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Bala na Cesta

Personagens do Basquete Brasileiro: Hélio Rubens Garcia

Fábio Balassiano

09/09/2015 01h43

helio6Casado com Maria Helena. Pai de Helinho, Ana Beatriz e a Ana Helena (casada com o Dedé, hoje em Rio Claro). Avô de Maitê, Luma e Benício, de 2 anos e que já arremessa em todos os lugares da casa. Hélio Rubens Garcia, 75 anos recém-completados em 2 de setembro, dispensa apresentações. Campeão como jogador do Franca Basquete e técnico por onde passou (Franca, Vasco da Gama e Uberlândia, além da seleção brasileira), ele é um dos "Personagens do Basquete Brasileiro". Confira a entrevista completa com ele!

BNC: A gente hoje conhece as suas conquistas, mas queria voltar bem lá atrás. Como você chegou a uma quadra de basquete? Queria entender o começo, bem o início mesmo…
HÉLIO RUBENS: Sou nascido e criado em Franca. Tive o privilégio de, no Colégio Estado de São Paulo em que estudava, ter conhecido o Professor Pedroca. Ele era o Professor de Educação Física da minha escola. Pedroca foi indicado por um amigo dele e veio de São Paulo para ser professor em Franca. Era um visionário. Nas aulas de educação física ele fazia o que se faz nos Estados Unidos, por exemplo. Mostrava os princípios básicos de todos os esportes e depois perguntava pra molecada qual modalidade cada um gostaria de seguir. Ou seja: eram clubes desportivos dentro da escola. Isso se estendeu a Franca, e o campeonato colegial era incrivelmente forte. Nessa época, ali pelos anos 30, 40, em Franca já se jogava basquete. Meu pai, o Chico Cachoeira, fazia parte do time da cidade e perguntava a ele: "Papai, como você jogava se não tinha nem quadra?". E ele me respondia: "Nós construímos uma quadra onde fica a agência do Banco do Brasil hoje. Todos do time ajudaram a construir. Levantávamos às 4h da manhã, pegávamos em pás, enxadas e tijolos para fazer com que nosso sonho desse certo". A cidade de Franca respira basquete há quase um século, portanto. Ter jogado basquete foi quase que natural por aqui então.

helio7BNC: Como foi a sua passagem do colégio para o time de basquete da cidade?
HÉLIO RUBENS: Olha, quando nasci eu jogava futebol no time do meu bairro (o bairro da Saúde). Meu pai é que deu o nome do bairro, sabia? Comecei a jogar futebol na várzea, nos campeonatos amadores, essas coisas. Aí a Francana, time de futebol da cidade, um dia me puxou para jogar e fazer amistosos contra os times da capital que vinham para o interior fazer partidas. Jogava bem, marcava muito, cabeceava legal e tinha uma condição física anormal. Treinava, corria, pulava e nem água tomava. Meus colegas às vezes pediam para eu diminuir o ritmo, é mole? Jogava de volante, zagueiro, lateral, tudo. Joguei contra Flamengo, Corinthians e São Paulo. Isso eu tinha 18 anos, foi em 1959, por aí. O São Paulo queria me levar para o time, sabia? Teve um lance engraçado também. Neste mesmo ano fomos jogar contra o Atlético-MG e eu já tinha o convite do São Paulo. Um colega de time me chamou no canto e disse: "Você já tem uma proposta, vai jogar aí contra o Atlético. E se você se machucar? Pede uma garantia para o presidente". Gostei da ideia e fui lá falar com o Seu Angelo, presidente da Francana. Angelo me disse que não podia me dar garantia de nada. Não só não me deu garantia como contratou um cara pra jogar no meu lugar com medo de eu não jogar bem com medo de me machucar. Ou seja: não tive garantia e não joguei contra o Atlético. Saí de lá chateado, chorava feito uma criança. Minha mãe me consolava e dizia: "Filho, não fica triste. Vai pro basquete, lá o ambiente é melhor". Foi no ano que ela faleceu, mas o conselho valeu a pena e fui pro basquete.

