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Bala na Cesta

Agora fora de quadra, jogadores argentinos dão outro exemplo no basquete

Fábio Balassiano

30/07/2014 09h03

arg1No dia 19 de julho eu comentei aqui sobre o começo de mudanças que os jogadores da Argentina exigiam na sua Confederação nacional (a CABB). Citei o ala Leo Gutierrez, que em entrevista ao Olé (aqui o texto completo) falava sobre um grupo de jogadores (Manu Ginóbili, Andres Nocioni, Carlos Delfino, Pablo Prigioni e Luis Scola) que estava absurdamente insatisfeito com os rumos da entidade portenha.

Àquela altura dos acontecimentos, porém, não era possível saber o que iria acontecer (e falamos disso no Podcast também). German Vaccaro, antigo presidente, já havia sido deposto, mas Daniel Zanni (novo mandatário) estava lá (e os atletas tampouco gostavam disso).

arg2Alguns dias se passaram, e os atletas argentinos conseguiram de fato quase tudo o que queriam. Zanni pediu para sair na segunda-feira (ainda tentou se escorar no Ministério do Esporte local, mas este já havia sido cooptado pelos jogadores lá atrás – e continuou apoiando Manu, Scola e companhia) e na noite de ontem houve uma debandada geral. Ricardo Siri, vice-presidente de Vaccaro e Zanni, não aguentou e jogou a toalha (aqui). Além dele, outros seis dirigentes (alguns deles ligados às finanças da CABB, que deve cerca de 20 milhões de pesos – R$ 5,4 milhões) não fazem mais parte da entidade desde esta terça-feira.

arg3O 29 de julho, portanto, é um dia histórico para o basquete argentino. Tanto quanto aquele 28 de agosto de 2004, data em que os hermanos venceram a Itália por 84-69 para se sagrarem campeões olímpicos. Nesta data Ginóbili, Scola e seus companheiros alcançaram o grau máximo de consagração que qualquer atleta pode obter. Se é que é possível, ontem eles conseguiram uma glória diferente, mas tão ou mais importante. Os argentinos mostraram que são bons também fora de quadra. São bons jogando, são bons atuando como seres politizados. São bons com a bola na mão, são bons com a cabeça pensando. Nesta terça os platenses alcançaram algo raríssimo, algo bem difícil de acontecer. Ultrapassaram, em termos de idolatria, a esfera que atuam (esportiva) e passaram a ser geniais também como cidadãos de um país massacrado por gestões ruins não só no esporte. É, sem dúvida, um grande exemplo à Argentina e também ao mundo (esportivo ou não). E isso é tão lindo quanto raro de ver.

Ainda não se sabe exatamente o que de fato acontecerá na CABB, mas está muito claro que irá dirigir o basquete do país apenas dirigentes aceitos/chancelados pelos atletas. Se não tiver o aval deles, nada feito. E isso é maravilhoso, de verdade mesmo.

tiago1O que choca mais, para quem é brasileiro e defende mudanças tão grandes na Confederação Brasileira de Basketball quanto as que estão sendo pedidas por Ginóbili e companhia na CABB (transparência, boa gestão, fim das dívidas e projetos consistentes de basquete), são as palavras proferidas por atletas brasileiros ao repórter Daniel Neves, aqui do UOL. Daniel foi falar com eles ontem à noite no treino da seleção em São Paulo e ouviu isso (muita atenção):

"É uma questão complicada. Eles [na Argentina] realmente tiveram muitos problemas com a Confederação. Não tem a fiscalização que temos aqui na CBB, que é toda auditada. É uma situação totalmente diferente. Temos a nossa Confederação muito mais analisada do que a deles", Tiago Splitter (foto à esquerda).

"Para fazer esse julgamento (sobre os números da CBB) teria que ter acesso a todos os dados. Não tenho acesso a isso. A gente conversa, o Guilherme [Giovannoni] é o presidente da Associação de Jogadores. Mas entendemos que a Eletrobrás saiu [como patrocinadora] da Confederação e isso foi uma situação complicada de se administrar", afirmou Machado.

gui1"Estou olhando meio por cima o que está acontecendo [na Argentina]. Provavelmente neste fim de semana eu terei um encontro com o presidente da Associação de Atletas deles no Rio. Nós nos encontraríamos por outros motivos, mas vou aproveitar para saber mais a fundo o que está acontecendo. Acho importante que os atletas [da Argentina] estejam tentando melhorar a modalidade, assim como estamos tentando fazer a mesma coisa por aqui", Guilherme Giovannoni (foto à direita), presidente da Associação de Atletas (AAPB).

