A lição defensiva espanhola na Copa do Mundo
Muita gente ficou maravilhada com os tiros de três pontos de Pau Gasol ali no começo do terceiro período. Foram belíssimos mesmo. O que mais me chamou a atenção na derrota da seleção brasileira para a Espanha nesta segunda-feira, no entanto, não foi bem isso.
Foi, sim, a intensidade defensiva aplicada pelos ibéricos em (atenção) TODOS os 40 minutos da partida. Mesmo com larga vantagem, não houve um único momento em que o Brasil teve facilidade, ou tranquilidade, para atacar. Facilidade, aliás, que o agora ala do Chicago Bulls teve para cravar suas três bolas longas (nas três ele estava totalmente livre).
Essa foi a grande lição deixada pelo time de Juan Antonio Orenga na tarde/noite de ontem em Granada. Neste nível de competitividade, defender com intensidade nos 40 minutos é imperativo, é mandatório, é o básico se você quiser ir longe. Nem sempre você terá o seu melhor quinteto junto, mas, independente do talento, quem estiver na quadra precisa marcar MUITO.
Dificilmente você irá vencer um jogo FIBA de alto nível permitindo que seu rival acerte 51% de suas cestas de quadra. A defesa do Brasil incomodou tão pouco que foi isso que aconteceu com o (já potente) ataque espanhol, que acertou mais do que errou seus arremessos sem forçar muito (em um determinado momento que o índice chegou a assustadores 64%). Contra a França, na primeira rodada, o ataque tampouco passou dos 65 pontos (igual a ontem), mas a defesa brasileira colocou o time em condições de ganhar uma partida não muito bonita/bem jogada, algo que pode ser feito até o final da competição pois há capacidade atlética para isso.
Houve, ontem, um lance sintomático sobre isso que escrevo. Nenê (foto à direita) foi para a cesta. Levou um toco. A bola voltou pra ele. Outro toco (este com uma duvidosa falta marcada). Ali a diferença já estava em 15, 20 pontos. E mesmo assim a marcação continuou pesada, o canhão defensivo espanhol seguiu incomodando o ataque brasileiro. O pensamento de quem joga contra uma equipe assim deve ficar bastante confuso, pois não há tempo algum para relaxamento. E quando se relaxa, o rival vai lá e abre diferença (como fez a Espanha, diga-se).
Para quem gosta de conceito de jogo, é interessante notar. Ataque e defesa não se dividem, pois as duas ações são feitas pelos mesmos atletas em um espaço reduzido (diferente de futebol).
Na Espanha, a defesa ATACA o sistema ofensivo do adversário em TODOS os ataques (principalmente o jogador que está com a bola, a regra número 1 do basquete diga-se de passagem). Em alguns momentos, o "atacante" é tão cercado pelo seu marcador que ele passa a se defender do seu oponente mesmo com a bola nas mãos (é só ver quantas vezes, ontem, Huertas ou Raulzinho foram armar o jogo quase no meio da quadra devido a pressão na bola do excepcional Sergio Llull). Meio filosófico isso, mas é a mais pura verdade. O ataque, por sua vez, busca ATACAR a defesa rival o tempo inteiro, seja movimentando a bola com infinitos passes, seja com corta-luzes, seja com dribles. Com isso, a intensidade fica sempre perto dos 100% e nenhum dos dois setores precisa acelerar ações para conseguir compensar algo que não veio na outra extremidade (por isso quase não vemos tiros rápidos e muito menos marcações equivocadas).
Mais do que um equilíbrio, uma harmonia entre os setores, há uma homogeneidade muito clara entre ataque e defesa. Os dois precisam empurrar o adversário o tempo inteiro a fazer alguma coisa longe de sua zona de conforto (atacando em dificuldade ou defendendo em apuros). Alguns jogadores brasileiros reclamaram de falta, violência. Não foi isso. Foi, apenas, jogo físico, de contato, com tomadas rápidas de decisão. Como deve ser o basquete.
A gente, que está acostumado a ver jogos de NBB, se choca um pouco quando assiste a uma aula defensiva e de aplicação como foi ontem a da Espanha. Mas é algo muito natural no basquete de alto nível praticado pelos clubes e pelas principais seleções europeias. Muita gente alerta para a diminuta quantidade de contra-ataque do basquete de lá. E isso é bem simples de entender. Se há 100% de certeza em correr, pontua-se. Se não há, é preferível evitar riscos e (de novo) cansar a defesa adversárias com passes, cortes e dribles. Converter pontos, por incrível que pareça, não é a única prioridade do ataque. Manter a retaguarda rival sempre em estado de alerta e correndo como louca é uma estratégia pra lá de interessante.
O Brasil, por sua vez, até que consegue manter a defesa em bom nível por curtos períodos de tempo, mas não por todo tempo (algo essencial para se vencer no alto nível). Com Rubén Magnano (foto à direita), e aí está o grande mérito do bom técnico argentino, o tempo de defesa sufocante melhorou muito embora ainda esteja longe dos 100% recomendados, mas ontem contra a Espanha o time vacilou por oito dos 40 minutos (no começo do jogo e na volta do intervalo). O que se viu nestes dois momentos? Ataques espanhóis encontrando a cesta com facilidade, sistema ofensivo brasileiro afobado e sequência de pontos sem resposta por parte dos europeus.
Muitas pessoas que acompanham basquete por aqui ainda não aprenderam que é preciso virar o chip, pois o jogo mudou. Não se ganha mais em nível internacional devido ao ataque mas sim por causa de defesas alucinantes que permitem, até, ataques medianos prosperarem (vide Maccabi Tel-Aviv recentemente na Euroliga com uma aula defensiva de David Blatt – foto à esquerda – contra o Real Madrid e a Grécia na última década inteira). É muito, muito elementar isso e enquanto essa intensidade defensiva nos 40 minutos não for exigida desde a base o país terá problemas nos grandes jogos – em todas as categorias.
É uma mudança de cultura, um aperfeiçoamento de conceitos e isso leva tempo, eu sei disso. O que a Espanha fez ontem é treinado por lá há 20, 30 anos. Em dado momento (a pressão defensiva) torna-se automática, torna-se "parte do corpo" de todo atleta. Não é coincidência que nos últimos dez anos os ibéricos estejam mandando no mundo do basquete junto com os Estados Unidos, que também marcam até a sombra.
Os espanhóis estão mandando no mundo do basquete com o talento de Pau Gasol, sim, sem dúvida alguma (ninguém é maluco de dizer que habilidade e criatividade não têm mais vez), mas porque possuem dois defensores de elite no melhor basquete do mundo (Marc Gasol e Serge Ibaka) e principalmente porque os jogadores do país entenderam uma lição que Larry Brown (foto à direita) disse quando treinava aquele Detroit campeão da NBA em 2004: "No basquete, ceder cestas é o maior pecado que um time pode cometer. E no meu time quem permite que o adversário pontue com facilidade não joga, não entra em quadra. Se quiserem pontuar aqui, vão ter que suar muito".
Em algum momento, tenho fé, o Brasil entenderá isso e passará a treinar, desde a base, da maneira como espanhóis e americanos atuam desde crianças – marcando intensamente seus adversários.
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