helio2BNC: Então foi por causa de uma partida não jogada no futebol que você foi de vez para o basquete, é?
HÉLIO RUBENS: Olha, já jogava basquete, mas estava na dúvida para qual esporte ia derivar a minha carreira. Naquele ano, de 1959, decidi que iria para o basquete mesmo. Depois continuei jogando futebol amador, mas aí fui me dedicar mesmo ao basquete. Continuei com o Professor Pedroca e em pouco tempo comecei a ser convocado para a seleção brasileira. Em âmbito nacional, a história de Franca começou a ser escrita mesmo nesta época.

helio5BNC: Tá. Aí deixa eu dizer uma coisa pro senhor que me incomoda um pouco. Sei que sua humildade não lhe permite fazer, mas quando o senhor diz que a história de Franca foi escrita pelo Professor Pedroca não é verdade, não. O primeiro jogador de Franca a ser convocado pela seleção foi o senhor. No mínimo há uma dupla participação aí…
HÉLIO RUBENS: Ah, não. Eu era partícipe de uma engrenagem apenas. Naquela época não tinha campeonato estadual, nacional, essas coisas. Eram regionais no máximo. Fomos jogar um campeonato contra o XV de Piracicaba, São Carlos e São José. Só timaço. Wlamir, Rosa Branca, Edvar, só craque. E eu lembro que conversava com as pessoas na cidade dizendo que teríamos chances de ser campeões. E todo mundo duvidava. Isso em 1963. Wlamir era campeão mundial, veja só você. E na época o Pedroca já falava em "não deixa pensar", "marca a linha do passe" e "pressione o oponente com a bola", conceitos que se fazem modernos até hoje. Lembro que falei da minha confiança na conquista do título com o Sr. Juca, dono do cartório de Franca, que disse que eu estava maluco ao achar que poderíamos ganhar daqueles timaços. Se ganhasse ele me daria uma moto. Fomos jogar em São José dos Campos. Ganhamos e levei a moto.

helio2BNC: Foi nesta época que veio a sua primeira convocação, né?
HÉLIO RUBENS: Foi, foi sim. Em 1967. Só que naquela época você não imagina a dificuldade. Hoje a informação é fácil. Antes tínhamos campeonato do interior e da capital. E ninguém olhava para o interior. Na época eu tinha 26 anos de idade e a seleção brasileira passava por um processo de renovação depois dos títulos mundiais de 1959 e 1963. Qual era, portanto, a justificativa para me chamarem? Nenhuma, aparentemente. Mas a Confederação sabia que Franca estava começando um trabalho legal e ligou para o time. Perguntou quem era o melhor do time e disse que estaria convocado para o período de treinos com o Professor Kanela. Assim que fui convocado. Era mais um estímulo ao time da cidade mesmo. Fui pro período de treinos. E logo o Kanela, técnico, disse: "Aqui são 35 convocados. Tem gente jovem, campeões do mundo, mas comigo não interessa. Vão ficar os 12 melhores independente de qualquer coisa nestes dois meses de treinamento". Ali me inflamei e comecei a marcar e treinar loucamente. Vinha campeão do mundo e eu parecia um carrapato. Não tinha nenhuma chance de pontuarem em cima de mim. No ataque fui influenciado no meu arremesso pelo Pecente, que jogava em Piracibaba. Só que por ser muito bom fisicamente arremessava com as duas mãos e lá do alto. Isso impressionou a todos da seleção, porque marcava bem e ainda arremessava de um jeito diferente.

helio1BNC: A lista foi diminuindo, as chances aumentando, mas você acreditava que ia ficar entre os 12?
HÉLIO RUBENS: Acreditava, acreditava sim. Eu percebia que aqueles conceitos que estava colocando em prática os outros não conheciam. Era algo que praticava no clube e os outros não acompanhavam. Levava vantagem, portanto. Marcava todo mundo. E eram craques do nosso basquete, hein. Quando éramos em 15 começamos a fazer amistosos. Fomos jogar no ginásio do Corinthians, em São Paulo, contra a Polônia, na época um timão. Fui o cestinha, fiz 20 pontos, e o Kanela me chamou de canto e disse: "Helinho, aquele cara ali é o melhor jogador do time deles. Você vai marcá-lo". Só faltava colar no rival. O cara não pegava na bola. Foi assim que fiquei entre os 12.

