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Bala na Cesta

Na 'guerra' de Clarissa, todos os lados da moeda saem perdendo

Fábio Balassiano

21/01/2016 14h00

clarissa1Dentro dessa brigalhada toda envolvendo clubes, CBB e atletas o nome que mais chamou a atenção foi o de Clarissa. A pivô do Corinthians / Americana não compactuou com as ideias do colegiado, ficou 13 dias na seleção feminina e na volta ao interior de São Paulo teve seu contrato rescindido pela agremiação. Vamos analisar tudo com calma:

1) Creio, antes de qualquer coisa, que qualquer demanda de mudança para uma Confederação deva partir do atleta – e não dos dirigentes de clubes. Quando se juntam os dirigentes "dialogando" via imprensa qualquer tipo de movimento perde força. Perde até mesmo a sua razão de existir. Parece, e por vezes é, uma guerra de egos, um simples cabo de guerra. Quem perde? O esporte. Sempre.

lbf12) Sobre o colegiado, vou deixar mais claro aqui o que já tenho dito há tempos: houve INÚMEROS excessos por parte dele. A forma escolhida talvez não tenha sido a ideal, as demandas pode ser que tenham sido exageradas, mas uma coisa precisa estar dita: é legítimo, sim, que quem faz o dia a dia do esporte (o clube) exija da Confederação (de qualquer Confederação) melhor gestão no esporte. A gente não está falando do dono do Lakers bater na porta da USA Basketball e pedir mais transparência, organização e planejamento. Estamos falando de cinco (dos seis) clubes que ainda fazem basquete feminino por aqui e de uma CBB que é um horror de administração esportiva. É lícito, é natural até. A entidade máxima não percebeu, no entanto, que mais do que um pedido para conversar as agremiações estavam gritando por ajuda, clamando por um diálogo que é essencial para qualquer modalidade crescer. Inacreditavelmente a Confederação finge que não entende que não há esporte profissional sem clube. Sem eles, o que seria do basquete feminino?

roberto3) Dizer que tudo o que foi dito pelo Colegiado não valeu de nada não me parece o mais inteligente a se fazer. Minimamente lançou luz em cima de uma entidade que é tenebrosamente dirigida por Carlos Nunes. Minimamente colocou na grande imprensa informações sobre como (não) pensa a CBB em relação ao esporte das meninas em um momento (véspera da Olimpíada) que os meios de comunicação lembram que, caramba, existe o basquete feminino. Minimamente fez com que TODOS refletíssemos sobre qual o papel de cada um dentro do esporte. Depois, talvez pela forma dos envolvidos (dos dois lados), a discussão derivou para um "será que se apresenta?", algo que não era a razão de existir do movimento.

erika14) Faço uma ponderação importante aqui antes de seguir a análise: Será que nós (imprensa) estamos fazendo um bom papel nessa história toda? Não vi uma única matéria ouvindo TODOS os lados ao mesmo tempo. Só há versões, versões e mais versões (difusas, distintas, soltas, parciais e deixando o outro lado em péssima situação). Cadê, na mesma página, Érika, Clarissa, Nunes, Vanderlei, clubes (Colegiado), meninas que pediram dispensa, ex-jogadoras e Associação de Atletas?

erika5) Antes de entrar no caso específico de Clarissa, uma pergunta pra lá de fundamental: quão unido era o colegiado de clubes, visto que houve no meio desse turbilhão todo a contratação de uma atleta (Érika) pelo América, de Recife, na última segunda-feira? Acrescentando: Por que, aliás, todo e qualquer movimento esportivo político, ou politizado, do país morre assim tão rápido, tão de repente? Por fim: Vale mais ganhar a edição atual da raquítica LBF ou plantar a semente de um basquete feminino brasileiro forte pelos próximos 15, 20 anos? Pelo visto, nem todos pensam na segunda opção.

lbf26) O caso específico de Clarissa merece, sim, uma reflexão grande, mas antes de falar da atleta eu gostaria de abordar dois nomes quase esquecidos nesta situação toda – os de Gil(mara) e Joice. Para quem não sabe, são as duas atletas do Corinthians / Americana que NÃO se apresentaram à seleção (pedindo dispensa dias antes). Alguém já parou pra pensar como elas estão se sentindo neste momento? Tipo: das três jogadores de Americana, duas pediram dispensa e a outra foi para a seleção. Houve conversa entre o trio? Ou cada uma agiu individualmente de acordo com a sua conveniência? O que será que Gil e Joice pensam do que Clarissa fez? Elas gostariam de ter feito igual? O que elas pensam do que o clube fez com (ou por) elas? Creio ser uma reflexão necessária.

clarissa7) Sobre Clarissa: em primeiro lugar, conheço a atleta há anos e não falo dela (ou sobre ela) como pessoas que passaram a olhar para o basquete feminino ontem. Não é o caso. Sei bem de sua história bonita de superação na vida e no esporte, e de seu amor ao jogo. Isso é louvável. Não tenho nada contra ou tampouco a favor dela ou de qualquer outro jogador deste país. Discutirei, sempre, seus desempenhos, suas posturas, suas "brigas" dentro e fora da quadra. Já disse aqui que não estou no basquete nem pra ser querido e nem para fazer amizade. Se esperam isso de mim, é melhor procurar outro espaço (há desta estirpe aos montes por aí…). Se não sorrio muito nem em casa, mimando e acarinhando a quem de fato merece, não farei isso em um esporte que, aqui dentro, tem muito mais coisas ruins do que boas.

