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Bala na Cesta

No basquete feminino, a autofagia de um esporte que morre lentamente

Fábio Balassiano

20/01/2016 06h15

Autofagia: ato de o homem ou animal nutrir-se da própria carne.

autofagia1Não conheço melhor palavra para descrever o atual momento do basquete feminino. Quem acompanha este espaço tem visto desde dezembro uma confusão sem fim envolvendo os clubes da Liga de Basquete Feminino (com exceção do Sampaio Correa) e a Confederação.

Em resumo: foi criado um colegiado, que exigiu mudanças, mas a CBB deu de ombros, fingiu que não era com ela. Não abriu a porta para o (necessário) debate que o basquete brasileiro precisa fazer há tempos. Com isso, os clubes ficaram ainda mais revoltados, as atletas, coagidas (pelos dois lados!), pediram dispensa do evento-teste realizado no RJ no último fim de semana, a entidade máxima montou o time como deu (metade do Sampaio…) e até que a equipe não fez feio (perdeu de pouco da Austrália).

tribunal1Seria, já, um desfecho trágico para uma modalidade que vem morrendo aos poucos nos últimos anos como demonstram os pífios resultados internacionais recentes (entre a nona e a décima-primeira colocações nos Mundiais de 2010 e 2014 e as Olimpíadas de 2008 e 2012), uma LBF com seis clubes e o fechamento de inúmeros clubes Brasil afora. Mas o poço do basquete brasileiro é sempre mais fundo do que aquele que a gente imagina, né? Pois no final da noite de segunda-feira o STJD do basquete, com a anuência do presidente Carlos Nunes (céus!), decidiu chamar ao tribunal as atletas que pediram dispensa do evento-teste. O UOL fez uma reportagem explicando isso tudo, inclusive colocando o documento para quem quiser ver (foto ao lado). As jogadoras devem se apresentar ao STJD no Rio de Janeiro amanhã, coincidentemente mesma data que a Liga de Basquete Feminino volta a ter partidas (Americana recebe Presidente Venceslau no interior de São Paulo e o América, o Maranhão em Recife). Vamos lá:

stjd1) Primeira pergunta BEM básica: em que planeta estava o STJD ou a Confederação Brasileira de Basketball quando atletas da seleção masculina adulta pediram dispensa recentemente? Qual o motivo de apenas agora haver uma atitude assim tão drástica? Caso seja necessário, aqui vão alguns links de apoio para refrescar a memória (seletiva?) da turma da Avenida Rio Branco: aqui , aqui , aqui e aqui .

nunes22) O que o presidente Carlos Nunes tem na cabeça quando minimamente chancela esse tipo de atitude do STJD? Por mais que a entidade diga, em pífia Nota de Esclarecimento divulgada ontem, que não tenha relação com o fato (ou com o órgão), a gente sabe que ele poderia ter feito algo para evitar que esse mico de tamanho colossal acontecesse. Vale, aliás, relembrar a matéria de Lucio de Castro aqui no UOL contando a relação entre CBB e STJD. Nunes sempre foi conhecido por ser um homem político, um cara até certo ponto de diálogo, calmo, que tentava aparar as arestas. Pelo visto este lado também foi esquecido (por ele). Lembro de ter ouvido antes do evento-teste que a CBB não iria retaliar as atletas. Imagina se fosse retaliar, hein…

nunes33) Qual o objetivo deste tipo de ação? Minar ainda mais os clubes, que terão jogos na quinta-feira pela LBF? Será que a Confederação sabe que são estas seis equipes que ainda fazem com que o basquete feminino não esteja morto no país? Será que ela acredita que colocando as atletas no tribunal ela estará deixando as agremiações felizes? Não é possível que ninguém na CBB tenha o mínimo de noção para alertar os que apóiam este tipo de atitude que o que está sendo feito é um tiro no pé não dos clubes, mas sim da modalidade que a CBB, no final das contas, deveria defender com unhas e dentes.