helio1BNC: Assim, aos 26 anos, começava a sua história na seleção brasileira…
HÉLIO RUBENS: Isso mesmo. Aos 26 anos e fomos bronze no Mundial do Uruguai em 1967. Aos 29 já era não só parte integrante mas também capitão da seleção brasileira de basquete. Fomos prata no Mundial de 1970 na Iugoslávia. A geração bicampeã do mundo foi saindo de cena e entrando a minha com Marquinhos, Sérgio Macarrão, Adilson e ainda o Ubiratan. Em Belgrado, em 1970, fiquei na seleção ideal da competição. Coisa maravilhosa. Meu primeiro título foi em 1971 contra Cuba na final do Pan-Americano. Bati os dois lances-livres que deram o título ao Brasil naquela vitória de 63×62. Disputei quatro Mundiais, duas Olimpíadas, cinco Pan-americanos. Minha maior decepção pela seleção brasileira foi não ter jogado a Olimpíada de 1976 em Montreal. Perdemos no Pré-Olímpico acho que do México já em Montreal e não nos classificamos. Nós pegamos o vôo para retornar ao Brasil e no aeroporto a gente via as delegações chegando para os Jogos Olímpicos. Foi uma baita decepção para mim. Dois anos depois, porém, estava no time que ganhou o bronze no Mundial das Filipinas em 1978 naquela cesta do Marcel do meio da rua. Me orgulho muito da minha carreira como atleta e de ter sido escolhido entre os 1.000 maiores atletas do século passado. Sem a orientação adequada, porém, não teria conseguido nada.

pedrocao1BNC: E como foi ter vivido de basquete em um momento do esporte praticamente amador?
HÉLIO RUBENS: Praticamente, não. Hoje é tudo profissional, organizado. Mas quando joguei eu ganhava é nada. Ganhei salário depois como técnico, professor de educação física e representante de produtos químicos. Dava aula em Batatais (interior de São Paulo), Uberlândia e voltava para treinar no fim do dia. Outros tempos, sem dúvida alguma. Hoje é dedicação total, exclusiva ao esporte. Gosto sempre de citar uma frase de Jesus Cristo: "O que eu faço qualquer um pode fazer – e muito mais". O que isso quer dizer? Nós, seres humanos, é que nos limitamos, mas somos ilimitados. É preciso querer sempre mais, buscar sempre evoluir. Seja no esporte como atleta ou técnico, seja em outro ramo de atuação.

pedrocaBNC: E como foi conviver com o Pedroca por tanto tempo?
HÉLIO RUBENS: Pedroca ofereceu um legado ao basquete brasileiro por ter apresentado conceitos do que seria o jogo muito tempo antes daquelas tendências de fato se realizarem. Marcávamos pressionando a saída de bola muito antes de essa tendência chegar aqui. Como treinávamos muito, tínhamos preparo físico invejável e tudo muito sincronizado. Saía cesta, pressionávamos a saída de bola do adversário na quadra toda. Era bonito de ver. E assim fomos ganhando jogos e títulos importantes para a cidade de Franca.

BNC: Uma dúvida: como o Pedroca, sendo um professor de educação física, teve tanta antevisão de fatos do jogo que são atuais até hoje? De onde veio isso?
HÉLIO RUBENS: Eu não sei te explicar, não. Só sei que ele era um visionário. Aqui ele além de um grande técnico era uma figura muito querida. Ele comprou uma Kombi para levar o time todo para os jogos. Do dinheiro dele. Não ganhava dinheiro algum, é mole? Era amor, vontade de fazer mesmo. Cada um do time tinha sua profissão. Eu mesmo. Me sacrifiquei loucamente para me manter jogando. Saía de madrugada para dar aula em Uberlândia, dava aula até 11h e depois voltava para treinar à tarde aqui em Franca. A cidade foi se contagiando, outros colégios foram gostando da ideia. Mas é difícil fazer basquete. Não é fácil, não. A experiência me mostra que de 200 jogadores das categorias de base você tira apenas um de alto nível. Não é fácil, não. Franca, por exemplo, com toda essa tradição não tem 30 de alto nível – top, top mesmo. Ao mesmo tempo, aqui em Franca temos promotores, juízes, médicos e outros profissionais de alto nível que falam da importância do basquete em suas formações. Essa foi a importância do Professor Pedroca na cidade. Foi além do basquete.

