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Bala na Cesta

As razões táticas da derrota brasileira no Mundial

Fábio Balassiano

11/09/2014 09h10

bra1Mais cedo eu falei aqui que os motivos da derrota brasileira para a Sérvia não foram psicológicos, mas sim táticos (e técnicos, pode-se dizer também). Mas que motivos foram esses? Vamos lá:

1) No primeiro jogo entre os dois países, ainda na fase de classificação, Marquinhos fez 21 pontos (dez no último período), mas o que maltratou mesmo a defesa da Sérvia foi o jogo de pivôs do Brasil. Splitter + Nenê + Varejão tiveram 21 dos 81 pontos da seleção (e com altíssimo percentual de conversão no arremesso). Mais do que isso: mais fortes fisicamente, os brasileiros alucinaram os sérvios com um jogo pesado que provocou muitas faltas. Bircevic teve cinco em nove minutos. Raduljica, 4 em 25. Além disso, Splitter deu 6 assistências. Alguma coisa precisaria ser feita pelo técnico Sasha Djordjevic se ele quisesse vencer a partida das quartas-de-final. E ele fez.

bra102) Em primeiro lugar, Djordjevic (exímio ex-jogador – craque, craque mesmo!) não partiu para o choque contra a dupla de pivôs brasileira. Foi inteligente. Sacou um pivô do quinteto titular para jogar com Raduljica e quatro alas/armadores em volta dele. Para não deixar o jogador do Bucks solto no garrafão contra Varejão e Splitter, foi simples em sua tática: convergiu os outros quatro outros atletas (todos altos e fortíssimos) para perto de Raduljica toda vez que os armadores brasileiros pensavam em acionar os gigantes. Com isso, "exigiu" que os jogadores de perímetro do Brasil jogassem (algo que eu já havia previsto que aconteceria ontem mesmo).

3) Outra medida do técnico sérvio: impedir que a transição ofensiva brasileira fosse efetiva. Caso não conseguisse armar a defesa antes de o Brasil iniciar suas ações no ataque, a ordem era parar o time de Magnano com falta. Foi o que aconteceu. Os pivôs não ficaram carregados em falta, seus "baixinhos" é que tiveram problemas com isso, mas os alas e armadores brasileiros não tiveram espaço para ir bem (apenas 35 pontos contra 65 dos mesmos destas posições do rival) e os contra-ataques praticamente inexistiram (apenas 10 pontos). No ataque armado, péssimo aproveitamento (nos arremessos de quadra, 30%). Mérito, total, da estratégia defensiva de Djordjevic, que tratou de fazer do segundo jogo contra o Brasil um embate completamente diferente daquele da semana passada. Se a seleção brasileira quisesse vencer, portanto, ela teria que igualar a intensidade defensiva sérvia para ter alguma chance. No ataque, liberdade não haveria. Nenhuma.

bra64) O lado teórico do ex-armador não teria tido tanto sucesso, obviamente, se a mão de Milos Teodosic não estivesse tão calibrada assim. O camisa 4 da Sérvia esteve em uma tarde inspirada (23 pontos e 4 assistências), mas foi pouco incomodado pela defesa brasileira (que nunca esteve tão mal neste Mundial como nesta quarta-feira). Teodosic, craque de bola, conseguiu arremessar com liberdade (3/5 de fora) e, também graças a outro ajuste de Djordjevic, sempre via o garrafão livre para infiltrações fáceis (os pivôs sérvios sempre fizeram "questão" de tirar os brasileiros de perto da cesta.