molina34) Como ficarão os clubes com mais essa patada da Confederação Brasileira? Alguém acha que eles estão felizes? Recentemente disse a uma rádio que o resultado do que está acontecendo agora só poderá ser medido mesmo na segunda-feira depois das Olimpíadas de 2016, quando as atividades dos clubes voltarão ao normal. Pergunta cruel: quantos jogarão a próxima LBF? Passa pela cabeça de alguém da CBB que podemos ter, muito provavelmente, menos que seis times na próxima edição do campeonato profissional das meninas? Isso não é bom, né? Por maior que seja o exagero no pedido das equipes (e houve exageros, sim, não há dúvida!), são eles que fazem o dia a dia do esporte por aqui.

bcn14.1) Aliás, aqui cabe uma pergunta: alguém lembra como terminou a história do BCN, tradicional clube de São Paulo, na década de 90? Eu conto o motivo: foi exatamente por causas de brigas medonhas como a que estamos vendo agora envolvendo os dirigentes do time e o então presidente da Confederação (Grego). Um dos grandes formadores de atletas do país fechou as portas porque realmente se encheu de tamanho amadorismo e ninguém da entidade máxima percebia, à época, quão danosa seria a saída da equipe. Anos depois vemos, na quadra, o reflexo de uma briga que não terminou bem.

dri5) E as atletas, vão continuar caladas em relação ao que está ocorrendo? Sério mesmo que vão continuar sem falar nada? Em que momento irão se manifestar? Será que elas não percebem quão danosa para o esporte (delas) está sendo isso tudo? Há uma briga sobretudo de egos e poderes entre clubes e CBB, e elas estão no meio disso tudo sem fazer nada. Não valeria a pena se posicionar? Só vi a (tímida) voz de Adrianinha (foto) acerca deste problema aqui no UOL. E as demais? Magic Paula e eu falamos disso na segunda-feira no programa Dibradoras, da Rádio Central 3 (antes dos acontecimentos portanto). Ambos estamos espantados com a passividade. Vale ouvir clicando aqui.

5.1) Sobre a situação de Clarissa, que ontem recebeu a confirmação de que não mais defenderá o Corinthians / Americana, escreverei posteriormente, prometo.

nunes16) Recentemente, aliás, o Daniel Brito, aqui no UOL, divulgou que a Controladoria Geral da União (CGU) encontrou 37 irregularidades nas contas recentes da CBB e pediu que a entidade máxima do basquete brasileiro devolva uma grana aos cofres públicos (mais de R$ 74 mil). O que os atletas (não só do feminino, mas também do masculino) têm a dizer sobre isso? Nada? Continuarão posando para fotos animadamente com Carlos Nunes e Grego, dois dos presidentes que derrubam (moralmente, eticamente, tecnicamente, estrategicamente etc.) a modalidade há 20 anos, como fizeram no fim de semana aqui no Rio de Janeiro?

erika17) Continuarão, os atletas, apelando para clichês tenebrosos como "patriotismo" e "eu amo a seleção"? Érika e Clarissa disseram isso recentemente, não custa lembrar. Será que amar o seu país é defender a qualquer custo uma entidade que está endividada até a alma e investigada até a última ponta do cabelo? Incluo, neste ponto de cobrar melhor gestão da CBB, também os rapazes (principalmente os da NBA), que isso fique claro. Será que não seria, para usar um termo que eles (jogadores e jogadoras) adoram, patriota pedir que a Confederação faça o que se espera dela, ou seja, planejamento, massificação e organização da modalidade? Ou estão todos satisfeitos e felizes com os rumos do basquete brasileiro nos últimos 20, 30 anos?

grego1Enquanto clubes, CBB e atletas não se entendem, o basquete feminino brasileiro vai afundando, vai morrendo aos poucos (se é que já não morreu…).

Em 2016 fará 20 anos da medalha de prata olímpica em Atlanta. Do jeito que as coisas andam por aqui, viveremos apenas para recordar as glórias do passado. No esporte das meninas, a tragédia é grega, nunesca, vanderlesca e tudo mais. Perde o esporte brasileiro. Perde quem gosta (ou gostava) do basquete feminino brasileiro.

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