helio2BNC: De cinco, dez anos pra cá qual a grande diferença do jogo, na sua opinião?
HÉLIO RUBENS: A velocidade está revolucionando tudo. Tudo está sendo feito cada vez mais rápido e com a mesma eficiência. Os aspectos psicológicos também (união, superação, amizade etc.) também influenciam muito na construção das grandes equipes. Mais do que isso, consigo ver que as grandes nações usam o esporte como método transformador, algo que sempre falei como sendo fundamental para o nosso país. Sempre disse que a partir do momento que o governo brasileiro decretasse obrigatória a prática de esportes nas escolas a gente naturalmente seria uma potência esportiva mundial em todas as modalidades. Todas. Não tenho a menor dúvida disso. É o que acontece com os Estados Unidos, né? Não conheço um pai de família norte-americano que não tenha praticado esporte. É o aspecto educacional, formativo do esporte. O mundo está mostrando isso. O Brasil, porém, ainda está engatinhando nisso. Quando fizemos esporte nas escolas viraremos uma potência em todos os aspectos.

helio11BNC: Como foi a transição para ser técnico? Imagino que algo totalmente natural…
HÉLIO RUBENS: Foi, foi sim. Em 1979, já com quase 40 anos, o Pedroca começou a ter problemas de saúde. E me disse para assumir o time. Ainda argumentei que estava jogando bem e que seria precoce, mas não teve muito jeito. Com 39 anos eu fui o melhor jogador da Taça Brasil, é mole? Fui técnico e jogador por um ano e meio. Ali com 43 anos é que fui virar técnico, técnico mesmo. Em Franca.

BNC: Vou contar uma coisa ao senhor. Lembro que quando comecei a gostar e ver basquete um conhecido meu me disse: "Você quer aprender basquete, né? Então vamos ver os treinos do Vasco porque aquilo ali é basquete". E eu ia ver os treinos do senhor no Vasco e ficava maravilhado. Ficava ali em São Januário meio escondido, só olhando, anotando, observando…
HÉLIO RUBENS: Eu aprendi com o Pedroca e meu pai que o respeito, a disciplina e a convivência em grupo faziam o grupo evoluir. Falava com meus atletas que o lema tinha que ser: "A cobrança é meu maior elogio". E falava isso com aquele time do Vasco, que era muito bom. Eu elogiava, mas cobrava muito. A repetição é a mãe da perfeição. Repetíamos, repetíamos, repetíamos até acertar. Aquele time era muito bom e bolava algumas coisas diferentes. Foram várias e várias atividades que se assemelhavam ao dia a dia de jogo. Os caras treinavam como se fosse jogo. E assim evoluíam quase que naturalmente. Aquele time do Vasco tinha muita amizade fora da quadra também. Foi um período lindo da minha vida.

hr1BNC: Você fala muito em educação, respeito, disciplina, e seu trabalho é o de um professor mesmo, de ensinar, passar. Vencer acaba sendo consequência disso tudo, né?
HÉLIO RUBENS: A coisa que mais me orgulha na minha carreira como técnico é que 99% dos jogadores no final da temporada chegam para mim agradecendo e dizem que terminaram o campeonato melhor do que começaram. Isso me enche de alegria. Todo técnico na verdade é um grande educador, alguém que quer fazer com que seu atleta evolua, melhore, seja um pouco mais forte a cada dia. O esporte nos mostra conceitos de vida. Este é o maior prêmio que eu tenho na minha carreira. Este reconhecimento.