Ou seja: pensando em não repetir o que viu no primeiro duelo contra o Brasil na primeira fase, o técnico da Sérvia fez quatro ajustes fundamentais: mudou a escalação, impediu que seu principal pivô (Raduljica) fosse alvo fácil dos gigantes brasileiros, tentou (com sucesso) abrir o garrafão brasileiro tirando seus homens de perto da cesta e tratou de travar os contra-ataques do time de Magnano. Na defesa, seu time ganhou em intensidade e velocidade para reduzir a força do Brasil (cujo ataque nem é dos melhores assim, sabemos). No ataque, em fluidez para furar a grande arma do rival (a forte defesa).

ruben1Se os brasileiros não estivessem preparados, a chance de derrapar em uma partida eliminatória (caminho sem volta, portanto) seria imensa tantas foram as peças do tabuleiro de xadrez que Djordjevic mexeu de uma semana para a outra (isso não é fácil e denota uma imensa coragem e um estoque absurdo de informação sobre o rival).

E qual foi o ajuste que o Brasil fez para enfrentar a Sérvia em um jogo eliminatório de quartas-de-final? Nenhum, não houve ajuste algum (e isso é o mais chocante). O Brasil enfrentou sérvios no mata-mata da mesma maneira (tática) que havia enfrentado França, Argentina e a própria Sérvia (na primeira fase): alimentando os pivôs, que, por sua vez, iniciavam quase todas as ações ofensivas (as dobras e quebras nas defesas rivais vinham daí). Fica a pergunta: será que para enfrentar adversários tão diferentes não vale a pena variar um pouco o sistema de jogo? É preciso treinar (antes da competição) estratégias diferentes para, quando rivais muito distintos surgirem, armas diversas sejam sacadas. Aparentemente o Brasil foi para uma batalha (o Mundial) achando que poderia enfrentar difíceis adversários apenas com uma arma. É pouco.

serviaQuando o ótimo Djordjevic impediu que as bolas chegassem aos pivôs o Brasil simplesmente entrou em parafuso. O ataque, que desde sempre foi muito limitado, literalmente travou, parou de funcionar, parecia não saber o que fazer. Isso já seria grave, se não fosse um pequeno fato. Mesmo jogando muito mal no primeiro tempo o Brasil foi para o intervalo perdendo por apenas cinco pontos. Ou seja: no vestiário poderiam ter sido feitos ajustes, modificações, tentativas para impedir que todas as tentativas do técnico sérvio que estavam dando certo continuassem a ter sucesso.

Na volta do intervalo, porém, nada de diferente foi feito. Raduljica era pouco incomodado na defesa porque a bola mal chegava em condições para Splitter/Anderson/Nenê. Teodosic tinha muita liberdade. Os contra-ataques eram abatidos com faltas. E as infiltrações sérvias saíam com uma facilidade incrível. Isso tudo, claro, antes das faltas técnicas que acabaram por sacramentar uma derrota que, se não viria por 28 pontos, é praticamente certo que viria pela forma como o Brasil estava atuando e pela pouca perspectiva de mudança que se via por ali. A melhor explicação para o revés veio mesmo de Alex, ótimo ala do time de Magnano: "Perdemos porque não defendemos. A marcação não encaixou e o ataque começou a acelerar as ações para compensar o que a defesa não estava conseguindo impedir – pontos", disse em excelente análise.

bra71Como disse em outro texto durante o Mundial (mais aqui), não se ganha mais em basquete FIBA devido ao ataque (a não ser que você tenha um atleta excepcional neste sentido em seu elenco – o que não é o caso do Brasil, diga-se). Equipes com sistemas ofensivos erráticos conseguem boa simplesmente porque têm estupendas defesas. Isso ficou evidente em 2006, com o sucesso da Grécia, deu uma esfriada em 2010 e agora voltou com toda força (vide a exibição defensiva de gala da França ontem, anulando completamente as armas do ataque espanhol). O Brasil mesmo ganhou de franceses, sérvios e argentinos sem levar mais do que 71 pontos.

Os fatores críticos do sucesso para se chegar longe no basquete mundial estão todos aí, na mesa, prontos para serem pescados por quem quiser (Magnano, técnicos do NBB, da LBF etc.). Viras as costas para isso é negligenciar as exigências do basquete que é jogado pelos melhores times do mundo. Não defender fortemente pelos 40 minutos é um pecado mortal. Não realizar ajustes de uma partida para outra, também. Ficam as lições para os Jogos Olímpicos de 2016.

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