clarissa48) Clarissa é uma sorridente menina boa, pura, ingênua no sentido de acreditar nas pessoas e de querer ver todos muito bem. Não vejo maldade em seus atos, sinceramente. O que vejo, porém, é que em um terreno formado apenas por animais venenosos de todos os lados ela não pode simplesmente não agir. Não agir, neste caso, é compactuar com um dos lados, como bem disse o Luis Araujo recentemente no seu ótimo Triple-Double. Isso é muito claro e por mais que ela não queira se envolver, calando-se ela está… concordando com o lado da CBB. É um direito dela, sem dúvida alguma, mas não dá para dizer que não falando ou debatendo o assunto ela está de fora porque não está. Uma pergunta apenas: se ela não concordava com o que seu clube e o Colegiado exigiam, o que ela foi fazer na reunião de São Paulo no começo de dezembro? Faltou clareza, faltou mostrar de fato o que ela pensa(va) da situação. Do jeito que ficou, aparentou passividade, conformismo, abstração de uma situação limite e difícil como esta.

clarissa59) Em entrevista ao Sportv na noite de terça-feira, ela disse o seguinte: "A questão política eu não posso te informar muito pois eu estou totalmente fora. Eu deixei mais essas questões políticas, mais burocráticas, para quem sabe realmente sobre o assunto. Eu me preocupei mais em me apresentar e jogar". Ao UOL, na mesma terça-feira, foi isso: "Eu sou atleta, e atleta quer jogar. Essas coisas mais burocráticas ficam para quem tem de resolver, e para mim é o que acontece dentro das quatro linhas. O resto eu deixo para os cabeças grandes resolverem". Como assim "cabeça grande"? Atleta, então, tem cabeça pequena? Só serve, mesmo, para jogar a bola pra cima e ver se cai na cesta? Com todo respeito, mas como assim um atleta de mais de 20 anos não se envolve nisso? É a sua (ou de qualquer outro jogador) carreira que está em jogo. Será que vale, mesmo, deixar todos os destinos da sua carreira na mão de quem cuida de sua carreira (o seu agente)? Não considero, pessoalmente, isso salutar. Tratar Clarissa como mártir ou heroína da resistência é algo que eu decididamente não irei fazer simplesmente porque se abster de falar abertamente sobre a situação não é o mais indicado.

nunes110) Outro ponto. Todo mundo sabe quão ruim (para dizer uma palavra suave) é a gestão da Confederação Brasileira. Um mínimo (mínimo mesmo) de consciência dos fatos (dívidas alarmantes, Controladoria Geral da União pedindo dinheiro de volta aos cofres públicos, ex-patrocinador processando a entidade) faz com que a gente note que estar do lado da CBB é no mínimo compactuar com o tenebroso governor Nunes à frente da entidade. Não é do lado desta galera que eu, particularmente, gostaria de estar, não. Vale mesmo defender essa galera a qualquer custo? Qual a razão de tamanho conformismo por parte de Clarissa e das demais jogadoras deste país? Será que as atletas estão felizes com uma Liga de seis clubes e em chegar de nono pra baixo em Mundial e Olimpíada? Se a resposta é sim, tudo bem. Se a resposta é não, sugiro que façam alguma coisa para mudar o panorama, pois nada mostra que daqui pra frente será diferente.

clarissa1111) Sobre a atitude do Corinthians / Americana de não mais querê-la, feliz ou infelizmente o clube foi coerente com o que ele (clube) pensa. Ele (clube) paga seus salários, e viu a jogadora em quem investe há quatro, cinco anos, simplesmente pegar a sua mala e ir passar duas semanas com a seleção brasileira. Se perdoasse, deixaria as outras duas atletas (Joice e Gil) em péssimos lençóis (como elas se sentiriam?) e mostraria à CBB uma fragilidade imensa. Se não aceitasse Clarissa de volta (como aconteceu), seria (como está sendo) massacrado pela opinião pública e ficaria longe da disputa do título da LBF, pois a sua melhor atleta sairia de cena. A situação chegou a tal ponto que qualquer solução seria extrema. A diretoria da equipe optou pela não continuidade da pivô. Não a culpo.

clarissa10O resultado da saída de Clarissa de Americana é o pior possível para todos os lados (e isso é mais um reflexo da falta de habilidade que há no basquete brasileiro para solucionar as crises). A atleta fica sem jogar profissionalmente a menos de 200 dias da Olimpíada. O clube, sem sua melhor jogadora para a LBF. A seleção, com uma peça importante correndo o risco de chegar sem ritmo de jogo ao Rio-2016.

Quem ganha nessa história toda? Ninguém. Realmente ninguém! Quem sabe em 2076 o esporte brasileiro aprenda a resolver os seus problemas nas trincheiras, onde as grandes (e necessárias) batalhas são vencidas.

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