helio20BNC: Tem uma passagem engraçada que é logo no começo da sua carreira de técnico ter treinado, na seleção brasileira, muitos dos atletas que o senhor conviveu como jogador. Como foi isso?
HÉLIO RUBENS: Não foi fácil, porque Oscar e Marcel, por exemplo, tinham conceitos de jogo muito diferentes daquilo que eu aprendi em toda minha vida com o Pedroca. Fomos bem no Mundial de 1990, com o quinto lugar, mas lamentavelmente na minha segunda passagem, ali no Mundial de 2002, eu não me dei bem com o presidente da Confederação Brasileira, o Grego, e saí. Pouca gente lembra, mas naquele Mundial de 2002 em Indianápolis eu levei 7 jogadores com menos de 20 anos. Ficamos entre os oito primeiros, todo mundo falava que éramos o time do futuro, mas percebi que o Grego não estava muito satisfeito. Só não falava pra mim, mas aquilo ia chegando. Aí falei: "Sabe de uma coisa? Eu não ganho nada com isso, faço por amor e só me machuca. Vou cair fora". E pedi para sair. Avisei ao Lula e ao Flávio, que eram assistentes. Fiz o relatório direitinho e pedi para sair. Foi minha última passagem pela seleção brasileira. Eles (Lula e Flávio Davis) disseram que sairiam se eu pedisse para sair. Eles continuaram, mas me dou bem com todos eles (risos).

helio15BNC: Nessa época, de 2002, o senhor renovou a seleção. Todo mundo falava que era um time para o futuro, e está aí até hoje. O senhor se arrepende de ter pedido demissão da seleção naquela época?
HÉLIO RUBENS: Não, não me arrependo. Todos os jogadores me encontram e dizem que não estariam onde estão hoje se não fosse aquele Mundial na seleção brasileira. Mas eu briguei com quem mandava no basquete e não tinha como ficar mesmo. Paciência. Lamentei muito, mas era um funcionário. Tiago Splitter, hoje campeão da NBA, tinha 17 anos e eu coloquei como titular. Titular de seleção brasileira em um Mundial. Muita gente saiu daquele Mundial para ir depois para a NBA.

bra2BNC: Como o senhor olha a seleção brasileira hoje, o que o senhor sente?
HÉLIO RUBENS: Acho que o Magnano faz um bom trabalho (Nota do Editor: A entrevista foi feita em Fevereiro/2015). Fiquei frustrado na Copa do Mundo da Espanha porque achei que o time poderia ter ido melhor. Aprendi na minha vida a importância do controle emocional. Todos nós podemos ter descarga emocional. Por causa de coisas boas e coisas ruins. Foi o que aconteceu, na minha opinião, depois do Brasil ter vencido da Argentina nas oitavas-de-final. O time chegou para jogar contra a Sérvia nas quartas-de-final, um jogo que levaria para a medalha, afetado mentalmente. Tinha ganho do mesmo time dando uma lavada na primeira fase. O que aconteceu para ter perdido daquele jeito uma semana depois? Eram os mesmos times, né? Descarga emocional. Não tinha outra explicação. Este tipo de coisa, de controlar o jogador, eu não sei se os técnicos de hoje em dia têm. E isso faz a diferença na hora de ir para uma medalha, ir para uma fase mais aguada da competição.

helinhoBNC: Você acha que seu filho, o Helinho, sofreu muito por ser seu filho?
HÉLIO RUBENS: Sim, sofreu muito. Muita gente colocava em dúvida o que ele fazia em quadra por achar que ele era meu filho. Nunca teve nada disso, e ele acabou lidando com tudo isso de maneira muito mais tranquila que eu até. Sem medo de errar eu posso dizer que tenho um orgulho danado de ter tido um atleta como ele ao meu lado. Independente da paternidade, hein. O Helinho sempre foi muito disciplinado, correto e dedicado. Não tenho dúvida alguma que na sua carreira depois de parar de jogar ele também terá sucesso.

