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Bala na Cesta

Sobre Nenê, seleção brasileira, patriotismo e relação atleta/CBB

Fábio Balassiano

14/10/2013 01h03

Este é um assunto chato, chato demais (tão mala quanto recorrente, diga-se de passagem). Mas depois de sábado parece impossível que eu não escreva sobre ele (até porque muitos de vocês pediram aqui, no Twitter e no Facebook do Bala na Cesta). É sobre o que aconteceu no primeiro jogo da NBA no Brasil, quando Nenê foi vaiado ferozmente pela torcida que compareceu à HSBC Arena. Deste canto eu posso dizer a vocês que me senti constrangido quando a plateia vaiou incessantemente o camisa 42 do Wizards.

Em primeiro lugar, quando a análise enviesa para o "ele é patriota", "ele não ama o país" ou qualquer coisa parecida eu só peço, por favor, que me incluam fora dessa. Isso é algo tão rasteiro, retrógrado, tosco, baixo que nem merece ser comentado. Sugiro uma olhada no filme "O Terminal", de Tom Hanks. Vai valer horas de boa reflexão sobre o conceito por vezes deturpado de (argh) patriotismo – deturpado ou direcionado pelas pessoas para o lado mais conveniente no calor da discussão do momento. Reflitam sobre isso: o que é amar o país? Não há, obviamente, uma única resposta correta sobre isso. Parece tema de redação do ENEM, né. Mas inacreditavelmente é o que quase todo mundo que acompanha basquete coloca em questão quando jogadores não atuam pela seleção – como se tivesse alguma relação.

Em segundo lugar: até parece que o problema do basquete brasileiro se resume, apenas, a jogadores da NBA que não se apresentam ao time nacional por três dos 12 meses do ano. Isso é de um reducionismo, de um simplismo, de uma vontade louca de repetir clichês que assusta. A Confederação Brasileira é terrivelmente comandada há quase 20 anos, a dívida da entidade erguida com dinheiro público fechou em R$ 8,8 milhões em 2012, mais de uma dezena de campeonatos de base foram riscados do calendário e não há o menor planejamento de basquete no país por parte da entidade que deveria comandar as ações no país. Juro que gostaria de ver as pessoas que apontam o dedo para "os NBA", como agora ficaram conhecidos os atletas que atuam na principal liga de basquete do mundo, ter a mesma força e insistência para cobrar dos dirigentes que afundam a modalidade há duas décadas. Isso, pelo que vejo, ninguém faz ou se interessa. Estranho, não?

Em terceiro lugar, acho importante tentar se colocar no lugar dos outros antes de se posicionar de maneira tão passional em um assunto delicado como este. Ser um pouco mais ponderado é fundamental. Ser um pouco mais racional faz bem. Ginóbili não joga todos os anos pela Argentina. Tony Parker, o mesmo pela França. Dirk Nowitzki, exatamente a mesma situação pela Alemanha. E eu não vejo hermanos, franceses e alemães satanizando seus ídolos. Pelo contrário. Vejo respeito, consideração e compreensão por parte dos torcedores em algo que todos sabem ser delicado: cuidar do corpo de um atleta que joga 90, 100 jogos em uma temporada surrealmente desgastante como é a da NBA. Luis Scola, que vai jogar pela Argentina em todos os anos, é a exceção – e não a regra, que isso fique claro.

Em quarto lugar, há uma coisinha que me irrita profundamente nesta história toda. Será que ninguém da Confederação Brasileira vai tentar mudar esse quadro com os jogadores? Está mais do que claro que existe um problema de comunicação gravíssimo entre o alto escalão da entidade máxima e os atletas, que deveriam ser tratados como patrimônio da modalidade (são os principais responsáveis para tentar popularizar o basquete novamente, ou alguém ainda não percebeu isso?) e que inacreditavelmente são colocados no pelotão de fuzilamento toda vez que uma convocação é feita para a seleção brasileira. Uma pergunta importante: será que vale a pena, mesmo, convocar atletas que sabidamente não poderão atuar devido a contusões, aumentando assim a animosidade que já é reinante entre torcida e atletas que jogam na NBA? Este caso foi visto agora, quando Leandrinho, Nenê e Anderson Varejão estavam LESIONADOS no dia em que Rubén Magnano fez a lista dos convocados. Além disso, é inadmissível que depois de um fiasco como foi o da Copa América o líder da seleção venha criticar a quem não foi, tirando a sua responsabilidade da reta – e como se os caras não tivessem querido comparecer. Um comandante não age assim, um líder não PODE fazer isso. Se o técnico da seleção joga os atletas contra a torcida/imprensa, dá pra imaginar quão ruim está a comunicação entre as partes, não? Só para demonstrar quão ineficiente é este trabalho da Confederação: nestes dias todos em que o Washington Wizards esteve aqui eu não vi movimento algum por parte dos diretores da CBB para tentar se aproximar de Nenê. Será que não valeria a pena um carinho no rapaz, uma tentativa de começar um novo capítulo de uma relação que desde sempre é conturbada? Creio que sim.

