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Bala na Cesta

A intrigante 'anestesia' do basquete feminino brasileiro

Fábio Balassiano

23/04/2015 08h00

trevasTalvez porque a primeira partida da final da LBF envolvendo América-PE e Americana tenha sido de baixíssimo nível (mais aqui) desde sábado passado tenho pensado bastante sobre o basquete feminino brasileiro. Tento encontrar motivos para ver fatos positivos sobre a modalidade das meninas, mas têm sido bem difícil nos últimos anos. E a constatação, óbvia e triste, é: não há qualquer perspectiva de mudança no curto prazo.

Há cerca de três anos fiz, aqui neste espaço, um imenso Raio-X do Basquete Feminino, dividindo as responsabilidades, os papéis e apontando algumas sugestões de melhoria para o esporte que conquistou um título mundial e duas medalhas olímpicas há 20 anos (não é tanto tempo assim). O que mudou de lá pra cá: pouco, muito pouco (ou quase nada para ser mais sincero). Hortência, que por mais erros que fizesse à frente da CBB ao menos tentava, saiu da Confederação, foi para a Liga Feminina de Basquete, a LBF melhorou um pouco, mas sabemos que o buraco está muito mais embaixo.

nunes2E embaixo, no caso, é a base da pirâmide mesmo. Americana, cujo trabalho era elogiado por todos, recentemente fechou as portas de seus times de base (mais aqui), colocando mais um triste capítulo no já imenso livro que contém encerramentos de equipes país afora. A Confederação, inacreditavelmente, se cala, fica muda. Acha que está tudo bem e que não tem que se meter em nada disso. "Somos soberanos no continente", devem pensar na Avenida Rio Branco. Com dívidas cada vez maiores (em breve o balanço de 2014 será dissecado neste blog), o presidente Carlos Nunes (à esquerda) investe cada vez menos (inclusive tempo) nas meninas e pouco é cobrado por isso (o pouco "barulho" da imprensa neste sentido também é chocante e revelador). O que tinha que ser feito com os títulos e glórias da geração de Paula, Hortência e Janeth já era, já foi, já se perdeu. Se o presente é ruim, o futuro será ainda pior. E não precisa ser nenhum gênio para prever isso. É só ver uma partida, a falta de jovens surgindo, fundamentos mal lapidados e as veteranas dando as cartas há anos sem serem incomodadas pelas novas gerações.

lbf1Não obstante isso, me choca demais ver a falta de senso crítico e a passividade das atuais jogadoras da elite do basquete feminino (jogadoras que, em alguns casos, não cuidam nem do básico – de suas formas físicas). As meninas que poderiam (deveriam!) exigir melhores condições de trabalho, campeonatos mais longos e melhores preparações para os campeonatos com a seleção simplesmente se calam, aceitando o que lhes é imposto e se satisfazendo com diminutas vitórias em terreno nacional. Satisfação que se transforma em tristeza quando chegam o Mundial Adulto ou a Olimpíada (abaixo), onde as deficiências técnicas, táticas e organizacionais da modalidade ficam escancaradas. Se isso não fosse o basquete, nas redes sociais é raro ver uma imagem de basquete, do jogo, de evolução nos treinamentos. São palhaçadas infantilóides e fotos com rivais vencidas ou derrotadas minutos antes.

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erika4Pode parecer piegas, mas não dá para se acostumar com isso em um esporte profissional, exigente até dizer chega e que prevê alta performance (não nos esqueçamos que o técnico da seleção concilia seu cargo com uma equipe masculina e viu pouquíssimas partidas da LBF nas últimas duas temporadas). E sabemos: esporte de alto rendimento pressupõe cobrança (de fora e a auto-cobrança – esta principalmente), evolução, planejamento, organização e respeito ao jogo. Se uma dessas alavancas está fora do lugar, o carro não anda.

nunes2E tudo isso tem faltado no basquete feminino, anestesiado há mais de 20 anos, sem sair do lugar neste país imenso e com oportunidade de capturar meninas e times a cada esquina. Pior do que a falta de perspectiva (se é que algo pode ser pior que isso) é a falta de discussão sobre o tema, a vontade de querer ver algo diferente. O primeiro passo para sair do lugar é justamente reconhecer um problema, não? Se está assim, na lama (e ninguém duvida disso), por que a Confederação/LBF não junta em uma sala dirigentes, atletas, imprensa, técnicos e amantes da modalidade para discutir a modalidade, traçando ao final do evento um plano de ação?

anestesiaNada disso é feito, porém. A conta já chegou, e é vista nas quadras. Ginásios vazios, nível técnico paupérrimo e clubes fechando as portas sem cerimônia. Foi o caminho escolhido, e não há surpresa com o resultado do "produto" basquete feminino. A pergunta que faço há tempos se mantém: quem salvará a modalidade? Ou vão deixá-la afundar de vez?

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.