heliovascoBNC: Em Franca foi de 1980 até 1998, quando você foi para o Vasco. Como foi este convite do Vasco?
HÉLIO RUBENS: Ah, essa foi muito engraçada. Em 1998 tínhamos ganho de um timaço do Vasco na final do Nacional. Aí o Vasco veio, não teve dúvida e levou Helinho, Rogério e o Vargas, os três principais jogadores que eu tinha. Havíamos ganho o Nacional dentro do Maracanazinho e os caras tiraram os três melhores jogadores de Franca. Perdemos os três jogadores e logo em seguida teve a Copa das Américas da Venezuela. Adivinha: Vasco x Franca na final. E ganhamos do Vasco, mesmo com Rogério, Helinho e Vargas do lado deles. Isso foi em outubro de 1998. O pessoal do Vasco ficou doido da vida. Uma vez fui visitar o Helinho lá no Rio de Janeiro e ele disse: "Papai, o Eurico Miranda quer conversar com o senhor". Fomos jantar, estava sentado e do meu lado estava meu irmão, o Fransergio. Fransergio que dizia pra mim: "Eurico levou o time todo, perdeu e agora quer levar o técnico". Na época o Vasco tinha muito dinheiro do Bank of America e o Eurico me fez uma proposta muito forte. Além de ser técnico eu seria Coordenador dos Esportes Olímpicos do clube. Na época os salários de técnicos no Brasil eram baixos, muito diferente do que é hoje. Eles me fizeram uma proposta mais alta do que eu recebia em Franca, mas meu irmão logo se meteu e disse: "O Hélio pra vir ele não pode ganhar menos do que qualquer jogador do time". E ele sabia que os jogadores do Vasco ganhavam muito bem. Nessa hora minha perna começou a tremer, porque os valores já estavam muito altos na mesa (risos). E aí o Fransergio deu uma tacada certeira: "Por menos que XXX ele não pode vir pra cá e nem tem conversa". O valor era absurdo de bom, e eu achei que não ia mais acontecer. Saímos, fomos embora e uma semana depois o Fernando Lima, Diretor do Clube, ligou para dizer que não podia chegar ao valor que meu irmão falou, só a 60% dele. E aí eu falei: "Fernando, eu tinha pensado em um pouco mais. Abre a mão em um pouco, eu também e vamos fechar". E aí começou minha história no Vasco. Na época eu nunca tinha ganho tanta grana. Maria Helena não acreditava. Fomos morar de frente pro mar na Barra da Tijuca, uma coisa maravilhosa.

vasco2BNC: No Vasco você era tudo então…
HÉLIO RUBENS: Acordava 4h30 da manhã para ter reunião na Sede Náutica com os remadores. Não tinha descanso. No futebol eu também me metia porque tinha liberdade do Eurico para isso. Lopes, Joel Santana, Evaristo de Macedo. Oswaldo de Oliveira, todos eles eu tive boa interface. Tinha vezes que chegava no futebol e via aquele treino mole de dois toques, aquela coisa. Ficava louco. E chamava o técnico para perguntar: "Isso aí vai acontecer no jogo? Eu duvido. Se não vai, melhor não treinar". E eles mudavam o treino. Cheguei a dar treino de cruzamento de lateral para atacante, é mole? Teve uma vez que o Marcelinho Carioca mesmo veio me agradecer e disse: "Depois do que o senhor fez aqui técnico nenhum precisa abrir a boca". Romário adorava porque os laterais davam bola pra ele passando cada vez melhor. Passou a me levar pra churrascaria, me fazia festa. Ele era um virtuoso e treinava muita finalização. Não errava uma.

