebra, a geometria para achar os melhores ângulos e a química, para achar as melhores formações, são importantes também.

iggy1Para o Golden State importa pouco a altura dos atletas que estarão em quadra. Importa mais a combinação do que eles conseguirão fazer, juntos, contra as formações dos rivais. Importa, sobretudo, que os cinco caras saibam realmente jogar basquete (é quase o que Pep Guardiola faz em seus times de futebol, trazendo volantes para jogar na zaga e povoando o meio-campo, onde se pensa e se cria o jogo…).

Klay2Vimos neste playoff várias vezes o Warriors sem os "pivôs". Vimos, também, o GSW com Curry e Livingston, armador principal e seu reserva, juntos. Vimos defesas impressionantes e dominando os rebotes com Draymond Green, "gigante" de 2,01m como o rapaz mais perto da cesta. Mais que isso: como evitar cestas dos rivais não tendo necessariamente um pivozão grudado no aro? Ter peças com braços longos, rapidez nas pernas e capazes de marcar rivais de diferentes posições (Iguodala, Green, Barnes e Livingston principalmente) ajuda o GSW a ter uma das melhores marcações da NBA atual. Boas defesas permitem contra-ataques. Boas defesas permitem que, no contra-ataque, Curry e Klay já se posicionem nas extremidades (corner-shots) para chutar sem marcação (spot-up shots). Se marcados eles já têm conversões altas (mais de 40%), imaginem livres (mais de 50% nos tiros longos…). Como é um time bastante leve, as movimentações são frequentes e frenéticas, deixando os adversários MALUCOS para acompanhar os ritmos e deslocamentos. Isso conta. Isso conta e cansa também. Vimos infinitas maneiras de se chegar a cesta com diferentes atletas em quadra. Dava para pontuar com as bombas de Curry ou Klay do perímetro. Mas dava, também, para ver jogo de costas para a cesta de Livingston, infiltrações de Leandrinho, picks com Draymond Green, ponte-aéreas para Ezeli e Bogut, isolações para Andre Iguodala e Harrison Barnes. O arsenal construído é praticamente imarcável.

gsw4Não torço pelo Warriors, mas torço para vê-los jogar assim por muito, muito tempo. Se fica a frustração, pra eles, de não ter conquistado o sonhado bicampeonato, vale lembrar que alguns times históricos, como o Lakers da década de 80, demoraram anos para conseguir títulos consecutivos. Outros, nunca chegaram lá (o Spurs atual e o Boston Celtics mesmo da década de 80 não conseguiram). O que estamos vendo é um time que venceu 67 vitórias em 2015, 73 em 2016 e que conseguiu avançar às finais por duas vezes seguidas. Não é pouco. Com uma diferença bem incrível que o Golden State consegue fazer isso com um núcleo ainda muito jovem (Curry é o mais velho e tem módicos 28 anos), que pode conquistar ainda muita coisa, e mudando os conceitos do jogo (como não querer que isso se prolongue por muito e muito, gente?).

warriors1Muita gente ainda teima em não colocá-los no panteão dos melhores times da história. Não só os coloco lá entre os melhores, mas também na classe das equipes que conseguiram modificar a curva da modalidade. Houve o Celtics da década de 60 com Bill Russell e seu jogo pesado de defesa. Depois o Lakers em 1980 com o estilo incrível de transição. Tivemos, também, o Detroit Pistons, máquina de moer adversários com seu estilo físico na mesma década de 80. Logo depois, o Bulls com o seu sistema de triângulos incrível. Anos depois vieram os altruístas San Antonio Spurs e o Detroit-2004 (este por menor espaço de tempo) e o Lakers com o duo Shaq e Kobe (o último, até agora, a conseguir 3 títulos seguidos). Agora é a Era Warriors. Basquete rápido, baseado em arremessos longos, trocas de marcação constantes e armas ofensivas infinitas. E vencendo muito.

Quando este esporte for estudado daqui a 50, 60 anos, este Golden State Warriors (até agora) campeão de 2015 e vice de 2016 precisará de um capítulo a parte. Único. Único como seu lindo e sorridente basquete.

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