Topo

Bala na Cesta

De Paula, Hortência e Miguel Ângelo para Huertas, Splitter e Magnano

Fábio Balassiano

18/08/2014 01h18

dupla1No dia 30 de abril de 1979, uma das mais importantes duplas do basquete brasileiro estreava em competições internacionais de alto nível. Foi na abertura do Mundial da Coreia do Sul contra Senegal (vitória por 98-57) que Hortência (autora de 26 pontos) e Paula (13 pontos) debutavam na seleção feminina comandadas por Antonio Carlos Barbosa (sim, ele mesmo).

As duas foram muito bem para quem tinha tão pouca idade e experiência. A Rainha, com 19 anos, teve surreais 20,6 pontos de média e terminou como a cestinha do torneio. Paula, aos 17, saiu-se com 10,5, ficando atrás de Vania Teixeira (11,2) e Suzete (17) no próprio time brasileiro.

O país olhava para elas e sabia que ali estaria o futuro da modalidade. Muito jovens e em busca de rodagem, caberia a elas levar o Brasil para os lugares mais altos no basquete feminino. Mas os resultados demoraram a vir. Hortência e Paula foram conquistar a primeira medalha de suas vidas em competições Classe A (Mundial ou Olimpíada) apenas em 1994 (e foi a de ouro no Mundial da Austrália), quinze anos depois daquela estreia de 1979 portanto. Hortência tinha 34 anos à época. Paula, 32. Vejam a tabela abaixo (NP = Não Participou) que mostra como foi difícil a trajetória do duo na seleção (apenas Paula jogou o Mundial de 1998).

result1

É óbvio que eles (os resultados) vieram por uma série de fatores. É possível citar a chegada de uma nova comissão técnica capitaneada por Miguel Ângelo da Luz, que deu uma repaginada em conceitos e oxigenou algumas idéias, a entrada de Janeth, que tornaria a ótima dupla em um infernal trio, e a mescla das experientes-e-talentosas Hortência e Paula com jovens em busca de espaço (Leila, Dalila, Alessandra, Roseli, Helen, Cintia, Simone, Helen e Adriana). Mas eu me lembro disso tudo agora quando penso na seleção masculina que irá disputar a Copa do Mundo da Espanha a partir de 30 de agosto.

time1É óbvio que a tal mescla de juventude e experiência não existe tanto assim em um elenco cuja média de idade já passa dos 30 anos (no feminino era de 24,1 anos). Mas há uma comissão técnica com idéias diferentes das que vinham sendo praticadas na seleção (Rubén Magnano assumiu às vésperas do Mundial de 2010), o sentimento que provavelmente este será o último Mundial do núcleo formado por Giovannoni, Alex, Marcelinho Machado, Marquinhos, Nenê, Tiago Splitter, Varejão, Leandrinho e Huertas, e que as frustrações do passado tenham se tornado em lições para vencer no presente. A junção de todos estes fatores, aliado ao senso de urgência que a modalidade tanto precisa neste momento, pode transformar um grupo talentoso em uma geração vencedora.

Para se ter uma ideia, em 29 de agosto de 2002 Alex, Marcelinho, Giovannoni, Anderson Varejão, Tiago Splitter e Leandrinho (metade do elenco atual, portanto) entravam em quadra na estreia do Brasil no Mundial de 2002, em Indianápolis (veja mais aqui) em uma estreia bem fácil contra o Líbano (vitória por 102-73). Doze anos se passaram, o núcleo segue na seleção e irá disputar o Mundial na Espanha daqui a duas semanas.

paulahortEm recente entrevista que fiz com as duas, as declarações delas me chamaram a atenção neste sentido: "Mais do que felicidade, foi um alívio (conquistar o título), pois era a nossa última chance de ser campeã do mundo, de marcar uma geração. Não tínhamos ganhado quase nada até aquele momento, só um Pan-Americano (de Havana, em 1991). No Mundial da Austrália começamos a jogar e vimos que poderíamos ir adiante, ir longe, chegar realmente no patamar que todas nós queríamos", Hortência (aqui). "Era meu quinto mundial, se não me engano, e eu me lembro que um dia antes da estréia eu comentei com as meninas no vestiário: "Olha, provavelmente este será meu último Mundial. Não quero voltar pra casa com a sensação de que algo poderia ter sido feito. Vamos nos entregar 100% em quadra para fazer valer tudo o que treinamos". Por isso a sensação que fica é de missão cumprida, de ter carimbado com um troféu uma vida de muito desgaste e, óbvio, frustrações na seleção", Paula (aqui).

O núcleo do grupo de Rubén Magnano já perdeu muitas vezes e passou por provações imensas (perdas de vagas olímpicas, derrotas contundentes em mundiais, chance perdida de medalhar em Londres-2012 etc.). E, como diz Phil Jackson, time ganhador é aquele que já perdeu muitas vezes juntos. Vejam só na tabela abaixo como foi a trajetória de quase 80% do elenco que estará na Copa do Mundo com a camisa da seleção brasileira masculina:
result5

splitter1
Pode ser otimismo demais da minha parte (logo eu, vocês devem estar pensando), principalmente depois do amistoso ruim contra os EUA, mas eu me peguei pensando, 20 anos depois da conquista do Mundial da Austrália pelas meninas, nas semelhanças dos cenários daquele time de Paula, Hortência e Miguel Ângelo com este de Huertas, Splitter e Magnano que irá disputar o torneio em solo espanhol no final deste mês (chance derradeira de medalhar, grupo talentoso, frustrações no passado e comissão técnica de alto nível).

Isso quer dizer que uma conquista importante virá? Não, longe disso. Mas esta será a última chance, depois de tanta frustração, deste núcleo reconhecidamente formado por jogadores muito talentosos e valorizados no cenário internacional de marcar seu nome na história do basquete brasileiro com uma medalha que não vem desde o bronze de 1978 no Mundial das Filipinas (com aquela cesta milagrosa de Marcel de Souza – veja mais aqui).

Sobre o blog

Por aqui você verá a análise crítica sobre tudo o que acontece no basquete mundial (NBB, NBA, seleções, Euroliga e feminino), entrevistas, vídeos, bate-papo e muito mais.