vascoBNC: Além da coordenação na quadra ganhou tudo…
HÉLIO RUBENS: Muitos torcedores do Vasco me encontram e até hoje dizem que sentem um orgulho danado daquela equipe. Ganhamos realmente tudo – e ganhávamos bastante do Flamengo também. Cheguei lá em 2000 e precisei implantar um regime de disciplina pesado. Rio de Janeiro, você sabe bem como é aquilo lá. De onde todo mundo morava o ginásio onde a gente treinava era longe. Logo no primeiro dia o Vargas e outros dois chegaram atrasado. E como se nada tivesse acontecido. Aquilo ali me subiu. Primeiro dia. Já reuni o grupo e falei: "Olha, nosso trabalho aqui é de dedicação e disciplina. O primeiro item da disciplina é o cumprimento de horário. Por qualquer motivo, se achar que não vai dar pra chegar é só dar meia volta porque não vai treinar. Dois minutos, cinco minutos, não interessa. Não vai treinar". Nunca mais ninguém chegou atrasado. Os caras perceberam como iria ser. A gente discutia, discutia muito. Lembro que uma vez com o Charles Byrd a gente discutiu que eu achei que a gente ia sair na mão. A intenção, porém, era a melhor possível – evoluir e vencer. Tratava cada um ali de maneira distinta, conhecendo as raízes de cada um. Todos eles me têm como família até hoje. O problema do Vasco foi financeiro. Ali em 2003 quase não tinha mais time. Mas fiquei até o final. Até hoje o Vasco me deve dinheiro e fui um dos únicos a não ter entrado na Justiça, sabia?

nene1BNC: Neste período do Vasco teve o Nenê, né?
HÉLIO RUBENS: Olha, foi um menino que chegou e foi tratado igualzinho aos outros. Só que no meio disso tudo teve a NBA chegando. Foi engraçado que um dia no treino vieram os caras da NBA para tirar as medidas dele. Só na medida da mão os caras falaram: "Não vamos ver ele treinar, não. Com essa mão aí já está no Draft". Aí ele saiu antes de terminar a temporada. Faltavam dois meses. Não tinha como dizer não. Sonho da vida dele. Até hoje mantemos contato. Uma vez ele veio a Franca, chegou em um carro blindado do nada. Fomos jantar e ele muito simpático. Temos uma relação excelente e gosto muito dele. Como os outros atletas, é um filho para mim também.

helioBNC: Depois do Vasco o senhor foi para Uberlândia, onde também ganhou absolutamente tudo. Campeão nacional em 2004, Sul-Americano, Mineiro. E com outro dirigente polêmico também, o Wellington Salgado…
HÉLIO RUBENS: Polêmico, polêmico. Fomos recebidos pelo Aécio Neves, então governador do Estado, e ele disse para o Wellington na frente de todo mundo: "Este time ganhou tudo o que o Estado de Minas nunca tinha ganho. Olha lá, não dispensa este moço (apontando para mim) de jeito nenhum". Foi um período muito legal. Uma cidade que tenho muito carinho. Foi lá que comecei a dar aula lá atrás, 30, 40 anos antes. Quando saí de Uberlândia a cidade clamava minha volta.

BNC: Tem uma coisa que chama a atenção também é que, tal qual acontece no basquete universitário americano, o senhor criou muitos pupilos. Hoje em dia temos Demétrius, Chuí, Guerrinha mesmo. Quando o senhor olha essa galera que o senhor formou seguindo seus passos qual é a sensação?
HÉLIO RUBENS: Isso me gratifica, porque mostra que eu deixei boas sementes. Criei um clima bom e eles corresponderam. Mérito todo deles. Todinho mesmo. Não fiz nada mais que minha obrigação. Eu sentia que precisava transmitir conhecimento para os outros.

dexterBNC: Teve algum jogador que te marcou? O Dexter, por exemplo?
HÉLIO RUBENS: Ele é um. Marcou muito, sim. O Dexter chegou a Franca e deixou todo mundo maluco – para o bem e para o mal. Fazia 25, 30 pontos por jogo com facilidade. Antes das partidas, no aquecimento, me falava: "Aquele ali que vai me marcar?". Quando dizia que sim, ele logo respondia: "Fique tranquilo, então. Já ganhamos o jogo". E ganhávamos fácil mesmo. Ele era fogo. Controlá-lo fora da quadra é que não era fácil. Outro gringo fantástico que tivemos foi o Tato Lopez, do Uruguai. Ganhamos tudo com ele. Jogador esplêndido, coração enorme, uma raça impressionante. Nervoso pra caramba, mas me dizia: "Você trabalha. Por isso que eu te respeito". Os que conviveram mais tempo comigo cultivamos um amor de pai para filho e ficam muito também – Rogério, Demétrius, Helinho, todos eles.

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