Em quinto lugar, acho que é fundamental enxergar uma coisinha bem óbvia (e que acontece no futebol também): antes, o auge da carreira de um atleta era atuar na seleção brasileira. Hoje, todo jogador da base sonha em atuar na NBA (ou, no caso do esporte bretão, na Europa). Se a Confederação Brasileira quiser seus melhores atletas, é bom ela ter um poder de convencimento bem razoável para trazê-los para a seleção. E poder de convencimento significa ter bons argumentos para fazer com que os jogadores tenham vontade de defender a seleção. Acho que está claro que o time nacional precisa destes caras, não? Tanto em termos técnicos quanto em termos de popularidade.

Em sexto lugar, seria importante que os atletas soubessem se posicionar de maneira clara e firme também. Nenê, para ficar em um exemplo, tem todos os motivos do mundo para não ter jogado nos últimos anos (câncer, lesão grave no joelho, contusão no pé, o diabo), e a impressão errada que fica é que ele não quis jogar – quando sabidamente ele não tinha condição para tal. Ontem mesmo, em um jogo de pré-temporada, ele estava longe de sua melhor forma física – e a temporada da NBA começa em duas semanas. Como disse acima, há um problema grave entre comunicação de atletas e Confederação Brasileira, que não deveria, mas acaba (por falta de competência ou de noção) acaba expondo os atletas de forma totalmente desnecessária. Nenê joga na NBA há mais de uma década, é absurdamente respeitado por todos nos Estados Unidos, e não é possível que em seu país ele seja tratado como um bandido, como um assassino. Sua saída do Vasco da Gama, na época do Draft de 2002, foi muito conturbada, deixou sequelas e é bem natural que até hoje essa cicatriz não tenha sido fechada simplesmente porque ninguém da entidade máxima quis, até hoje, fechá-la. Enquanto isso continuar o pivô do Washington terá sempre um comportamento passivo e não o de alguém que tem tanto a contribuir para o crescimento do basquete brasileiro – dentro de quadra, com seu talento, e fora dela com sua experiência de anos na melhor liga de basquete do mundo. A única coisa que eu faria de diferente de Nenê é ser mais claro em suas posições, não deixando na mão da insossa CBB tudo o que diz respeito a ele. Como está provado, este expediente não tem dado certo – pra ele e demais atletas da NBA, que acabam queimados perante opinião pública e torcedores.

Em sétimo lugar, neste sábado a NBA deu uma grande demonstração do que é respeitar seus ídolos. Trouxe para um jogo AMISTOSO no Brasil dois campeões pelo Chicago Bulls (Horace Grant e Scottie Pippen – Randy Brown e John Paxson trabalham pro Bulls e viriam de qualquer jeito) simplesmente para que eles fossem homenageados no meio da quadra. Foram 30 segundos de aplausos, uma entrevista coletiva e nada mais. Como isso se chama? Respeito aos ídolos, só isso. A liga não teria motivo algum para levar para outro país campeões do Chicago Bulls. O fez pelo singelo motivo que foram aqueles caras que colocaram os Bulls no mapa do basquete mundial na década de 90. É pouco, para eles talvez não tenha significado algum, mas é um carinho, um mimo, uma delicadeza que os caras fazem dia após dia com quem fez tanto pelo esporte. Uma pergunta boba: do jeito que são trabalhados e tratados os melhores jogadores do Brasil desta geração é viável pensar em uma homenagem destas daqui a 30, 40 anos? Obviamente que não, já antecipo a resposta.

É exatamente isso que penso. E este texto provavelmente poderá ser lido em 2014, na época da convocação do Mundial, ou nos próximos anos. Se a relação e o tratamento das duas partes não mudar, mais vaias virão, mais situações constrangedoras virão. O basquete brasileiro precisa de paz, de calma, de sabedoria e planejamento pra crescer. Do jeito que está, no entanto, não vai, não chegará a lugar algum (ídolos trocando farpas pela imprensa é o fim).

Sábado foi o ápice do constrangimento que o basquete brasileiro viveu. Não por uma derrota na quadra, não por uma bola de três que nos derrotou no último segundo. Isso é do jogo, isso é do basquete. Sábado foi um soco na boca do estômago de quem gosta de basquete simplesmente pelo fato de todo mundo ter visto como é a relação tenebrosa entre torcida e o melhor jogador do país na NBA há mais de uma década.

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