Não gostaria de comentar, mais uma vez, sobre isso, mas vamos lá:

1) Sobre o que Tiago Splitter fala, então só porque há uma auditoria que comprova que não há irregularidade (e de fato não há nada comprovado mesmo) nada pode ser exigido em termos de mudanças estruturais na CBB? Jura que é assim que se pensa? Políticos ruins podem continuar navegando tranquilos simplesmente porque não fazem nada ilícito? Achei que competência era um atributo necessário para permanecer no cargo (em qualquer cargo). Apenas para refrescar a cabeça do pivô campeão da NBA. Quando da divulgação do Balanço Financeiro de 2013 da Confederação, os AUDITORES que fiscalizavam as contas disseram o seguinte: "Há evidências de riscos na continuidade normal das atividades da entidade. A entidade vem apresentando déficits sucessivos e, consequentemente, seu patrimônio líquido está negativo, passivo a descoberto. A administração da entidade deve planejar e/ou buscar alternativas de curto prazo para reverter esta situação". Se a Auditoria, a quem Splitter exalta, diz isso significa que de fato transformações (em gestão) são necessárias. O grave do raciocínio de Tiago é que ele acaba pregando a completa manutenção do status quo. Nem Carlos Nunes esperava por um aliado assim tão forte, viu…

marcelo2) Sobre o que Marcelinho Machado (foto à esquerda) diz, desculpe, mas beira a piada (talvez seja). Ele é um dos diretores da Associação de Atletas. Se ele não tem conhecimento dos números, quem terá? Se ele não tem conhecimento dos números, como, através da AAPB da qual ele faz parte, votou a favor da aprovação das contas de 2013? Estranho isso, não? Seu argumento, pobre e raso, sobre a saída da Eletrobrás esquece que, de novo, a CBB cresceu em receitas (de R$ 25,7 em 2012 para R$ 27,2 milhões em 2013)? Será que Marcelinho sabe que o Ministério injetou R$ 14 milhões na entidade máxima, equilibrando, assim, as finanças da mesma? Um cidadão com quase 40 anos, o mais experiente dessa geração, proferir palavras assim fala muito sobre como pensa a maioria dos atletas do basquete brasileiro. Triste, viu…

gui13) Sobre o que o Sr. Guilherme Giovannoni (foto à direita) diz, gostaria de, amistosamente, alertá-lo do seguinte: NÃO é a Associação argentina de atletas que está por trás das mudanças exigidas na Confederação local (e isso foi dito pelo próprio Gutierrez ao Olé). Manu Ginóbili e Luis Scola fizeram questão de não envolver atletas que atuam no país justamente para não expor a turma a uma guerra desnecessária. Manu e Scola vivem 10 meses foram de seu país e não sofreriam retaliações (mais uma tacada certeira deles). Sobre a declaração "Estou olhando meio por cima o que está acontecendo (na Argentina)", eu juro que prefiro não comentar muito. É muito surreal pra mim. O cara é presidente de uma Associação e se posiciona assim? É sério isso?

Desculpem o pessimismo (ou realismo), mas pensar em mudança no basquete brasileiro com atletas assim tão conformados é impossível. É um devaneio imaginar que com um grupo tão alinhado a favor da Confederação Brasileira as transformações pelas quais a modalidade deve (ou deveria?) passar acontecerão. E uma Confederação, é sempre bom lembrar, que afunda o país há quase 20 anos (seja em resultados internacionais pífios, seja em dívida crescente, seja na falta de qualquer projeto para o crescimento da modalidade por aqui). A posição (ou falta dela) que os jogadores tomam é absolutamente inversa ao momento pelo qual o basquete brasileiro passa há anos, vocês vão me desculpar. E assim os dirigentes vão ficando, ficando, ficando…

arg4Ah, só lembrando: o PRINCIPAL motivo do motim dos hermanos foi a gestão financeira "horrorosa" (palavras de Scola) da entidade máxima do basquete do país. Aí a gente olha os números e detecta que a dívida da CBB (R$ 9,5 milhões até o final de 2013) é quase duas vezes maior que a  da CABB na Argentina (R$ 5,4mi). Lá nove dirigentes foram EXPULSOS por atletas. Aqui Nunes e seus companheiros são afagados constantemente por jogadores. Precisa falar mais?

E você, o que está achando disso tudo? Espera que os atletas brasileiros fizessem algo? Ou já dá pra perder as esperanças? Comente!

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